
Pesquisa anual realizada pelo Global Entrepreneurship Monitor (GEM), que investiga o papel do empreendedorismo no desenvolvimento econômico e social, revelou que pessoas com idade entre 55 e 64 anos vêm se destacando no Brasil quando o assunto é empreendedorismo inicial. Em 2024, essa faixa etária atingiu índice record da série histórica, iniciada em 2002, correspondendo a 13,3% do total de empreendedores que começaram o próprio negócio no país. Juiz de Fora segue a tendência nacional. Seja por necessidade ou oportunidade, o empreendedorismo tem sido a alternativa para quem mora na cidade.
Entre esses empreendedores está Justina Maria da Conceição, 62 anos. “Quando era criança, aprendi a fazer crochê. Depois que tive uma isquemia e fiquei com dificuldade de coordenação, comecei a praticar de novo, como uma forma de exercitar as mãos”, relembra. Com o custo elevado dos medicamentos, ela decidiu vender as peças que produzia. A chance veio por meio de um conhecido do marido, que a indicou a um dos coordenadores da Feira de Economia Solidária. Ela conta que, no início, as maiores dificuldades eram a falta de capital e os desafios físicos. “Levar as mercadorias para feira a pé era muito difícil.”
No último dia 10, Justina deu um novo passo em sua trajetória como crocheteira: inaugurou sua primeira loja física, Odará Linhas em Harmonia, com a reabertura do Mercado Municipal.
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Empreender por necessidade ou por oportunidade?
A decisão de empreender impulsionada por necessidade foi tomada por 45% dos empreendedores brasileiros no ano passado, conforme a pesquisa da GEM. Esse movimento pode estar relacionado à maior presença de grupos socioeconômicos considerados mais vulneráveis, como mulheres, pessoas mais velhas, com menor escolaridade e de baixa renda, que passaram a buscar no negócio próprio uma alternativa de renda.
Empreender por necessidade e empreender por oportunidade são duas formas distintas de iniciar um negócio. Enquanto a primeira surge, muitas vezes, como forma de garantir a sobrevivência, a segunda acontece quando a pessoa identifica uma chance promissora e, por isso, há mais possibilidades de preparação e planejamento.
Movida por uma antiga vontade de empreender e pela oportunidade de iniciar uma nova fase da vida após a aposentadoria, Aparecida Justiniano, 65 anos, decidiu encerrar sua trajetória de 35 anos na área de tecnologia para fundar a A3 – Empreendedorismo Social. A empresa oferece consultorias, treinamentos e oficinas para organizações do Terceiro Setor, com foco nas práticas de ESG (ambiental, social e governança).
Determinada a se preparar para esse novo caminho, ela buscou capacitação. “Comecei a me preparar para empreender, fiz cursos no Sebrae, participei do Empretec, do Bootcamp e outras formações voltadas ao desenvolvimento de negócios. Paralelamente, atuuei como voluntária no Grupo Mulheres do Brasil – Núcleo Juiz de Fora, no Comitê de Empreendedorismo.”
Para o analista do Sebrae, Gustavo Magalhães, esse preparo é determinante para o desenvolvimento do empreendimento. “O know-how e o conhecimento sobre o setor de atuação são fundamentais para o sucesso de um negócio. Mesmo que o empreendedor não tenha vindo daquela área, é essencial que ele se aprofunde por meio de cursos e capacitações sobre o segmento em que pretende atuar.”
Ele alerta sobre o cuidado com a gestão financeira dos pequenos negócios. “A área financeira costuma ser um dos pontos mais sensíveis. Muitos empreendedores têm dificuldade em separar as finanças pessoais das movimentações financeiras da empresa”, pontua. “Nesses casos, o empreendedor pode interpretar erroneamente que o capital disponível é de uso pessoal, quando, na verdade, trata-se de recursos indispensáveis para o funcionamento e a sustentabilidade do negócio. Essa falta de separação representa uma das principais fragilidades, sobretudo em negócios iniciantes.”
Novos empreendimentos aumentam 87% pós-pandemia
A pesquisa da GEM estima que há 46,9 milhões de empreendedores no Brasil, o que representa 33% de toda a população adulta do país. Ele era aposentado, e eu estava em casa há bastante tempo, por causa de um problema de saúde. A perspectiva é que esse número possa aumentar, já que o interesse em abrir um negócio nos próximos três anos cresceu entre aqueles que ainda não empreendem, passando de 48,7%, em 2023, para 49,8% em 2024.
Magalhães observa que iniciar o próprio negócio ficou mais fácil. “O processo de abertura de empresas, especialmente por meio do MEI (Microempreendedor Individual), está muito mais simples e rápido.” Ele também destaca que o período de isolamento social, na fase mais crítica da pandemia da Covid-19, contribuiu para o aumento da digitalização dos negócios. “Trabalhar com o público local, regional, mas testando no digital, por vezes, reduz o investimento inicial e dá pro empresário aquele gás que pode ser o estímulo pra iniciar ou tomar a decisão de empreender.”
No quesito formalização, a pandemia de 2020 representou um marco. Naquele ano, a proporção de empreendimentos com CNPJ monitorados pelo GEM saltou de 21,8% para 40,5% e, desde então, se mantém em torno desse patamar. Entre 2023 e 2024, houve avanço em todos os estágios da atividade empreendedora. A taxa de empreendedorismo estabelecido passou de 11,9% para 13,2%, enquanto a de empreendedorismo inicial subiu de 18,6% para 20,3%.
