A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) passou a oferecer, de forma gratuita, o serviço de hormonioterapia para homens trans no Ambulatório Transexual e Travesti (Ambulatório TT). A medida marca uma conquista histórica para a população LGBTQIAPN+ da capital potiguar, resultado de anos de mobilização social por políticas públicas inclusivas e equitativas. A terapia hormonal será ofertada a usuários que já estão em acompanhamento há pelo menos seis meses, com prescrição feita por profissionais da equipe médica do serviço.
A solenidade que celebrou o início da administração hormonal aconteceu na última quinta-feira (8), no próprio ambulatório e o novo serviço é tido como um passo importante rumo à promoção de direitos e à garantia de cidadania plena para pessoas trans.
“É um momento emblemático para o SUS em Natal. Pela primeira vez, o município reconhece, institucionalmente, a importância da hormonioterapia no processo de afirmação de gênero e viabiliza seu acesso contínuo. Isso é fruto da luta da população trans e do esforço de trabalhadores e trabalhadoras do serviço público que atuam com compromisso social e sensibilidade”, afirmou Sandra Raissa, Secretária Adjunta de Atenção Integral à Saúde.
O atendimento ocorre de segunda a quinta-feira, das 9h às 14h, com prescrição e administração de testosterona no próprio Ambulatório TT. O tratamento visa alinhar os traços corporais à identidade de gênero dos usuários, promovendo transformações como o aumento da massa muscular, crescimento de pelos e diminuição do tecido mamário, além de colaborar diretamente para o bem-estar emocional de quem passa pela transição.
“A hormonização é uma ferramenta fundamental para garantir saúde mental, autoestima e dignidade para as pessoas trans. A gente sabe que o acesso à saúde integral ainda é negado para muitas, então esse avanço em Natal é para ser celebrado, mas também deve ser visto como ponto de partida para muito mais”, destacou Cléa Patrícia, coordenadora do Ambulatório TT.

Ambulatório do Hospital Giselda Trigueiro
Para quem acompanha de perto a realidade dos atendimentos, o avanço é motivo de comemoração, mas também de atenção. Caeu Nunes, 25 anos, homem trans e usuário do ambulatório do Hospital Giselda Trigueiro, compartilha que houve melhorias recentes no processo de comunicação com os pacientes. “Agora somos avisados quando a médica falta ou quando a consulta será cancelada. Antes, a gente ia até lá e só descobria na hora. Isso era um problema, especialmente porque o acesso ao Giselda é difícil. A maioria depende de Uber ou enfrenta muita dificuldade para chegar”.
Ele ressalta que os atrasos nas consultas impactam diretamente o tratamento: “O hormônio que usamos lá é o undecilato de testosterona, aplicado a cada três meses. Se passa disso, já começa a afetar o corpo. Só conseguimos a receita e a liberação do hormônio depois da consulta com a médica, então qualquer atraso compromete nossa saúde”.
A situação tem melhorado, segundo ele, graças à mobilização da própria comunidade: “Algumas pessoas conseguiram encaixe com a médica depois de pressionarem muito. Mas quem não está em grupos de conversa, por exemplo, nem sempre sabe o que está acontecendo e perde a chance.”
Outro ponto levantado por Caeu é a sobrecarga da equipe: “Só tem uma médica para atender todo mundo, o que atrasa as consultas e gera remarcações muito longas. Precisamos de mais profissionais no serviço.”
Política pública como direito, não como favor
Caeu também faz questão de destacar que a hormonioterapia gratuita é uma questão de justiça social. “É um direito nosso, não é regalia. A saúde da população trans precisa ser levada a sério. Vi muita gente criticando como se fosse um gasto desnecessário, mas esse é um passo importante. A gente está falando de pessoas que, muitas vezes, foram expulsas de casa, vivem em situação de vulnerabilidade, enfrentam violência todos os dias e não têm sequer o que comer. Como ter acesso à hormonização se o hormônio está custando quase R$ 400?”
Ele relembra que chegou a pagar o tratamento, mas não conseguiu manter: “Foi justamente quando o hormônio começou a ser ofertado no Giselda. A hormonização muda tudo, inclusive nosso psicológico. É isso que está em jogo: nosso bem-estar, nossa dignidade. É o mínimo que o SUS pode fazer por nós”, finaliza. Agora com o anuncio do Ambulatório TT, a expectativa é de não monopolizar os atendimentos às transmasculinidades no Giselda.
Ambulatório TT
Inaugurado em 2020, o Ambulatório Transexual e Travesti é um equipamento essencial do SUS em Natal, oferecendo acolhimento especializado a travestis, homens e mulheres trans, além de pessoas não binárias. A unidade é composta por equipe multiprofissional com médicos, psicóloga, assistente social e enfermeiras, e realiza cerca de 100 atendimentos médicos por mês. Ao longo de seus cinco anos de funcionamento, já acolheu mais de 600 pessoas, mostrando a urgência e a relevância do serviço. Com acesso por demanda aberta, o Ambulatório TT funciona na Avenida Nascimento de Castro, 1892, no bairro Lagoa Nova. Para agendamentos, os contatos são (84) 9 8846-3997 ou [email protected].
Em tempos de desmonte de políticas públicas em nível nacional, a ampliação desse tipo de serviço reafirma a importância de uma gestão comprometida com a vida, a dignidade e os direitos da população LGBTQIAPN+.
Restrição do CFM a cuidados de saúde para pessoas trans
o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução nº 2.378/2024, que impõe novas restrições aos cuidados em saúde para pessoas trans no Brasil. A norma proíbe o uso do bloqueio hormonal na puberdade para adolescentes trans, eleva a idade mínima para início da hormonização de 16 para 18 anos e só permite cirurgias de afirmação de gênero a partir dos 21. A decisão foi anunciada sem diálogo com entidades médicas especializadas nem com movimentos sociais, e contrariando diretrizes internacionais e estudos científicos consolidados sobre a eficácia e segurança desses tratamentos.
Especialistas e ativistas denunciam que a medida representa um retrocesso grave nos direitos da população trans, sobretudo de crianças e adolescentes, ao inviabilizar o acesso a cuidados que salvam vidas. Ao limitar a autonomia sobre os próprios corpos e desconsiderar a vivência de pessoas trans, a resolução agrava o sofrimento psíquico, empurra jovens à automedicação e dificulta ainda mais o acesso a um sistema de saúde já marcado por desigualdades. O Brasil, país que lidera o ranking mundial de assassinatos de pessoas trans, não pode se dar ao luxo de políticas que negam a essa população o direito básico à existência digna.
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