Faces do Reduto: Exposição na Pinacoteca celebra a cultura e resistência da comunidade potiguar

Celebração e reverência se encontram na Pinacoteca do Estado, que se transforma, neste mês de abril, em um altar de memória e cultura. Sediando a mais nova exposição, Faces do Reduto, o espaço convida o público a mergulhar em um mar de sensibilidade e poesia presentes na vida da comunidade do Reduto, localizada no litoral norte do Rio Grande do Norte, no município de São Miguel do Gostoso.

Cada canto da mostra é um convite à descoberta das histórias e saberes ancestrais de um povo que resiste, com força e delicadeza, ao desgaste do tempo, tecendo sua identidade com fios de tradição, trabalho e afeto.

A mostra é inspirada na Trilogia Poética do Reduto, obra da cineasta, fotógrafa e produtora cultural Mônica Mac Dowell, composta pelos curtas-metragens Rosa de Aroeira (2020), A Deus Querer (2022) e Julião, Filhos da Praia (2024). O resultado é um grande mosaico de expressões culturais organizados em três módulos temáticos e utiliza múltiplas linguagens — cinema, fotografia, instalação sensorial, trilha sonora e arte têxtil — para ampliar a experiência fílmica em um percurso que revela o modo de vida da comunidade, seus rituais cotidianos e suas formas de resistência.

Cada sala traz uma imersão que destaca práticas como a produção de farinha e goma, a apicultura e a pesca artesanal, além de aspectos do território, das relações de afeto e da ancestralidade. Uma das principais instalações é uma peça de três metros de altura feita em bordado labirinto, expressão artística que é Patrimônio Cultural Imaterial do Rio Grande do Norte desde 2024.

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Pinacoteca do Estado recebe a exposição “Faces do Reduto” em homenagem à cultura potiguar. Foto: Belita Lira.

“Tudo começou quando eu percebi que, atrás da minha casa, localizada na comunidade do Reduto, havia uma casa de farinha. As imagens me impactaram: mulheres da comunidade reunidas, uma montanha de mandioca, mãos ágeis descascando, em um ritual que vai além do trabalho. Não é comércio, é encontro, tradição passada de geração em geração. Senti a necessidade de conhecer mais sobre aquelas mulheres e suas histórias e registrá-las com o celular”, relembra Mônica Mac Dowell, que vive na comunidade retratada.

A atmosfera da mostra é conduzida por uma trilha sonora composta especialmente para o projeto por Valéria Oliveira, cantora potiguar e parceira artística da cineasta. “É uma alegria imensa acompanhar e participar do projeto Faces do Reduto desde o seu nascimento. Tenho o privilégio de assinar a trilha sonora original dos três curtas que compõem a Trilogia do Reduto e, neste momento, também contribuir com a produção e concepção sonora das três salas da exposição. Quem visitar a exposição poderá conferir trechos de textos escritos durante o processo criativo das trilhas, que não foram gravados, mas estarão presentes nos painéis da exposição”, explica a compositora.

A música é um elemento essencial da imersão, alinhavando silêncios, vozes, paisagens sonoras e ritmos que integram a alma do Reduto. Em cada sala, os visitantes são convidados a escutar o território com atenção. Além disso, a experiência se completa com uma sala imersiva criada pelo artista visual Wil Amaral, onde elementos sonoros e trechos dos três filmes se fundem em uma instalação 360°. O espaço propõe uma vivência expandida do universo do Reduto, trazendo o público para dentro de uma narrativa coletiva marcada por trabalho, memória, espiritualidade e resistência.

A curadoria da mostra está nas mãos do professor, pesquisador e escritor Manoel Onofre Neto. “A preocupação de Mônica está em fortalecer a comunidade e dar voz à população para que siga com o seu patrimônio cultural, histórias e vivências preservadas. Seu papel vai além de uma artista multifacetada que transita com maestria entre o cinema e a fotografia, ela tece narrativas visuais onde contemplar as Faces do Reduto e suas infinitas leituras poéticas torna-se uma experiência de encanto, inspiração e afeto — uma verdadeira declaração de amor ao Reduto e à sua gente”, define o curador.

Para Mônica Mac Dowell, expandir a linguagem cinematográfica para uma instalação expositiva foi um passo natural. “Quando finalizei Rosa de Aroeira, realizei algumas exposições fotográficas que ampliavam as temáticas do filme para outros públicos. Era uma forma de valorizar esses patrimônios culturais e chamar atenção para saberes ancestrais que estão se perdendo, muitas vezes sem o reconhecimento das novas gerações. Depois de concluir a trilogia, senti ainda mais forte esse desejo de fazer com que tudo aquilo não ficasse restrito à linguagem do cinema”, afirma.

