Pesquisa de mais de 15 anos sobre religiões de matriz africana em Juiz de Fora vira livro

religiões de matriz africana

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Acervo da autora trouxe, entre outros, fotos do Centro Espírita Iansã Xangô, fundado na década de 1960 no Bairro Esplanada (Foto: Arquivo pessoal)
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Capa de ‘Canjerê, umbanda e candomblé em Juiz de Fora’ dá destaque para atabaque (Foto: Reprodução)

Foram mais de 15 anos para escrever uma obra que tratasse da história das religiões de matriz africana em Juiz de Fora durante o século 20. A autora, Maria da Graça Floriano, formada em Ciências Sociais, mestre e doutora em Ciências das Religiões pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), encontrou diversas dificuldades durante o processo. A maior delas, sendo “uma completa escassez de informações sobre o assunto”, como define. Para mudar esse cenário, ela se dedicou a levantar e analisar as informações disponibilizadas em acervos de jornais da cidade e a entrevistar membros de alguns terreiros da cidade, que contaram essa trajetória a partir de suas próprias vivências. “Canjerê, umbanda e candomblé em Juiz de Fora” reúne toda essa pesquisa com linguagem acessível, uso de imagens de arquivo e projeto gráfico cuidadoso.

Ao longo dos estudos acadêmicos, Maria da Graça conta que já tinha apresentado interesse por estudar a presença da umbanda na cidade, mas decidiu se dedicar a esse aprofundamento depois do doutorado, quando também poderia entender o assunto de uma outra maneira. “Vi que muita gente, entre os anos 2000 e 2010, não conhecia nada sobre umbanda. Existia uma lacuna muito grande, e o próprio povo do santo não conhecia sua história”, reflete. Ao encontrar essas pessoas e ler trabalhos sobre o assunto, entendeu que era uma forma de contribuir com esse registro. “Qual sentido tem pesquisar algo, a não ser devolver aquele material para a comunidade?”, questiona.

A autora também já pesquisou as religiões pentecostais no Brasil e publicou o livro “O negro evangélico”, em 1985, escrito em parceria com Regina Novaes. Mas, ao estudar a umbanda, encontrou dificuldades muito específicas. Esses desafios envolviam a própria maneira com que os umbandistas mantêm suas tradições, a falta de interesse dos intelectuais do século 20 pela cultura dos afrodescendentes e o racismo ainda presente na sociedade brasileira. “A história da umbanda é passada pela oralidade. Não é comum encontrar essas informações escritas. Então, quando as pessoas morrem, acabou”, diz, e conta que, na cidade, ainda encontrou adeptos da fé e pais de santos bastante idosos, que contaram muitas dessas narrativas para ela. “Essas pessoas tinham na memória não só o que viveram, mas o que a família toda viveu.”

Ela também entende que a cultura vinda da África não era objeto de interesse dos pesquisadores e intelectuais, e por isso sua principal fonte não foi a literatura acadêmica, mas os jornais diários que tinham sido publicados em Juiz de Fora. Nesses espaços, ela também precisou aprender a identificar como essas religiões eram tratadas, frequentemente abordadas em páginas policiais e com adjetivos ligados à feitiçaria. “Muitas pessoas ainda me perguntavam se a umbanda tinha uma história significativa em Juiz de Fora.” Ela entende que o preconceito foi uma barreira que dificultou perceber essa presença. “O racismo contra as pessoas negras e a sua cultura ajuda a entender isso. O tipo de sociedade que o Brasil queria construir, naquela época, também”, diz. 

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Da lavoura para a Princesinha de Minas

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Maria da Graça Floriano pesquisou o assunto durante mais de 15 anos (Foto: Arquivo pessoal)

A história das religiões de matriz africana, como ela reflete, começaram das lavouras e foram para os centros da Princesinha de Minas. Durante as pesquisas, Maria da Graça encontrou várias novas informações sobre como essas religiões foram se inserindo e se mantendo na vida em sociedade: uma das gratas surpresas, como conta, foi um poema de Machado Sobrinho que descrevia perfeitamente um canjerê. “Ele é uma exceção entre os intelectuais, deve ter sido alguém que se interessou por isso. Parto desse poema para falar dos canjerês nas lavouras.” Ela então começa a tentar mostrar o significado desses rituais e sua passagem para as cidades. Em jornais como o Diário Mercantil, O Pharol e a Tribuna de Minas, foram encontradas descrições de possíveis cultos em locais centrais e periféricos da cidade. 

Em seguida, parte para o que descobriu em relação às perseguições e à legislação referente à herança cultural africana. “Fui vendo o surgimento das primeiras associações, registradas como Centro Espírita Santo Antônio de Umbanda, Centro Espírita Amor e Fé, Centro Espírita São Cosme e Damião.” E foi também entrevistando pessoas que fizeram parte diretamente dessa história e que gostavam da ideia de ter um registro oficial do que viveram. “Tive que trabalhar com o que tinha e com os recursos que teria, porque não houve financiamento e muitos jornais de Juiz de Fora não estão digitalizados ainda”, explica. 

Para o projeto editorial final da obra, ela também fez questão de incluir 40 páginas de fotos dos altares e de alguns líderes. E pensou em cada detalhe para que o livro, além de tudo, fosse um objeto bonito – e que tratasse com respeito essas religiosidades. Com o projeto gráfico do designer Diogo Hernandes, a ideia era simbolizar o que unia as religiões de matriz africana na capa, com a presença de um atabaque. Em cada capítulo o símbolo se repete e ganha uma versão diferente.

Uma leitura para o povo do santo 

Maria da Graça entendeu que, nesse livro, queria fazer algo diferente de toda a sua trajetória acadêmica. “Percebi que o que me interessava mesmo não era fazer discussão teórica. Não era uma tese de doutorado. Era algo que estava escrevendo para o povo do santo e para as pessoas que não fazem ideia do que é um terreiro de umbanda”, diz. Por isso, também se dedicou a apresentar  um vocabulário acessível e preocupado em saber comunicar. Mas, para não deixar de lado os pesquisadores, introduziu quase 300 notas de rodapé com informações cruciais sobre essas religiosidades na cidade.

A importância, para ela, está em não deixar essa história se perder. “Não tem como falar de cultura brasileira sem falar em cultura africana. O português que nós falamos não é o mesmo de Portugal. A influência africana está aqui, em tudo. Na música, na comida, no vocabulário e na religião. É um resgate da nossa cultura que, pelo racismo e pelas leis criadas em decorrência do preconceito, precisa ser relembrado. Se a gente não tenta resgatar, perde muito”, destaca. O livro está sendo vendido nas livrarias Quarup, Vozes, Cadori e Flamingo, e nas lojas de artigos de umbanda e candomblé Casa do Caboclo, Aroeira, Massemba e Estrela Guia.

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