Crítica: ‘O Contador 2′ se perde em inserções de humor ineficientes

Notoriamente visto como um ator limitado em suas performances dramáticas, Ben Affleck se revelou um dos melhores diretores de sua geração. Medo da Verdade (2007) e Atração Perigosa (2010) mostraram uma energia em seu modo de direção que alcançou com Argo, o vencedor do Oscar de melhor filme em 2013, e com Air – A História por Trás do Logo (2023), uma maturidade e competência na criação de thrillers e de cinebiografias, respectivamente.Em sua carreira, o galã se arriscou em criar personagens baseados em seu modo soturno de atuação, como vimos no próprio Argo, bem como sob a batuta de David Fincher em Garota Exemplar (2014), e, contrariando muitas previsões pessimistas à época, acabou se revelando um excelente Batman na encarnação de 2016 do herói nos cinemas. Naquele mesmo ano, há quase uma década, quando interpretou o papel de Christian Wolff em O Contador, esse modo automático de atuar, sem muita necessidade de expressões dramáticas ou exigências nessa linha, se adequou perfeitamente ao seu personagem, então dirigido por Gavin O´Connor, do ótimo Guerreiro (2011).É preciso salientar neste ponto do texto que, diante de um intervalo tão longo entre as duas produções, foi necessário rever o filme original para uma melhor lembrança de sua trama. Infelizmente, essa revisita não fez muito bem às impressões do novo trabalho que chega agora aos cinemas. No longa de 2016, Affleck criou uma figura fria e calculista na pele de Christian Wolff, um contador profissional que atua sob a fachada de um simples profissional do ramo, mas que, na verdade, gere os livros de caixa de diversos criminosos de alto escalão em vários países. Com uma infância traumática por conta de seu autismo e funções cognitivas fora do normal, foi treinado por seu pai militar para usar sua inteligência em paralelo ao domínio físico. E era justamente por se manter nessa junção de opostos, sem deixar que a personalidade introspectiva de Wolff saísse de seu autocontrole (apesar de flertar com isso) que o roteiro de Bill Dubuque se destacava.Perda de impactoEm seu original, O Contador trazia um equilíbrio na presença de Wolff em cena, o que era auxiliado bastante pela citada maneira fria de atuação de Affleck. O calculado modo de se movimentar; a rotina inabalável; o comportamento antissocial (algo visto em um engraçado momento quando ele rejeita a ideia de se encontrar com a filha de uma colega de trabalho); as refeições exatas com itens posicionados de modo exato no prato; o número preciso de talheres em casa, enfim, tudo aquilo mantinha sua postura de acordo com seu transtorno obsessivo compulsivo e com os passos planejados que costumava dar para que seu disfarce não seja descoberto.Até mesmo a análise de sua condição mental, atrelada a um transtorno obsessivo compulsivo que torna insuportável e torturante para ele não poder encerrar tarefas iniciadas, no filme de 2016 era curioso observar como O´Connor inseria pequenas pistas daquele desequilíbrio, quando, por exemplo, a entrada de Christian com seu carro na garagem deixava de ser precisa com o tempo do portão eletrônico, ou, de forma mais escancarada, quando um ritual diário e individual envolvendo música pesada, luzes piscantes e um bastão ganhava contornos mais violentos justamente porque seu tormento mental se tornou mais insuportável.Conta não fechouCorta para nove anos depois, com uma continuação um tanto tardia e quase desnecessária, a sensação que se tem é a de uma desconstrução desastrada dessa estrutura tão bem desenhada de Wolff como personagem. Em sua volta ao protagonista que criou, o roteirista Bill Dubuque parece buscar pela banalização de tudo que conseguiu construir em seu original.Levando em consideração a ideia e a mensagem transmitida aqui de que o autismo não é uma condição impeditiva de uma vida normal, torna-se até compreensível que O Contador 2 traga momentos de seu personagem principal tentando encontrar um par romântico em grupos de pessoas solteiras em busca de um companheiro. Da mesma forma quando o homem cria coragem de entrar em uma pista de dança, justamente por entender os aspectos matemáticos dos passos dados em conjunto.Porém, a após a percepção de sua frieza calculista trazida no longa de 2016, o novo longa acaba por diminuir a tensão tão bem criada com a personalidade de seu protagonista ao optar por infantilizar seu comportamento.O mesmo acontece com a tentativa de desenvolver a figura de seu irmão, Braxton, vivido por Jon Bernthal, suavizando os aspectos de sua personalidade assassina a partir de uma necessidade do homem em querer ter um animalzinho de estimação. O que parece inicialmente ser uma gag cômica, acaba se tornando irritante e banal justamente por diminuir as possibilidades do personagem tão bem apresentado há nove anos.Com uma trama confusa, o filme insere a figura de uma matadora cujo passado não se explica e se torna ainda mais perdido quando leva o espectador a crer que ela era uma das pessoas cuja família a dupla de irmãos tentava salvar de um esquema de tráfico humano. Tal fato surge em cena e desaparece de forma igual, tornando frágil o seu desenvolvimento e se mostrando desnecessária em seu último ato.Trazendo poucos momentos em que vemos os dois protagonistas agirem fisicamente em seus talentos de luta, algo que chamava a atenção positivamente no original, O Contador 2 opta por sequências cortadas ou mostrando a resolução do caos já suplantado em corpos espalhados pelo chão ou sendo atirados pela janela, apelando para um humor visual não muito eficiente e denotando certa preguiça por parte da direção.Seu desfecho, com uma invasão no México (óbvio!), traz uma sequência final que pouco se compara à do seu predecessor, confirmando a preguiça narrativa de sua proposta como continuação.Alguns filmes são melhores se ficarem apenas como uma obra única, e não se tornarem franquias. Mas em uma Hollywood cada vez mais carente de ideias originais, sequência frágeis como essa vão continuar a existir.O Contador 2 (The Accountant 2) / Dir.: Gavin O’Connor / Com Jon Bernthal, Ben Affleck, Daniella Pineda, Allison Robertson, Grant Harvey, J. K. Simmons, Michael Tourek, Cynthia Addai-Robinson, Andrew Howard / Salas e horários: cinema.atarde.com.br
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