Nome de destaque na cena teatral da Bahia, o produtor cultural Jorge Albuquerque está à frente da coordenação da 30ª edição do Prêmio Bahia Aplaude, antigo Prêmio Braskem de Teatro. A premiação é a maior do setor na Bahia e, para Jorge, se encaminha para assumir o protagonismo nacional no segmento. “É muito bonito testemunhar o que tem sido feito hoje e o poder das gerações no teatro baiano”, afirma. Para o baiano, nascido em Feira de Santana, alguns desafios como a falta de público tem afetado a longevidade dos espetáculos. Para celebrar as produções locais com mais abrangência, Jorge alterou o regulamento do Prêmio Bahia Aplaude. O número mínimo de apresentações exigidas para que um espetáculo fosse avaliado caiu de oito para seis. Desde 1993, quando foi lançada, a premiação tem o objetivo de fomentar e valorizar os talentos da cena teatral baiana, ao reconhecer e consagrar publicamente os melhores espetáculos e equipes. Para Jorge, o sucesso do prêmio é reflexo do talento dos profissionais do estado. “São artistas que, no período de efervescência, há 30 anos, estavam aqui, conosco, na Bahia, fazendo o teatro acontecer em um alto nível de excelência”, diz. Durante todo o mês de maio, será promovida uma mostra especial com mais de 20 apresentações presenciais e virtuais dos espetáculos finalistas da premiação. Com ingressos a preços populares, as encenações ocupam diversos espaços culturais de Salvador. O lançamento oficial do evento será aberto ao público na próxima sexta-feira, 2, a partir das 19h, no espaço cultural Casa Preta, no bairro Dois de Julho.Qual é a sua visão sobre o teatro na Bahia atualmente?A cena do teatro na Bahia atravessa desafios. Vivemos situações que impõem resiliência, luta e conquistas por parte da classe teatral. Este é um setor que parece estar sempre em defasagem. Assim, é importante atender não só as expectativas, mas superar obstáculos para se colocar em um cenário receptivo, de reconhecimento e, sobretudo, de conquista de público. Com as artes cênicas, de um modo geral, especificamente na área de teatro, é importante se manifestar para que seus direitos sejam ouvidos e atendidos.O Prêmio Bahia Aplaude é uma oportunidade para jogar luz nos interesses desta cena, certo?O prêmio é uma consequência direta do teatro baiano. Ele não existiria se o nosso teatro não tivesse a força e a excelência que tem. Isso é um fato indiscutível. Quando o prêmio surgiu, há 30 anos, organizamos cinco categorias que atestavam a qualidade dos espetáculos que eram apresentados à época. A premiação iniciou justamente com o intuito de reconhecer e valorizar a cena teatral da nossa terra. A Bahia, sem dúvidas, vivia um momento muito especial. Tínhamos espetáculos em turnês nacionais, como A Bofetada, da Cia Baiana de Patifaria, que era um tremendo sucesso e se manteve em alta por décadas. Os grupos eram mais atuantes no circuito da cadeia produtiva. Era uma linha de montagens, de realizações de temporadas. Quando o prêmio surgiu, nós tínhamos uma prerrogativa de regulamento em que era preciso haver uma média de oito apresentações para que a comissão julgadora pudesse ser mobilizada para avaliação. Com o passar dos anos, em linhas gerais, nós percebemos que as dificuldades ficaram cada vez maiores para a cena teatral. As condições de manter temporadas e de obter oito apresentações ficaram mais complicadas e nós tivemos que mudar as configurações do regulamento reduzindo esse número de oito para seis apresentações em um período de seis meses. Essa mudança no regulamento oferece uma flexibilidade maior para que as produções possam ter a oportunidade de participar do prêmio.Como o senhor enxerga a contribuição do teatro baiano para o cenário nacional?A potência do teatro baiano é inegável. Temos nomes consagrados com projeção nacional e internacional. São artistas que, no período de efervescência, há 30 anos, estavam aqui conosco, na Bahia, fazendo o teatro acontecer em um alto nível de excelência. São pessoas que acabaram migrando para cidades do sudeste do país porque viram outras oportunidades para serem reconhecidos profissionalmente. É muito bonito testemunhar o que tem sido feito hoje e o poder das gerações no teatro baiano. Ano a ano eu fico muito confiante de que sempre o teatro baiano terá esse protagonismo e esse alto