A Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, dispõe sobre as garantias e deveres individuais e coletivos, considera invioláveis o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Além disso, no Inciso IV, assegura o direito à liberdade de expressão e estabelece “a liberdade individual de manifestação do pensamento”, abrangendo a liberdade de expressão artística, científica, intelectual, de imprensa, entre outras.
No entanto, esse direito não é ilimitado. É necessário que esteja em consonância com os direitos individuais garantidos pela Constituição, a fim de evitar conflitos com outros direitos fundamentais.
A liberdade de expressão é um direito humano fundamental também reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro 1948, e estabelece o que considera como direitos essenciais de todos os seres humanos. O artigo 18 afirma que todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião, enquanto o artigo 19 estabelece o direito à liberdade de opinião e expressão, incluindo a liberdade de buscar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, sem interferências ou fronteiras.
É importante destacar que a liberdade de expressão não significa dizer ou publicar tudo que se deseja. A Constituição também impõe limites para garantir o respeito ao direito dos outros. Por exemplo, o anonimato é proibido, o que significa que ninguém pode se esquivar das consequências de suas ações, como ofensas que atentem contra a dignidade ou a integridade das pessoas. O racismo,é crime, e não pode ser justificado sob o pretexto de liberdade de expressão ou de imprensa (em 2019 o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que as condutas homofóbicas e transfóbicas se enquadram na tipificação da Lei do Racismo).
No Brasil, diversos artigos, ensaios acadêmicos e livros discutem o tema da liberdade de expressão e de imprensa. Um exemplo é o livro Liberdade de expressão: as várias faces de um desafio, organizado por Venício A. Lima e Juarez Guimarães (Editora Paulus, 2013) que aborda as origens político-filosóficas da liberdade de expressão, a opinião pública democrática, a censura e Lei de Imprensa, entre outros aspectos.
Recentemente, o jornal o Estado de S. Paulo em comemoração aos seus 150 anos, organizou o Fórum Liberdade de Expressão com a participação de especialistas como Dana Green, vice-presidente e conselheira geral adjunta do jornal The New York Times; Bia Barbosa, coordenadora de Incidência do escritório do Repórteres Sem Fronteiras para a América Latina; Marcelo Godoy, repórter especial do Estado de S. Paulo e o advogado Afrânio Affonso Ferreira Neto.
Para Bia Barbosa, o Brasil integra a região mais letal para jornalistas no mundo. Segundo ela, fora dos grandes centros urbanos, a vulnerabilidade frente às autoridades locais coloca os profissionais entre a independência editorial e a sobrevivência econômica. Além disso, o país faz parte de um contexto sul-americano que é “campeão no assassinato de comunicadores no mundo”.
Ela também destacou que a maior ameaça à liberdade de imprensa no Brasil e no mundo é a ascensão da extrema direita, que distorce e se apropria do conceito de liberdade de expressão para bloquear iniciativas importantes em defesa da imprensa livre.
Um exemplo recente foi o caso do X (antigo Twitter) em 2024, que saiu do ar no Brasil após se recusar a cumprir uma decisão judicial ratificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Embora tenha sido amplamente utilizado pela extrema direita, o episódio não se tratou de censura, mas do descumprimento de uma ordem legal.
Em seu artigo Liberdade de expressão? Publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 5/09/2024, o jornalista e professor Eugênio Bucci, analisou o caso, criticando os apoiadores do golpe de 1964, “a claque tardia da ditadura” que, segundo ele, ainda demonstram saudade da ditadura, da tortura e da censura. Bucci também destacou que, atualmente, o discurso em defesa da “liberdade de expressão” é muitas vezes utilizado por grupos que historicamente a combateram. E afirma, “você nunca vai ver esse pessoal respaldando liberdade de expressão dos moradores de rua, das mulheres pró-aborto, da população trans, dos trabalhadores pobres, dos quilombolas e dos indígenas (…) combativos, prestam sua solidariedade pungente ao estropiado mártir da democracia: Elon Musk”.
Outro ponto relevante foi à participação do ministro e vice-presidente do STF, Edson Fachin em 29 de abril de 2025. Fachin alertou para a disseminação de fake news e a estratégia de desacreditar instituições como o Judiciário e a imprensa. Ele defendeu a regulamentação das redes sociais para conter os impactos danosos da desinformação e cobrou do Congresso Nacional a aprovação do PL das fake news que está parado na Câmara dos Deputados desde maio de 2023.
