Livro de Nísia Floresta é tema de aula que marca nova fase do vestibular da USP

A escritora potiguar Nísia Floresta vai voltar à sala de aula — desta vez como tema da aula inaugural de um novo ciclo promovido pela Universidade de São Paulo, a maior universidade da América Latina. Considerada a primeira educadora e feminista brasileira, Nísia terá sua obra discutida em um curso gratuito que marca uma mudança histórica no vestibular da Fuvest – que seleciona os aprovados para USP. A partir de 2026, a lista de leituras obrigatórias da Fuvest será composta exclusivamente por autoras mulheres, em uma decisão inédita que se estende até 2028. Nísia é uma das quatro escritoras que aparecem em todos os anos desse ciclo (2026 a 2029) — ao lado de Conceição Evaristo, Paulina Chiziane e Djaimilia Pereira de Almeida — e terá duas obras incluídas no período: Opúsculo Humanitário e Conselhos à Minha Filha.

Idealizado pela Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM), o projeto — chamado “BBM no Vestibular” — oferece aulas gratuitas sobre os livros que integram a nova lista de leituras obrigatórias da Fuvest a partir de 2026. O primeiro encontro acontece no dia 16 de abril, às 18h, no auditório István Jancsó, na Cidade Universitária, em São Paulo, com transmissão ao vivo pelo canal da BBM no YouTube. A inscrição para participar presencialmente deve ser feita a partir de 12 de abril, pelo perfil da biblioteca no Instagram.

A obra em destaque na aula inaugural é Opúsculo Humanitário, de 1853, na qual Nísia Floresta defende o direito das mulheres à educação, em um Brasil que, à época, tinha pouco mais de 8 mil mulheres matriculadas em escolas. O texto é composto por 62 crônicas publicadas em jornais, e propõe uma reflexão sobre a condição feminina desde a Antiguidade até o século XIX, abordando também temas como antiescravismo, aleitamento materno e as deficiências do ensino para meninas no país.

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A nova lista da Fuvest reúne autoras de diferentes épocas, origens e propostas estéticas. São escritoras brasileiras e de outros países de língua portuguesa, como Nísia Floresta, Narcisa Amália, Julia Lopes de Almeida, Rachel de Queiroz, Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector, Conceição Evaristo, Paulina Chiziane, Sophia de Mello Breyner Andresen e Djaimilia Pereira de Almeida. O objetivo da mudança, anunciada em 2023, é valorizar a produção literária feminina, por muito tempo marginalizada no cânone. Em 2029, a lista voltará a incluir autores homens, mas com maioria feminina: seis autoras e três autores.

A presença de Nísia nas aulas da BBM e na lista da Fuvest marca o reconhecimento de uma autora pioneira. Em vida, fundou escolas voltadas para meninas e publicou obras que discutem o papel da mulher na sociedade. Opúsculo Humanitário será leitura obrigatória em 2026 e 2027. Em 2028 e 2029, entra na lista outro livro da autora, Conselhos à Minha Filha (1842), texto escrito como presente para a filha Lívia e que traz uma visão mais conservadora, pautada pela educação moral. A coexistência das duas obras revela a dualidade de Nísia Floresta: uma autora à frente de seu tempo, que reivindicava a emancipação intelectual das mulheres, mas que também expressava, em certos momentos, os limites impostos por sua formação religiosa e pela moral vigente. Essa ambiguidade é parte do que a torna relevante e atual.

