Pico do Cabugy: segunda unidade de conservação do RN é mesmo um vulcão extinto?

Em meio à caatinga, na região central do Rio Grande do Norte, uma formação excêntrica chama a atenção: é o Pico do Cabugy, ou ainda Parque Ecológico do Cabugy, segunda unidade de conservação criada no estado, em 1988. Muitas pessoas ainda acham que o Pico do Cabugy é um violento vulcão que repousa, porém, essa ideia vem sendo questionada por pesquisadores. A reportagem da Agência Saiba Mais buscou desvelar essa questão.

O parque está inserido em uma área de 625 hectares no município de Angicos, com uma zona de amortecimento, em seu entorno, de 2.302 hectares. No alto de seus 590 metros, é um espaço de recreação; turismo pedagógico, contemplativo e de aventura; e pesquisa científica. O Pico do Cabugy está às margens da BR-304.

Parque se impõe em meio à caatinga / Foto: Jessione Filho

O geógrafo Ilton Soares, supervisor da Unidade de Gestão da Biodiversidade (UGBio) do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema/RN), afirma que os objetivos da unidade de conservação são proteger este raro remanescente de atividade vulcânica no Brasil e sua estrutura geológica, conservar o bioma caatinga e promover o turismo sustentável na área.

Saiba Mais: Rio Grande do Norte tem 11 unidades de conservação da natureza

Soares explica ainda alguns dos aspectos relativos à atividade vulcânica que o parque apresentou (ou não) ao longo de seus mais de 25 milhões de anos de formação. 

Segundo ele, estudos recentes questionam a ideia de que o Pico do Cabugy é um vulcão extinto. A hipótese mais aceita é de que ele consiste, na verdade, em uma edificação vulcânica que preservou sua forma original – uma das únicas do Brasil, e a mais complexa do RN. 

Curioso nome do monumento

O nome Cabugy, que também já estampou veículos de comunicação no estado (Cabugi), vem do tupi-guarani e significa “peito de moça”. Conforme Soares, isso se deve ao formato do pico, que lembra um seio feminino.

Ao longo da história, o Pico do Cabugy serviu como ponto de referência para viajantes, quando ainda não existiam as rodovias e os caminhos modernos. Os quase 600 metros de altitude podem ser avistados de longe.   

Porém, Cabugy não foi o primeiro nome. A área já se chamou Serra de Itaretama, nome da atual cidade de Lajes até 1953. Itaretama, por sua vez, significa “serra de muitas pedras” – uma das características do parque é mesmo possuir inúmeras rochas. 

Local tem presença de pedras, especialmente o basalto / Foto: Mariana Gondim

Criado pela Lei nº 5.823/1988, o Parque Ecológico Cabugy é uma unidade de proteção integral, que visa à preservação do ambiente e coibe possíveis danos àquela região. As atividades desenvolvidas no parque têm que ser responsáveis, a exemplo do turismo, e cabe ao Idema, com o apoio de órgãos como a Polícia Ambiental, fazer vistorias para garantir a preservação. As pesquisas científicas também são aprovadas pelo instituto.

Controvérsias quanto à ideia de vulcão

A história da formação geológica inicia há 25 milhões de anos, durante o período Paleogeno (65,5 a 23,8 milhões de anos atrás). O Pico do Cabugy foi originado de atividades vulcânicas, conforme Soares esclarece, mas a maioria das pesquisas não conseguiram encontrar indícios de que houve as famosas erupções vulcânicas.

Pico do Cabugy desperta controvérsias / Foto: Mariana Gondim

“As pessoas sempre perguntam: aquilo ali é um vulcão? E, quando a gente pensa na ideia de vulcão, a gente pensa logo naquela ideia de erupção vulcânica, como vemos nos vulcões no Japão, Indonésia e Havaí. Aquela coisa de filme clássico. Aquilo não aconteceu no Pico do Cabugy”, diz. 

Continua:

“Existem correntes geológicas que tentam explicar a história daquela formação geológica, mas a mais aceitável, hoje, defende que nunca houve erupção vulcânica ali”.

– Então, como tudo se formou? 

Soares informa que o interior da terra é um ambiente dinâmico. As inúmeras rochas presentes na área do Parque Ecológico Cabugy provêm do magma – “aquela rocha mais pastosa que dá origem à lava”. Esse magma teria sido formado a aproximados 50 ou 60 quilômetros de profundidade.

Ilton Soares é supervisor da UGBio / Foto: acervo pessoal

De acordo com o geógrafo, o magma, com cerca de 1.300ºC, teria subido por fissuras, que são rachaduras presentes nas rochas do interior da terra. À medida que subiu, o magma chegou a aproximadamente 500 ou 600 metros de profundidade. “Quando você chega nessa profundidade, já tem uma temperatura muito mais fria. Essa lava foi resfriando e formando a rocha chamada basalto”.

Para que as rochas, formadas a 500 ou 600 metros, chegassem à superfície, pode ter havido influência de placas tectônicas, cujo movimento pode ter deixado elas expostas. Além disso, a erosão contribuiu, ao longo do tempo, para que o RN hoje tivesse um dos poucos edifícios vulcânicos extintos com uma forma tão original em solo brasileiro.

