Quem é o saxofonista que desafina o caos do trânsito em Natal (RN)

Por Victoria Dorneles | Especial para Agência SAIBA MAIS

Enquanto carros aceleram, buzinas disputam espaço com sirenes e a pressa varre a cidade feito vento forte, um saxofone rompe o ruído do trânsito barulhento da Salgado Filho, via mais movimentada de Natal, capital do Rio Grande do Norte. A música toca para quem quiser ouvir, para quem não tem tempo, para quem parou no sinal — e talvez na vida. Um som que nos lembram que a cidade também respira fora dos shoppings e das avenidas espelhadas. E que no coração acelerado de Natal, ainda bate música.

Quem trabalha próximo ou no próprio Midway sabe que o trânsito na Salgado Filho é agitado durante todo o dia, e os engarrafamentos acontecem principalmente nos horários de pico, por volta das sete horas da manhã e das seis horas da tarde. Mas, durante essa trajetória, quem está atento ao que acontece em volta?

Em meio ao barulho do trânsito, a experiência é como se canta na canção de Caetano Veloso: “Alguém cantando longe daqui […] Alguém cantando é bom de se ouvir”. No caso, quem “canta” é o saxofone de Victor Vendruscollo Junior — palhaço, animador, produtor cultural, empreendedor e multiartista — que está quase todos os dias no mesmo sinal do International Trade Center, mas também toca em outras faixas da cidade.

Junto da parceira de ofício, Juliana Modro, eles tocam o coletivo Palhaçaria (@palhaca.ria), que se concretizou em Natal há mais de 10 anos e atua com atividades culturais, teatro corporativo, contação de histórias, arte-educação e apresentações circenses. No ano passado, o grupo realizou, por meio da Lei de Incentivo Aldir Blanc, o projeto “Histórias do Nosso Chão”, com encenação de histórias infantis em escolas de Natal, praças e parques. Além disso, Victor trabalha na UNP com simulação de atendimento médico e participa do projeto musical Emusco, da Escola Municipal Ferreira Itajubá, onde voltou a estudar teoria musical.

Ao lado do sinal, sob a frondosa árvore do cruzamento da Salgado Filho com a Nascimento de Castro, Victor contou que toca ali há pelo menos seis anos, em virtude de um compromisso que o levava até o local com certa frequência. O artista começou a tocar saxofone em Porto Alegre — cidade de origem — após um episódio de tratamento por dependência química. O médico que o acompanhava recomendou que ele tocasse um instrumento. Victor ganhou um saxofone, cuja admiração pelo som já existia; porém, em vista das demandas de trabalho e estudos, ele não pôde se dedicar logo de início. Anos depois, quando morava em Florianópolis, viu-se na oportunidade de começar a tocar. No mesmo período, casou-se, descobriu as paixões da paternidade e passou a alimentar o sonho de “tocar na noite”.

O tempo passou. Victor e a então companheira compraram uma caminhonete e a família iniciou uma linda viagem pelo litoral brasileiro, que durou cerca de dois anos. Até se estabelecer em Natal, o artista presenciou o adoecimento e falecimento do pai, viveu uma separação, morou em alguns países mundo afora e em municípios do estado do Rio Grande do Norte, recriou-se profissional e artisticamente, além de reencontrar o nascimento de mais uma vida ligada à sua.

O saxofonista, de cinquenta e seis anos, conta que a vida de artista de rua não é fácil — até porque a rua, em geral, também não é. Por isso, ele já se deparou com diversos dissabores: disputas de espaço nos sinais, tentativas de furto e até mesmo um atropelamento que destruiu um antigo instrumento. Apesar disso, uma das coisas que mais faz Victor feliz é a interação calorosa do público com ele — principalmente das crianças e familiares que passam por lá e se interessam pelo saxofone. Ou quando algum ouvinte relembra, através das músicas tocadas, um casamento, uma pessoa querida, um momento especial da vida. Público que se emociona com ele e o faz se emocionar por meio da arte e da música. Aquele sinal é seu ofício e cartão de visita para seus projetos — e o artista não tem pretensões de abandoná-lo.

O palhaço frisa que não pode agradar a todos, mas, quando indagado, em geral, ele recebe muitos elogios e feedbacks positivos em relação às músicas que toca e à alegria que proporciona aos passantes e aos que trabalham ali por perto. Reconhece, no entanto, que essa questão depende muito mais de como as pessoas estão por dentro. Por vezes, uma pessoa estressada ou atribulada vai se incomodar — mas outras vão se sentir bem, e assim ele atingirá seu objetivo.

É verdade que a vida hoje em dia é um tanto complexa e cheia de demandas. Essa tal modernidade líquida, como definiria Bauman, ou neoliberal, como colocaria Marx, é a que nos nega, por vezes, o privilégio do ócio e de desviar a atenção para coisas mais sensíveis. No trânsito, é claro, é preferível prestar atenção na pista. Mas também não se trata aqui de um outdoor luminoso que vai atrapalhar a direção dos condutores ou poluir visualmente a cidade do sol. Trata-se de um humano, que vive pelas ruas espalhando alegria — e faz com que outros também se reconheçam como tal: humanos.

Aos que se interessarem em contactar Victor, seu número é (84) 99654-3303 ou pelo Instagram: @victor.saxofone.

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