Zoé de Brito Filho: Memória, Justiça e a Luta contra o esquecimento

Por décadas, o nome de Zoé de Brito Filho permaneceu como tantos outros: sufocado pelo silêncio imposto pela ditadura civil-militar brasileira. Mas o tempo, que tantas vezes foi cúmplice da impunidade, também pode ser aliado da justiça. Hoje, em sua cidade natal, Zoé recebe uma homenagem da Câmara Municipal de São João do Sabugi, um gesto simbólico que ecoa na história de um país que começa – ainda que tardiamente – a reconhecer seus mártires.

Seu irmão, o professor Brito, ainda carrega a dor da perda, mas também a força da memória.

Nós temos um reconhecimento de sentimento, pois nosso irmão foi mais um que regou o solo do Brasil com seu sangue pela democracia e independência plena”, diz ele.

Zoé Lucas de Brito nasceu em São João do Sabugi (RN) e trilhou um caminho que tantos jovens nordestinos seguiram: a busca pela educação como ferramenta de transformação. Estudou Geografia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e ingressou na militância política na Ação Libertadora Nacional (ALN), organização revolucionária que combatia a ditadura.

A repressão não tardou a alcançá-lo. Foi preso em 1970 e, mesmo após sua libertação, continuou sendo perseguido. Para evitar uma nova prisão, mudou-se para São Paulo e começou a planejar sua fuga do país. O destino seria a Bolívia, mas não houve tempo. Em 1972, Zoé foi executado. Seu corpo apareceu nos trilhos da estação de trem Tamanduateí, e a versão oficial da polícia falava em “acidente”. Mas os sinais de tortura em seu corpo contavam uma história diferente.

Era impossível cair do trem. A porta é automática, só abre com o trem parado. E ele estava entre duas estações”, lembra Brito.

O Estado, além de matar, se empenhava em ocultar.

“Não fazia contato com as famílias, dificultavam no que podiam o reconhecimento dos mortos.”

O caixão veio lacrado, o velório aconteceu sob vigilância. A verdade, como sempre, ficou interditada.

O passado ainda nos cobra justiça

A homenagem a Zoé se soma a conquistas recentes na luta por memória e verdade no Brasil. Para os coletivos e movimentos que militam nesta pauta, a decisão do ministro Flávio Dino de reconhecer, no STF, a responsabilidade do Estado nos casos de mortos e desaparecidos políticos representa um avanço fundamental. O mesmo vale para as retificações de certidões de óbito de militantes assassinados, que jogam luz à verdade que a ditadura tentou enterrar. Mas há ainda uma dívida maior: a responsabilização dos criminosos.

A Lei da Anistia, imposta ainda sob a ditadura, continua sendo o maior obstáculo para a justiça. Foi com base nela que o STF, em 2010, decidiu manter a impunidade dos torturadores. Desde então, o Brasil foi condenado duas vezes pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por sua omissão. Agora, com a retomada da campanha #ReinterpretaJáSTF, cresce a pressão para que o Supremo reveja essa decisão e permita o julgamento dos responsáveis pelos crimes da ditadura.

Professor Brito sabe que a justiça plena ainda está distante.

É muito difícil haver justiça para estes militantes. O golpe dado pelos ditadores sempre de plantão no Brasil, utilizando-se dos meios midiáticos, ‘bradaram’ o chavão da Lei da Anistia, e os assassinos foram anistiados”, lamenta.

Mas ele também sabe que a luta precisa continuar.

“Hoje ainda estamos aqui e pregamos que a luta pela democracia deve ser constante, pois a história se repete.”

Um país que precisa se redescobrir

O Brasil vive um momento inédito: pela primeira vez em sua história, um ex-presidente se torna réu por atentar contra a democracia. Mas se o presente nos dá essa possibilidade de justiça, é porque o passado ainda nos cobra respostas, afirmam os coletivos e movimentos que militam nesta pauta. Para os que fazem esta luta, se tivéssemos julgado os violadores de direitos humanos de ontem, talvez não tivéssemos chegado à barbárie de hoje.

Para a família de Zoé de Brito Filho, a homenagem a ele não é apenas um reconhecimento a um jovem que tombou pela liberdade. É um lembrete de que a democracia é um campo em disputa e que sua defesa exige memória, verdade e, acima de tudo, justiça.

Lamento muito”, diz Brito, “até mesmo entre familiares não há esse sentimento da luta dele e de milhares por liberdade.

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