Este é um aspecto relevante. Como se sabe, em abril de 2024, o então presidente da Câmara, Arthur Lira, para não colocar o PL em votação, e acabar com a sua tramitação, decidiu pela criação de um Grupo de Trabalho para debater e elaborar outro texto, o que não ocorreu até hoje. Foi uma forma, na prática, de acabar com o PL.
O jornalista Eugênio Bucci, em outro artigo (“Quem usurpa a liberdade de expressão?”) publicado no dia 1/05/2025 criticou as big techs por abusarem do poder econômico e tecnológico para manipular a opinião pública, muitas vezes sob o pretexto de defender a liberdade de expressão.
Como ele afirma, “as pessoas jurídicas, como as grandes corporações ou os Estados, não são sujeitos da liberdade de expressão. Não obstante, quase todos os dias, os maiores grupos econômicos do planeta se esmeram em manipular a opinião pública e depois alegam que fazem isso porque exercem o direito humano de se exprimir livremente” e alerta: “É preciso cuidado. Muitas vezes, estes que falam muito em nome da liberdade de expressão só querem abafar as vozes discordantes”.
Desde 2002, a ONG Repórteres Sem Fronteiras publica anualmente o Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, definida como “a possibilidade efetiva dos jornalistas, como indivíduo e como coletivos, selecionarem, produzirem e divulgarem informações de interesse geral, independentemente de interferências políticas, econômicas, jurídicas e sociais, e sem ameaça à sua segurança física e mental”.
O objetivo é avaliar o grau de liberdade de jornalistas e meios de comunicação em diversos países (em 2002 eram 139 países, aumentando para 179 em 2025). Em 2025, o relatório mostrou que a liberdade de imprensa global atingiu o pior nível da história, com a pontuação média caindo abaixo de 55 (em uma escala de 0 a 100).
Para da Repórteres Sem Fronteiras “Em um momento em que a liberdade de imprensa enfrenta um declínio alarmante em muitas partes do mundo, um fator importante – frequentemente subestimado – está enfraquecendo profundamente o jornalismo: a pressão econômica. Concentração da propriedade dos meios de comunicação, pressão de anunciantes ou financiadores, ausência, restrição ou atribuição opaca de auxílios públicos… Diante desses elementos, medidos pelo indicador econômico do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), uma constatação se impõe: hoje, os meios de comunicação estão divididos entre a garantia de sua independência e a luta por sua sobrevivência econômica”.
Na América do Sul, os retrocessos mais marcantes ocorreram na Argentina, que caiu 47 posições devido às posições (e atos) autoritários do presidente Javier Milei, e no Peru despencou 53 posições desde 2022. O Brasil, por outro lado, subiu 47 posições desde 2022, refletindo o ambiente menos hostil ao jornalismo sob o governo Lula.
Entre 2019 e 2022, sob o governo Bolsonaro, a posição do país era, respectivamente, 105, 107, 111 e 110. Em 2023, primeiro ano do governo Lula, baixou para 92, em 2024 para 82 e agora, 63, ou seja, continua sua ascensão. (o ranking de 2025 e dos anos anteriores estão disponíveis em https://rsf.org/pt-br).
Nos Estados Unidos, a liberdade de imprensa também sofreu um declínio significativo, com o país caindo do 17º para o 57º lugar. O relatório atribui essa queda ao governo de Donald Trump (o que ocorreu também no seu primeiro mandato), que marginalizou jornalistas e reduziu o apoio à mídia independente. Segundo o relatório, Trump “provocou uma deterioração preocupante da liberdade de imprensa. Seu governo politizou instituições, reduziu o apoio à mídia independente e marginalizou jornalistas. A confiança na mídia está em queda, os repórteres enfrentam hostilidade crescente e muitos jornais locais estão desaparecendo, deixando para trás vastos desertos de informação”. Ele também encerrou o financiamento federal da Agência dos Estados Unidos para a Mídia Global (USAGM), impactando diretamente o cenário da mídia internacional”.
Em suma, a democracia é essencial para exercício da liberdade de expressão e de imprensa. Países não devem retroceder elegendo líderes autoritários que, em discurso, defendem as liberdades, e até mesmo a democracia, quando na realidade as ameaçam. Além disso, é fundamental reconhecer a resistência de jornalistas e cidadãos que lutam contra a censura e a desinformação, em defesa da democracia, mesmo em contextos adversos.
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