Sebo Vermelho faz 40 anos em Natal com acervo de 90 mil e tantos livros

Só mesmo uma paixão muito grande para aflorar no peito a coragem de largar um emprego estável financeiramente e se jogar nas incertezas da vida. Abimael Silva era um jovem bancário quando decidiu contrariar as convenções, deixar o emprego e investir tudo que tinha na abertura do Sebo Vermelho, que em maio de 2025 completa 40 anos.

Antes de ser bancário trabalhei na Discol durante uns cinco anos, mas o que sempre quis mesmo foi trabalhar em uma livraria. Eu enchi o saco de ser bancário, peguei os trocados da minha demissão, mandei fazer uma cigarreira, pintei de vermelho e botei no Beco da Lama, na Rua Vigário Bartolomeu, por volta de maio de 1985, esperando que a coisa desse certo”, conta Abimael.

O acervo inicial foi a própria biblioteca do sebista, que tinha cerca de 600 livros. Atualmente, o acervo já é de, aproximadamente, 93 mil exemplares.

“Foi dando certo e depois de um tempo eu já estava indo comprar livro em Recife com um preço mais defasado na Livro 7, uma livraria que era quase um supermercado… só faltava o carrinho”, brinca.  

Mas a paixão pelos livros não se limitou às vendas. Depois de alguns anos, Abimael decidiu também imprimi-los e criar sua própria editora:

Em 1990 eu inventei de também ser editor. Isso começou por acaso porque o jornalista Anchieta Fernandes tinha feito um livro bem interessante sobre a história dos cinemas de Natal, ‘O Écran Natalense’. Ele mendigou todas as instituições culturais de Natal e do Rio Grande do Norte, mas não conseguiu viabilizar a edição. Como éramos muito amigos e nessa época já fazia um jornalzinho sobre os sebos e a história literária de Natal, disse ‘que chova ou faça sol, eu vou publicar seu livro. Em 1991 fiz uma parceria com Varela Cavalcante, que era o presidente do Sindicato dos Bancários. Ele fez a impressão e eu comprei o material fiado a uma distribuidora no Alecrim e assim editei o primeiro livro”, revela.

Imagem: reprodução

Atualmente, o Sebo Vermelho é único sebo do país a publicar seus próprios livros. Já foram 665 títulos sobre a história de Natal e do Rio Grande do Norte.

A coisa mais cruel é que nunca, nenhuma instituição cultural do Rio Grande do Norte, nenhum prefeito ou governador, universidades, academias e institutos, compraram uma de nossas publicações e olhe que todas elas têm uma grande importância sobre a nossa cidade e o nosso Estado. É muito amargo perceber que ninguém nunca deu cabimento ou que vão dar depois que eu virar pó”, reclama.

Abimael também conta que alguns livros são tão raros que chegam a custar até R$ 700 em lojas virtuais:

Claro que algumas pessoas exploram, a internet é uma faca de dois gumes, mas a pessoa sabendo procurar, encontra coisas com preço razoável. Um dos diferenciais do Sebo Vermelho é que antes mesmo de começar eu já tinha um certo repertório, já tinha leitura, isso é que faz a diferença, por isso temos essa linha de escrever sobre a nossa história”, defende.

Livros de cabeceira

Dos mais de 600 livros já publicados, Abimael destaca algumas edições como imperdíveis, dentre elas, o ‘Écran Natalense: capítulos da história do cinema em Natal’ e a ‘1ª Antologia dos Poetas do Rio Grande do Norte’, de Ezequiel Wanderley, livro que foi publicado originalmente em 1922 e foi reeditado pelo Sebo Vermelho em 1993.

Livro sobre a genealogia da Família Guerra / Foto: Mirella Lopes

Esse livro foi resenhado no Jornal do Brasil. Imagine que coisa importante, a gente fazer um livro aqui em Natal e ele ser resenhado no Jornal do Brasil. Também publiquei as cartas de Drummond a Zila Mamede, os livros sobre os americanos em Natal, de Lenine Pinto, os livros de Cascudo e sobre Cascudo e, principalmente, sobre o Seridó. São 300 títulos sobre o Seridó os autores seridoenses”, revela.

Em parceria com o jornalista Osair Vasconcelos, Abimael Silva está editando a primeira biografia de Café Filho, único potiguar a ser presidente da República. O livro é de autoria de Marlene Mariz.

Valeu a pena?

Passados 40 anos desde a inauguração do Sebo Vermelho, Abimael Silva faz um balanço sobre suas escolhas…

“Eu costumo dizer que tenho tudo e não tenho nada! Digo que tenho tudo porque ter feito tudo isso sozinho, num país de analfabetos, onde nunca deram uma contribuição para o projeto, posso dizer que tenho tudo. Mas também não tenho nada porque moro num kitnet de 35 metros quadrados, um carrinho popular 2010 e pronto, sei viver a vida com o básico. Espero que um dia, espero que seja nesses 40 anos, alguma empresa ou empresário venha a contribuir, botar a logomarca da empresa para fazermos uma série de projetos”, conta o editor do Sebo Vermelho, que para comemorar os 40 anos da marca vai lançar 40 títulos até o final do ano.

O Sebo Vermelho tem uma organização própria para expor os livros / Foto: Mirella Lopes

É algo que nunca fiz. Até o momento publiquei seis. Tem o de Café Filho e daqui a 15 dias vou publicar um sobre a história da Redinha como praia de veraneio desde 1920. Com o dinheiro de um livro, tentamos fazer outro e assim vamos indo”, revela.

O experiente editor também lamenta as dificuldades para conseguir distribuir o livro nas livrarias.

Você convencer o dono da livraria de que é importante colocar seu livro lá é uma coisa terrível. Até porque quando você deixa um livro para vender, o dono da livraria quer comissão de 60%. Se você fez um livro ao custo de R$ 50, você vai deixar R$ 30 para o dono da livraria e ficar com R$ 20 pelo custo editorial, do seu trabalho e todos os outros custos? É uma coisa muito esquisita, alguma coisa está fora da ordem”, critica.

Abimael com o jornalista Osair Vasconcelos: projetos e parcerias / foto: Mirella Lopes

Literatura de motel

Em uma de suas estratégias de marketing, Abimael já chegou a deixar algumas edições de poesia erótica à venda em motéis da cidade.

Claro que a pessoa não vai para o motel pra ler, mas deixei livros de poesia erótica, nessa linha… e deu certo, até esgotar as edições”, conta.

Para quem ficou curioso com o Sebo Vermelho ou com a figura que é seu dono, é só passar na Avenida Rio Branco, no centro da cidade.

A gente tem que ir à luta, não pode ficar dependendo dos outros. Quebrei aquele velho chavão de que uma andorinha só não faz verão, claro que faz, porque se fosse depender dos outros, não teria editado nenhum livro e não seria Abimael, feito absolutamente nada! Tem que dizer ‘eu vou, eu quero e vamos lá!”.

Mas, se o caro leitor imagina que Abimael se deu por satisfeito…

Meu grande projeto de vida é publicar mil títulos, seja sozinho ou com alguém, eu tenho que realizar esse sonho”.

Um sonho, que também é o nosso!

The post Sebo Vermelho faz 40 anos em Natal com acervo de 90 mil e tantos livros appeared first on Saiba Mais.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.