“Esta é uma das grandes características de unicidade, o que torna aquele local exuberante. É um monumento geológico de uma quase exclusividade”, diz Soares.

Exclusividade motivou criação do parque

Seguindo a unicidade encontrada na região central do Rio Grande do Norte, viu-se, à época da criação, a necessidade de preservar o Pico do Cabugy. “Era algo muito raro de se ver no território brasileiro. Foi diante disso que o estado foi provocado a criar a unidade”, conta Ilton Soares.

Nos anos 1980, o debate ambiental estava crescendo. O RN já tinha reconhecido a importância do Parque das Dunas, tema da primeira reportagem desta série, mas apenas 11 anos depois criou a segunda unidade de conservação.

No Brasil, o discurso ambiental começou a ganhar mais pujança. Exatamente a partir da segunda metade dos anos 80, a gente percebe um crescente número de criação de unidades de conservação no Brasil”, Soares contextualiza.

Isso, no período pós-ditadura militar: “A consciência ambiental pega também o pós-ditadura militar, quando a pauta ambiental começou a entrar nas discussões. Antes, tínhamos um regime totalitário em que se discutia muito pouco as questões ambientais. Tem esse aspecto histórico também”, reflete.

Berço de pesquisas geológicas 

Por toda essa história “intrigante”, como Soares a classifica, o Parque Ecológico Cabugy foi berço de estudos geológicos diversos, que pesquisaram, por exemplo, a datação de rochas. 

A gente sabe que aquilo é uma rocha vulcânica, formada por um processo geológico chamado de vulcanismo. Mas uma rocha vulcânica não quer dizer que ela é de um vulcão”, frisa.

No lastro dessas pesquisas, houve quem defendesse a hipótese de que o parque abriga um vulcão extinto, e a ideia até mesmo vende o local como de relevância turística até hoje. 

Contudo, Soares fala sob a perspectiva de pesquisas que contestam alguns aspectos desse “mito”, e que atualmente são mais aceitas na comunidade científica.

Se teve alguma atividade vulcânica ali, foi algo muito pequeno”, observa. Geólogos nomeiam a formação como um edifício vulcânico: “Imagine uma grande fissura que se abriu no interior da terra e, como a lava é pastosa, ela foi empurrada de baixo para cima por pressão. Assim, formou-se o edifício vulcânico”, descreve.

Pesquisa recente estudou a flora do Cabugy

Hoje, o carro-chefe de pesquisas tem sido a flora presente na unidade de conservação. Ilton Soares dá como exemplo a pesquisa de mestrado de Amanda Cristina Dantas de Souza, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern), apresentada em 2024.

Pesquisa identificou 10 novas espécies botânicas / Foto: Mariana Gondim

Nela, Amanda Cristina realizou um estudo florístico preliminar do pico e descobriu dez novas ocorrências de espécies de flora registradas no estado. Para Soares, isso representa um rico potencial de biodiversidade do parque.

Nos últimos anos, as pesquisas realizadas estão com o foco em estudar a flora da unidade de conservação, que não tem somente a importância geológica em função do tipo. O fato de existir aquela formação também acaba propiciando a adaptação de algumas espécies de plantas”, afirma. 

Turismo promove o ensino e a economia local 

Em relação ao turismo praticado na unidade de conservação, o gestor da UGBio destaca os tipos turismo didático e turismo de aventura, além do turismo de contemplação. 

Cursos universitários da área das geociências são os maiores responsáveis pelo turismo pedagógico. Isso porque o campo fornece rico material de pesquisa em geologia, geomorfologia e geografia física, além de possuir uma curiosa história de formação.

Ilton diz que há um movimento crescente de grupos de aventura no RN, que realizam trilhas ecológicas caatinga adentro. “As pessoas sobem ali, e estamos falando de uma estrutura geomorfológica de 590 metros de altitude. Você tem uma vista fantástica lá de cima”. Há quem acampe em cima do pico.

Para tais atividades, a recomendação do Idema é que os grupos contratem sempre guias locais, residentes dos municípios de Angicos e Lajes, por exemplo, o que movimenta a economia local e gera emprego e renda.

“São pessoas que conhecem bem o caminho, então fica muito mais seguro. Na verdade, em toda prática de turismo nessas unidades de conservação no interior do estado, o ideal é que você tenha um guia local. Geralmente, são pessoas que cresceram naquela região e a conhecem”, frisa.

Para 2026

Quanto a projetos futuros, Soares conta a construção de uma sede administrativa para o parque que está nos planos do Idema e já existe recurso necessário para tal. Das 11 unidades de conservação, segundo ele, seis têm sede administrativa – ou ecoposto –, além do Parque das Dunas, que tem um complexo estrutural.

“Já existe um recurso de compensação ambiental assegurado para a construção do ecoposto. É algo que provavelmente vai estar sendo iniciado em 2026”, afirma à Agência Saiba Mais.

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Esta é a segunda reportagem da série de reportagens da Agência Saiba Mais sobre as 11 unidades de conservação que existem no Rio Grande do Norte. 

Acompanhe a série

Parque das Dunas: refúgio da Mata Atlântica na capital potiguar

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