nível de qualidade. Eu convivo diariamente com essa excelência.A comédia tem, reconhecidamente, uma força muito grande com o público que frequenta o teatro local. Los Catedrásticos, A Bofetada e Os Cafajestes são exemplos de espetáculos que lotavam teatros e seguiram em longas temporadas. Como o senhor avalia esse destaque do humor nos palcos baianos? Ele ofusca outros gêneros?Sim, de fato. Esse é um recorte muito particular da Bahia. Porque, infelizmente, a participação deste gênero nas premiações nacionais é pequena, não tem o mesmo protagonismo que outros como a tragédia ou o musical, por exemplo. No entanto, a fidelidade do público baiano neste segmento é, sim, algo que realmente supera as expectativas. O ator de comédia baiano consegue se impor e conquistar horizontes que, até então, estavam distantes. É um público que vai para o teatro, paga para assistir, tem a referência do espetáculo, do elenco, do diretor e, com isso, se sente motivado a prestigiar a peça muitas vezes. A comédia tem esse apelo midiático maior do que peças em que se propõe reflexões ou outros tipos de experiência em cena. Vemos isso na música também. As que mais ganham destaque por aqui são aquelas com apelo “dionisíaco”, com dança, ritmos alegres… Isso contagia o público. Mas, acho que quando o público tem a oportunidade de acessar o espetáculo, entrar no teatro para ver uma peça, não importa muito o gênero. Esse público pode se tornar um agente multiplicador. O maior desafio que o teatro enfrenta hoje é ter uma política de formação. Isso não acontece em função de um planejamento de estratégia de mídia, de divulgação e marketing. Essa base antecede todo o processo, está na educação. Por isso, é importante atuar dentro das escolas para sensibilizar novas gerações e, em determinado momento, elas possam estar ambientadas dentro do contexto teatral. O teatro precisa fazer parte das atividades das escolas, dentro do programa educacional. É importante ter um trabalho que vá além da sala de aula. É preciso levar o teatro para a escola e a escola para o teatro. Isso exige, claro, uma engenharia muito refinada e complexa, mas entendo que é importante superar essa dificuldade porque se o teatro participar da educação escolar formaremos mais público.Muitos atores acabam saindo de Salvador e migrando para outras cidades com economias mais aquecidas como São Paulo, por exemplo. Como fazer para reter esses talentos no estado?Essa é uma pergunta complexa. Os talentos baianos não têm o ambiente propício para desenvolver seus trabalhos profissionalmente. São talentos que migram para outros estados em busca de um mercado de trabalho que é mais do que existente, é forte. E este mercado tem possibilidades múltiplas, onde o ator pode se desdobrar em vários segmentos de atuação. A resiliência dos atores nordestinos é algo admirável, assombroso. É incrível como eles não abrem mão do exercício de suas profissões mesmo diante das dificuldades. Para conseguir superar esses desafios, vejo alguns multifacetando suas funções para sobreviver com dignidade. Isso é inspirador.Como o senhor avalia a infraestrutura teatral de Salvador? O que precisa ser feito para o atendimento de peças de maior porte?Temos essa dificuldade. É gritante a falta que o Teatro Castro Alves (TCA) faz (a sala principal do TCA está fechada desde janeiro de 2023 por conta de um incêndio e deve ser reinaugurada em 2026 após reforma do teatro). Muitas peças não vêm para Salvador porque não temos, atualmente, teatro que comporte suas estruturas. Discutimos sobre esse assunto com alguns parceiros de trabalho e empresas, e eles não acreditam que a Bahia não tem um local com capacidade de público para grandes espetáculos. São consequências deste fechamento. O Teatro da Casa do Comércio, que tem a maior capacidade de público em Salvador, representa um terço do que o TCA comporta. Alguns projetos nossos não estão vindo para Salvador porque não cabem nos teatros de médio porte que temos aqui. Nós até tentamos improvisar, fazer adaptações em outros espaços, mas o custo se tornou proibitivo. Estou torcendo para que o Teatro Castro Alves retorne à cena cultural da nossa cidade porque o teatro baiano merece.
Jorge Albuquerque: “A potência do teatro baiano é inegável”
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