Serviço: Aulas BBM no Vestibular

Local | Auditório István Jancsó – Rua da Biblioteca, 21, Cidade Universitária, São Paulo (SP)
Horário | sempre às terças-feiras, às 18h, com transmissão ao vivo pelo YouTube da BBM
Inscrições presenciais | via link no Instagram da @bbmusp

Cronograma de aulas

  • 16/04 – Opúsculo Humanitário, Nísia Floresta
  • 14/05 – Nebulosas, Narcisa Amália
  • 11/06 – Memórias de Martha, Julia Lopes de Almeida
  • 13/08 – Caminho de Pedras, Rachel de Queiroz
  • 27/08 – O Cristo Cigano, Sophia de Mello Breyner Andresen
  • 10/09 – As Meninas, Lygia Fagundes Telles
  • 24/09 – Balada de Amor ao Vento, Paulina Chiziane
  • 10/10 – Canção para Ninar Menino Grande, Conceição Evaristo
  • 29/10 – A Visão das Plantas, Djaimilia Pereira de Almeida

Obras de leitura obrigatória da USP

2025 – Maioria de escritores homens

  • Marília de Dirceu | Tomás Antônio Gonzaga
  • Quincas Borba | Machado de Assis
  • Os Ratos | Dyonélio Machado
  • Alguma Poesia | Carlos Drummond de Andrade
  • A Ilustre Casa de Ramires | Eça de Queirós
  • Nós Matamos o Cão Tinhoso! | Luís Bernardo Honwana
  • Água Funda | Ruth Guimarães
  • Romanceiro da Inconfidência | Cecília Meireles
  • Dois Irmãos | Milton Hatoum

2026-2028 – Só escritoras mulheres

2026

  • Opúsculo Humanitário (1853) | Nísia Floresta
  • Nebulosas (1872) | Narcisa Amália
  • Memórias de Martha (1899) | Julia Lopes de Almeida
  • Caminho de pedras (1937) | Rachel de Queiroz
  • O Cristo Cigano (1961) | Sophia de Mello Breyner Andresen
  • As meninas (1973) | Lygia Fagundes Telles
  • Balada de amor ao vento (1990) | Paulina Chiziane
  • Canção para ninar menino grande (2018) | Conceição Evaristo
  • A visão das plantas (2019) | Djaimilia Pereira de Almeida

2027

  • Opúsculo Humanitário (1853) | Nísia Floresta
  • Nebulosas (1872) | Narcisa Amália
  • Memórias de Martha (1899) | Julia Lopes de Almeida
  • Caminho de pedras (1937) | Rachel de Queiroz
  • A paixão segundo G. H. (1964) | Clarice Lispector
  • Geografia (1967) | Sophia de Mello Breyner Andresen
  • Balada de amor ao vento (1990) | Paulina Chiziane
  • Canção para ninar menino grande (2018) | Conceição Evaristo
  • A visão das plantas (2019) | Djaimilia Pereira de Almeida

2028

  • Conselhos à minha filha (1842) | Nísia Floresta
  • Nebulosas (1872) | Narcisa Amália
  • Memórias de Martha (1899) | Julia Lopes de Almeida
  • João Miguel (1932) | Rachel de Queiroz
  • A paixão segundo G. H. (1964) | Clarice Lispector
  • Geografia (1967) | Sophia de Mello Breyner Andresen
  • Balada de amor ao vento (1990) | Paulina Chiziane
  • Canção para ninar menino grande (2018) | Conceição Evaristo
  • A visão das plantas (2019) | Djaimilia Pereira de Almeida

2029 – Maioria de escritoras mulheres

  • Conselhos à minha filha (1842) | Nísia Floresta
  • Nebulosas (1872) | Narcisa Amália
  • D. Casmurro (1899) | Machado de Assis
  • João Miguel (1932) | Rachel de Queiroz
  • Nós matamos o cão tinhoso! (1964) | Luís Bernardo Honwana
  • Geografia (1967) | Sophia de Mello Breyner Andresen
  • Incidente em Antares (1970) | Erico Verissimo
  • Canção para ninar menino grande (2018) | Conceição Evaristo
  • A visão das plantas (2019) | Djaimilia Pereira de Almeida

Saiba mais sobre as autoras escolhidas

Nísia Floresta (1810-1885) | Considerada a primeira educadora e jornalista feminista do Brasil. Nascida no Rio Grande do Norte, essa escritora em prosa e verso denunciou também as injustiças cometidas contra os negros escravizados e os indígenas brasileiros.