Perfil do empreendedor
O número estimado de empreendedores brasileiros em estágio inicial chega a 12,3 milhões, com uma distribuição equilibrada entre homens e mulheres. Cerca de 60% têm entre 25 e 44 anos, pertencem a famílias com renda entre 1 e 3 salários mínimos e se identificam como pretos ou pardos. Quase três quartos têm, pelo menos, o ensino médio completo.
Entre os 16,4 milhões de empreendedores novos, como são classificados aqueles que já deram os primeiros passos no negócio, os homens representam 56%. Predominam pessoas pretas ou pardas e oriundas de famílias com renda entre 2 e 6 salários mínimos. A maior parte (62%) está na faixa etária dos 25 aos 44 anos, e 77% têm, pelo menos, o ensino médio completo.
Já entre os empreendedores estabelecidos, que são estimados em 18,6 milhões, a presença masculina é mais expressiva: eles representam 62% do total. A proporção entre pretos, pardos e brancos é equilibrada. Quanto à escolaridade, 71% completaram o ensino médio ou têm nível superior. A maioria desses empreendedores tem entre 35 e 54 anos e provém de famílias com renda superior a 3 salários mínimos.
Comércio domina escolha de empreendimento
Entre as atividades exercidas pelos empreendedores em todos os estágios, 64,8% se concentram em apenas cinco das 21 seções definidas pela Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE): comércio; alojamento e alimentação; indústrias de transformação; atividades profissionais, científicas e técnicas; e construção. A distribuição varia conforme o estágio do empreendimento.
O comércio é a escolha de 26,8% empreendedores nascentes, com destaque para o ramo varejista de cosméticos, produtos de perfumaria e higiene pessoal; 26,6% dos novos empreendedores e 21,7% dos estabelecidos, sendo o segmento de manutenção e reparação de veículos automotores o principal entre os dois últimos grupos.
Os dados mostram uma tendência de otimismo entre os que estão começando: apenas 9,5% dos empreendedores nascentes acreditam que não terão criado postos de trabalho no prazo de cinco anos. Entre os empreendedores estabelecidos, 31% não geraram vagas até o momento. Apesar disso, mais da metade dos nascentes confia que poderá gerar, pelo menos, cinco empregos nesse período, enquanto apenas de 20% dos estabelecidos mantêm essa confiança. A discrepância reforça a diferença entre a expectativa inicial e os desafios reais enfrentados ao longo do tempo.
Maturidade e coragem para empreender
A idade está longe de ser um empecilho para quem decide empreender. Na verdade, ela pode ser uma grande aliada. Como destaca o analista do Sebrae, Gustavo Magalhães, a combinação entre experiência profissional, estabilidade e desejo de realização pessoal torna esse perfil especialmente preparado para os desafios do empreendedorismo.
Para ele, a experiência acumulada ao longo dos anos se traduz em maior habilidade para lidar com riscos, tomada de decisões mais acertadas e uma compreensão mais ampla do público-alvo. A ansiedade, muitas vezes presente nos empreendedores mais jovens, dá lugar à postura mais serena e confiante, o que fortalece a posição desses empreendedores no mercado. “O controle emocional, especialmente em relação à ansiedade, comum em fases iniciais do empreendimento, costuma ser mais presente nesse perfil, justamente em razão da vivência acumulada. Tudo isso favorece não só o desempenho, mas também a sustentabilidade do negócio ao longo do tempo”, analisa.
Para Aparecida, seguir trabalhando após a aposentadoria foi mais do que uma escolha, foi uma motivação. “Esse novo momento se tornou uma chance de continuar aprendendo e, ao mesmo tempo, de compartilhar o que sei. A aposentadoria, para mim, não é um fim, mas o começo de uma nova fase. Mais consciente, mais livre e cheia de possibilidades.” Ela destaca que, com mais tempo e autonomia, consegue se dedicar a projetos que realmente ama, sem a pressão de antes. “Trabalhar me mantém ativa, conectada com um propósito e me faz sentir útil e realizada.”
Ela destaca as vantagens do trabalho como empreendedora para além do aspecto econômico. “Estar em contato com outras pessoas é essencial. A convivência evita o isolamento, traz leveza ao dia a dia e ajuda no bem-estar emocional. Isso fortalece a autoestima e mostra que a idade não limita nossa capacidade de aprender, criar e contribuir com o mundo.”

Bernadete Monteiro, que já havia empreendido por dez anos em outra área, decidiu recomeçar, agora com a fabricação de pipoca gourmet. Aos 59 anos, ela reconhece os desafios: “Empreender depois dos 55 é um recomeço cheio de inseguranças. A gente adia por medo de dar errado, mas só dá pra saber se vai funcionar tentando. E quando você começa, descobre que precisa de muita dedicação. Trabalho sozinha e, muitas vezes, o dia começa sem hora pra acabar.”
Ela também comenta sobre as incertezas financeiras. “A renda não é fixa, depende das vendas. Isso exige mais planejamento, foco e organização.” Mas apesar dos desafios, ela incentiva quem está pensando em dar esse passo. “Escolha algo que você goste de verdade porque vai precisar se dedicar muito. Comece com o que você tem, do jeito que der, e vá buscando conhecimento e apoio técnico ao longo do caminho. E se o medo aparecer , que normalmente aparece, vá com medo mesmo. A coragem, a gente encontra no caminho.”
*estagiária sob a supervisão da editora Gracielle Nocelli
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