Depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu que as Guardas podem fazer policiamento urbano, a Guarda de Natal será transformada em Polícia Municipal, segundo já adiantado pela secretária de Segurança Pública e Defesa Social (Semdes), Samara Trigueiro. Um concurso público também é previsto para aumentar o efetivo local. Pesquisadores e gestores de segurança pública ouvidos pela Agência SAIBA MAIS reconhecem que a Guarda já atuava como polícia, mas um especialista teme o aumento da repressão quando a medida entrar em vigor.
Segundo a secretária da Semdes, a decisão do Supremo Tribunal Federal reconheceu um trabalho que há anos vem sendo realizado pelas Guardas Municipais de todo Brasil.
“Além da proteção ao patrimônio público e os seus usuários, as GMs atuam na proteção de outros bem jurídicos, como, por exemplo, a vida, o patrimônio e a integridade física das pessoas, pois realiza um policiamento ostensivo comunitário”, diz.
Questionada sobre como vai funcionar essa mudança, ela diz que, diante de decisões do STF e de outros Tribunais Estaduais, a exemplo de São Paulo, a pasta está realizando um estudo técnico para avaliar os reais impactos com essa transição.
Para o pesquisador da segurança pública e sistema prisional, Francisco Augusto Cruz, o reconhecimento do poder das Guardas Municipais para realizarem policiamento ostensivo consolida um movimento de expansão das funções de controle e repressão do Estado.
“O discurso de ampliação do aparato de segurança, muitas vezes, apoia-se na narrativa da eficácia contra a criminalidade, mas pode ocultar um aprofundamento da militarização das políticas públicas de segurança. Esse processo tende a privilegiar uma lógica punitivista em detrimento de uma abordagem preventiva, educativa e baseada na garantia de direitos”, afirma.
De acordo com ele, transformar as Guardas em uma força policial pode trazer diferentes consequências preocupantes, como sobreposição de competências, aprofundamento da militarização e fragilidade no controle social.
Em relação à sobreposição, Cruz aponta que a distinção entre Guarda e Polícia Militar é essencial para delimitar atribuições e evitar abusos, e que a atuação policial ostensiva por parte das Guardas pode gerar conflitos institucionais e confusão jurídica.
Sobre um possível aumento da militarização, o pesquisador diz que, apesar de não serem forças militares, a adoção de práticas ostensivas por Guardas Municipais tende a reproduzir práticas militarizadas.
“Isso pode aumentar a violência policial e práticas abusivas, especialmente nas periferias e contra populações vulneráveis como pessoas em situação de rua, trabalhadores e movimentos sociais em atividades em espaços públicos, repressão a pessoas dependentes químicas fazendo uso de drogas em praças e prédios abandonados.”
Além disso, segundo o professor, a ampliação do poder punitivo sem um controle social efetivo pode favorecer arbitrariedades, ampliando a lógica de repressão em contextos de desigualdade social.
“Haverá uma Controladoria/Ouvidoria para apurar cometimento de abusos ou crimes? De que forma serão punidos? Como civis ou como militares?”, questiona.
Ouvidora Geral da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesed), Julimar Gonçalves explica que a Guarda de Natal já possui a prerrogativa do porte de arma de acordo com o disposto pelo Estatuto do Desarmamento de 2003.
“Então, a decisão do Supremo seguiu o entendimento que a Guarda Municipal já desempenhava o papel de policiamento ostensivo e comunitário, sendo, portanto, integrante do Sistema de Segurança Pública (SUSP)”, diz.
Perguntada sobre quais podem ser as implicações com essa mudança, Gonçalves destaca que a Guarda não foi transformada em polícia porque ela já atuava nesse sentido, de acordo com a sua legislação.
“Portanto, no meu entendimento, na prática não há grandes implicações, a não ser o reconhecimento legal da sua atuação como órgão de segurança pública”, afirma.
Julimar Gonçalves também comenta que a Guarda possui atribuição de polícia comunitária, proteção patrimonial e ecológica, além de mediação de conflitos sociais.
“A atuação ostensiva, ao que me parece, é uma complementação ao operador de segurança pública. O fato é que na Lei a Guarda está mais próxima da população, em termos comunitários, contribuindo para a paz social, sendo imprescindível o fortalecimento dessa polícia de proximidade para a construção de uma segurança pública verdadeiramente cidadã”, aponta.
A Agência SAIBA MAIS ainda procurou o secretário da Segurança Pública do Rio Grande do Norte, coronel Araújo, para comentar sobre essas mudanças e a posição do Judiciário. Por meio da assessoria de imprensa, o titular da Sesed informou que não desejaria falar a respeito pois prefere não comentar decisões do Supremo.
Concurso em Natal
Segundo Samara Trigueiro, o efetivo da GMN atualmente é de 412 servidores, e um concurso público será realizado para aumentar esse quadro. A ideia é que o certame traga de 120 a 130 vagas, fora o cadastro de reserva.
“O estudo técnico já foi realizado e estamos aguardando a conclusão do estudo sobre a mudança de nomenclatura para Polícia Municipal. A partir daí iremos nos reunirmos com o Prefeito de Natal Paulinho Freire para apresentar os citados estudos e juntos discutirmos os próximos passos para a realização do concurso e a mudança de nomenclatura da GM”, disse.
The post O que pode mudar caso a Guarda Municipal de Natal vire Polícia appeared first on Saiba Mais.