Vamos falar de amor e de afeto?

Tenho um gato recém resgatado, na verdade, foi ele quem apareceu na minha porta. Era janeiro, início das festividades de São Sebastião, o padroeiro da cidade onde moro.

Estava me preparando para ir a uma festa quando, simplesmente, ele apareceu miando em minha porta. Quando o vi, foi amor à primeira vista e eu não tive como deixá-lo na rua. Era uma noite de festa na cidade, havia muito movimento, muitos carros e motos passando apressados na minha rua, algumas pessoas bêbadas… tive medo por sua vida.

Apesar de estar me preparando para sair, não tive como deixá-lo, porque além dos perigos daquela noite, chovia fininho e ele era lindo demais.

Ele chegou e me adotou, me escolheu. Gatos fazem isso: gatos nos adotam. Então resolvi colocá-lo para dentro de casa e adiar a minha ida para a festa. Precisava ver qual seria a reação dos outros gatos com relação ao bebê que estava chegando.

E para o meu espanto, foi como se ele já fizesse parte da casa. Os gatos adultos se aproximaram dele, cheiraram, mas não tiveram nenhum tipo de reação agressiva, pelo contrário, alguns já o receberam com lambidas,  já o receberam com boas-vindas.

Vendo aquilo, eu fiquei tranquila, terminei de me arrumar e resolvi ir para festa. E ele, correu para os potinhos de comida e se fartou.

No decorrer da semana, percebi que ele naturalmente fazia parte do bando e era como se os outros já soubessem que ele iria chegar e não estranharam a presença do bebê que até então não tinha nome.

 Como ele parecia ser um gato bem cuidado, imaginei que ele pudesse  ter fugido de alguma casa próxima. Então  resolvi fazer uma busca. Fui na casa dos vizinhos, nas casas do quarteirão todo  atrás de alguma informação sobre aquele gatinho, que parecia bem cuidado.

Fiz campanha de divulgação via Instagram e outras redes sociais na esperança de que, caso ele tivesse um tutor ou tutora, pudesse saber que ele estava seguro, porém não apareceu “viv’alma” que se manifestasse.

Achei, então, que o meu papel como resgatadora tinha sido acionado. E como sei que são os gatos quem nos adotam, quem nos escolhem, entendi, naquele momento, que era ele quem tinha me escolhido e aí resolvi dar-lhe um nome – todos os meus gatos têm nomes de personagens mitológicos: Deus,  semideuses ou humanos que, de alguma forma, tiveram algum tipo de relação com as histórias da mitologia grega.

 Como ele chegou muito comunicativo, muito falante, vamos dizer assim – ele passou todos aqueles dias “falando”, “conversando” não só comigo, mas mais e, sobretudo, com os cachorros (eu até brinco dizendo que ele é um gato que acha que é cachorro) dei-lhe o nome de Hermes.

Como disse, acho que ele pensa que é cachorro, pois passa o dia todo com Urano e Perséfone, os meus cães, e dorme com eles, passa a maior parte do tempo com eles, brinca mais com os cachorros do que com os outros gatos, interage muito mais com os cães do que com seus irmãos felinos. É interessante a forma como os cachorros parecem gostar demais dele, também.

E essa semana aconteceu um episódio que precisa ficar registrado. Um episódio de afetividade, de amor, que prova esse amor do qual venho falando nessa história de cães e gato.

Hermes adoeceu há dois dias e ontem como eu percebi que ele estava muito quietinho, resolvi chamar a veterinária e descobrimos que ele estava realmente com o início de uma rinotraqueíte, com obstrução em um dos pulmões.

 Consulta realizada, precisou tomar uma injeção que o deixou “mufino”  como a gente chama aqui no Seridó, quieto demais. Febril, molinho e sonolento.  Deitou-se encostado à porta da sala, lugar bem ventilado e fresco onde, geralmente, os gatos gostam de ficar.

E qual não foi minha surpresa: os cachorros perceberam que Hermes não estava bem e se aproximaram dele. Deitaram-se ao seu lado e adormeceram sossegados, quietinhos, sem o alvoroço que é comum dos cães e aquilo já me chamou atenção.

 Logo em seguida, eu percebi que a cadela estava com comportamento repetitivo: ela, de instante em instante, se levantava, se aproximava de Hermes e o cheirava. Até que em um determinado momento, ela foi mexer com Urano, acordando-o para levá-lo até onde o enfermo estava deitado.

 Eu entendi aquilo como se eles fossem os irmãos mais velhos que estivessem ali dizendo: “Nós estamos aqui e  estamos cuidando de você”. Era como se eles dissessem: “Não se preocupe, nós estamos aqui perto de você, tudo vai ficar bem”.

Durante a semana eu havia conversado com um amigo sobre afetividades, sobre amor e falamos sobre o poder da transformação que os afetos causam. E eu testemunhava a afetividade visível que  acontecia naquele cuidado que os cachorros estavam tendo com o gato. Era transbordante e era transformador –  gatos e cachorros não eram gatos e cachorros, eram bichos de uma mesma espécie, eram seres de amor puro que se comunicavam naquele momento.

Eram seres de luz que se conectavam por uma afetividade talvez muito mais racional do que  possamos supor, do que possamos entender e, talvez, por isso compreendamos de forma emotiva. Mas existia uma racionalidade naquele processo. Era como se os animais entendessem mais do que sentissem. Eles entendiam que um deles precisava de cuidado, precisava ser observado, precisava estar no ambiente de quietude e tudo isso os cachorros estavam fazendo por Hermes.

Eu observava isso enquanto, sentada numa cadeira, fazia leitura e houve um momento que eu fiquei tão absorvida com essa cena, com a dedicação e com os afetos que brotavam daquela interação que eu parei de ler para fotografar. Precisava registrar aquilo que eu testemunhava, precisava registrar o afeto, o cuidado, o amor, a beleza que eu estava vendo.

Eu ainda estou muito absorvida por tudo o que presenciei. Estou transbordante de felicidade e de afetividade e de amor. Ontem logo após fazer as fotos e ver a cena resolvi postar uma dessas imagens e nela eu cito uma conversa que tive com um amigo que falava desse poder transformador do afeto, desse sentimento que amolece pedras e transforma paisagem.

Acho que o afeto faz muito mais do que isso. Acho que o afeto consegue ser tão tocante, consegue ser tão atravessador que minha casa desde ontem transborda sentimentos bons. Todos os sentimentos de amor, de afeto, de cuidado, de ver no outro um igual, de empatia, de sentimento de beleza.

E eu fui testemunha ocular de tudo. E isso me fez, me faz um ser humano melhor. Esse texto é um texto de agradecimento, de aprendizado, de humanidade que a convivência com os animais me proporciona.

Obrigada meus filhos felinos, meus filhos caninos, meus filhos os quais materno, os quais amo e os quais me ensinam a amar sobremaneira.

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