O processo de definição dos módulos e da concepção expográfica foi marcado pela colaboração entre Mônica, o curador Manoel Onofre Neto e os expógrafos Rafael Sordi Campos, Ângela Almeida e João Marcelino, além da própria Valéria Oliveira. “A esses núcleos soma-se ainda a sala imersiva, um desejo antigo meu de criar um espaço de aprofundamento da experiência, onde o público pudesse vivenciar o Reduto com todos os sentidos”, conta a artista.

A escolha da renda de labirinto como um dos eixos da exposição carrega forte simbolismo. “A renda de labirinto foi escolhida por ser uma das expressões culturais mais representativas da comunidade do Reduto e, ao mesmo tempo, uma das mais ameaçadas. Inserir essa tradição na exposição foi uma forma de valorizá-la, dar visibilidade ao trabalho das artesãs e reconhecer sua importância para a identidade local”, explica Mônica. “A instalação Meu Labirinto destaca essa dimensão simbólica e também social da renda, colocando no centro da exposição o saber de mulheres que preservam essa prática há gerações.”

A conexão entre arte e memória pulsa nas histórias dos moradores que inspiraram os filmes e as obras da exposição. “Robéria Menezes, por exemplo, é uma figura central para mim. Mulher empreendedora, labirinteira, mãe e coordenadora local do projeto Faces do Reduto, ela representa o protagonismo feminino na comunidade — alguém que articula, mobiliza e inspira”, destaca a artista. Personagens como Seu Dadá, Seu Luiz Pescador, Dona Mariquinha, Dona Gracinha, Dona Lourdes, Dona Lúcia, Dona Deuzuite e Dona Neuza — que faleceu aos 99 anos e é presença marcante em Rosa de Aroeira — também são lembrados com carinho e respeito.

A construção da mostra foi um processo profundamente coletivo, que envolveu ativamente os moradores do Reduto desde as primeiras ideias até a montagem final. “A comunidade está presente tanto nos materiais quanto nas histórias, nos gestos e nas escolhas feitas durante todo o processo. Não é apenas uma exposição sobre o Reduto — é uma exposição feita com o Reduto”, pontua Mônica. A instalação Minha Farinha, por exemplo, foi construída a partir de uma farinhada comunitária, onde cada etapa da produção foi conduzida pelos próprios moradores. Já em Minha Jangada, a rede de pesca de Seu Luiz e a réplica da jangada de seu pai, Seu Mundoca, se tornam parte da narrativa visual da mostra.

A resposta da comunidade ao ver suas histórias transformadas em arte foi carregada de emoção. “Os moradores, de maneira geral, demonstram orgulho ao se verem representados, ao perceberem que suas histórias, seus saberes e sua cultura têm valor e ressoam além da comunidade. Muitos comentam que nunca imaginaram ver seu cotidiano retratado em filme, muito menos em uma exposição”, relata Mônica.

A exposição Faces do Reduto é um exemplo contundente do papel da arte na preservação da memória e no fortalecimento da identidade cultural. “A arte tem um papel fundamental nesse processo. Ela nos permite registrar, reinterpretar e compartilhar experiências que muitas vezes ficam restritas ao cotidiano da comunidade. No caso do Reduto, a arte tem sido uma ferramenta potente para preservar memórias e fortalecer vínculos — não só para quem é de lá, mas também para quem se reconhece nessas narrativas”, afirma a idealizadora da mostra.

Com trajetória de mais de 15 anos dedicados à cultura potiguar, Mônica Mac Dowell segue envolvida com o Reduto e com a valorização de lideranças locais como Robéria Menezes. Seus próximos passos incluem também projetos ligados à carreira de Valéria Oliveira e o apoio a ações que fortaleçam a renda de labirinto, a organização comunitária e a economia criativa da região.

A exposição Faces do Reduto pode ser visitada na Pinacoteca do Estado, no Palácio Potengi, com entrada gratuita. Funciona de terça a sexta, das 8h às 17h, e aos sábados e domingos, das 9h às 16h. Mais do que uma mostra, é um convite a escutar, ver e sentir uma comunidade que fala de si mesma com beleza, coragem e ancestralidade.

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