Narcisa Amália (1852-1924) | Foi uma educadora, poetisa e jornalista brasileira – primeira mulher a trabalhar profissionalmente como jornalista no Brasil. Dona de uma das poucas vozes femininas de sua época a trabalhar a ideia de identidade nacional, foi também antiescravista e republicana. Sua obra mereceu comentários elogiosos de Machado de Assis e de Pedro II.

Julia Lopes de Almeida (1862-1934) | Escritora, cronista e teatróloga, foi uma das idealizadoras da Academia Brasileira de Letras, de cuja lista de fundadores foi posteriormente excluída para manter a Academia exclusivamente masculina. Em seu lugar, foi incluído o nome do poeta português Filinto de Almeida, seu marido, popularmente conhecido como o “acadêmico consorte”. Também foi uma das precursoras da literatura infantil no Brasil.

Rachel de Queiroz (1910-2003) | Primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras e a receber o Prêmio Camões, é uma autora de destaque da literatura social nordestina. Extremamente hábil na análise psicológica de seus personagens, a autora estreou na literatura aos 19 anos.

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) | Poetisa, contista e escritora de literatura infantil, foi proveniente de uma família de origem aristocrática portuguesa. Acreditava que a poesia representava um valor transformador fundamental e que era algo que lhe acontecia, como afirmara antes dela Fernando Pessoa. Foi agraciada com o Prêmio Camões, tendo sido a segunda mulher a recebê-lo.

Clarice Lispector (1920-1977) | De origem ucraniana, Chaya Pinkhasivna Lispector emigrou para o Brasil em 1922 com seus familiares em razão da perseguição sofrida pelos judeus ucranianos em sua terra natal. A romancista e contista apresenta, em sua obra, traços bastante específicos como a ruptura com a narrativa factual, o uso intenso de um fluxo de consciência na escrita e o de metáforas insólitas, como sublinhou Alfredo Bosi.

Lygia Fagundes Telles (1918-2022) | destacou-se como contista, embora tenha sido, também, uma importante romancista. Membro da Academia Brasileira de Letras, foi a segunda brasileira laureada com o Prêmio Camões e foi reconhecida, ainda em vida, como uma escritora primorosa por seus pares nacionais e internacionais, que a alcunharam “a grande dama da literatura brasileira”.

Conceição Evaristo (1946- ) | Poeta, contista e romancista brasileira, aborda em suas obras temas de grande relevo social, como a discriminação racial, de gênero e social, sendo considerada uma importante representante do movimento Pós-Modernista no Brasil. Professora universitária, Conceição Evaristo tomou posse, em 2022, como responsável pela Cátedra Olavo Setúbal de Arte, Cultura e Ciência do Instituto de Estudos Avançados da USP. Cunhou a expressão escrevivência para descrever o processo criativo de sua obra.

Paulina Chiziane (1955- ) | Moçambicana, nascida no subúrbio de Maputo, iniciou, mas não concluiu, o curso universitário de Letras (linguística). Com uma atuação política destacada em seu país durante o período da independência, a autora se afastou da política e passou a se dedicar à literatura, passando a viver na província de Zambézia, para onde se retirou ao se afastar da política. Primeira mulher a publicar um romance em Moçambique, foi também a primeira mulher africana agraciada com o Prêmio Camões.

Djaimilia Pereira de Almeida (1982- ) | É a pessoa mais jovem a figurar na lista de leitura obrigatória da Fuvest. Nascida em Angola, a autora passou boa parte de sua vida em Portugal, onde se licenciou em Estudos Portugueses e obteve o título de Doutora em Teoria da Literatura. Atualmente, é Professora da New York University. Foi vencedora do Prêmio Oceanos.

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