O legado da Ocupação no IFRN em 2016 para a nova geração feminista do interior

A Agência Saiba Mais dá continuidade à série de reportagens “Primavera Secundarista: nossos sonhos são pra valer”, com histórias de cinco lideranças secundaristas que ocuparam os campi do IFRN em 2016 contra a PEC do Teto de Gastos, a Reforma do Ensino Médio e o projeto Escola sem Partido. Agora, seguimos com o perfil de Marília Gabriela, que estudou no IFRN Currais Novos e 17 anos à época das ações.

Marília Gabriela: “Hoje eu represento uma luta da juventude da periferia”

Marília Gabriela Dantas Félix, de Currais Novos, tinha 17 anos na época das ocupações, período em que “despertou” como militante, como descreve. Não sabia bem nem o que era um grêmio, mas sentiu por impulso a necessidade de participar do que acontecia a partir da revolta com a PEC do Fim do Mundo. Foi depois de uma palestra no Seridó, com a participação de Brisa Bracchi, então diretora de mulheres da UBES, que teve seu primeiro contato com o movimento estudantil.

“A partir daí, a gente mobilizou essa ocupação no IF, que durou em torno de 15 dias, totalmente puxada por nós, estudantes”, relembra.

Ela conta que uma das primeiras ações foi buscar falar com os alunos por meio de rodas de conversa. 

“A gente via que muitos deles não queriam entender, sabe? Tinha muito aquele bordão que era você parar de estudar um dia hoje para que amanhã continue tendo sua cadeira, continue tendo seu professor, e a gente foi muito agitado por isso, por querer que todo mundo participe”, conta. 

Ocupações consolidaram nova geração de militantes | Foto: Facebook Grêmio Estudantil Rady Dias – GERD (autoria não identificada)

Aos pouquinhos, mais e mais pessoas foram se engajando.

“A gente conversava com os professores para liberar as turmas para as rodas de conversa. Foi quando a gente realmente viu que tinha uma galera grande, que todo o Brasil estava ocupando, e eu acho que tive até essa conversa mesmo com Brisa, que a gente disse: ‘bora ocupar, bora ocupar’”. Ocuparam em outubro. 

No primeiro dia de ocupação, foi realizada uma mesa de debate sobre a PEC 241. Participaram uma professora do Instituto, uma estudante da UFRN e o presidente do Grêmio de São Gonçalo do Amarante, Mikael Lucas. Também tiveram uma palestra sobre neoliberalismo, oficina de batucaço e outra mesa com o tema “Mulheres, negros e LGBTs”. À noite, houve sarau e luau.

Para prosseguir nas manifestações, só a boa vontade não bastava. Era preciso, em alguns casos, desobedecer. Marília diz que houve um diálogo com a direção do campus de Currais Novos para que a ocupação fosse oficialmente autorizada, o que não foi permitido.

“Pois a gente vai e pronto, tem isso de poder não”, respondeu ao diretor do Instituto na época. 

“Eram muitas barracas, rede, gente dormindo de lençol no chão. Cada barraca tinha quatro ou cinco pessoas. Acho que teve em torno de 30 a 50 pessoas. Eu nunca parei para contar. Na época, era tão no calor do momento, com aquele fogo, que a gente nem parava para observar direito”, relembra.

Hoje com 25 anos, Marília olha para trás e diz que o momento valeu a pena. Atualmente, ela segue militante da Democracia Socialista, mas seu foco é outro: o movimento hip hop. Na cidade do Seridó potiguar, ela organiza a Batalha do Gueto, e ainda está na direção da Cooperativa de Batalhas do Rio Grande do Norte. 

“Hoje eu represento uma luta da juventude da periferia, canto rap, faço movimento social com a Batalha do Gueto. Eu já estou mais focada nisso, mas tem pessoas que estão focadas em diversas áreas, até mesmo na própria educação. E você vê que foi o processo que a gente enfrentou, que a gente não tinha noção que vivia todo esse golpe de estado com Dilma, mas que, depois, a história mostrou que foi muito mais grandioso do que a gente ali, pequeninhos, ocupando a escola, tinha noção de ter”, acredita. 

Na capital federal, também esteve no ato contra o governo Temer.

“Foi uma cena de guerra, de filme, um bagulho doido mesmo. A gente conseguiu levar muita gente de Currais e, com certeza, foi quando a gente realmente sentiu o impacto, porque a gente saiu como pessoas que estavam lutando, mas não entendia porque era muito novo, secundaristas, adolescentes”, aponta. 

“O que fica é justamente ver que a gente conseguiu fazer parte dessa história e contribuir para que o processo hoje resultasse no governo Lula novamente eleito, a política pública para educação retomando e mais investimentos ainda para a educação pública, gratuita e de qualidade”

Na Zona Sul de Natal, cruzamento das avenidas Salgado Filho e Nevaldo Rocha é ponto tradicional de atos de rua | Foto: Facebook Sinasefe Natal (autoria não identificada)

Assim como outras pessoas da época, Félix enxerga os frutos da Primavera Secundarista até hoje em sua cidade.

“Trouxe um impacto de politização da juventude e dos estudantes secundaristas, que não tinham nenhuma forma de organização política do movimento estudantil antes disso”, diz. 

A partir disso, foi fundada a União Municipal dos Estudantes Secundaristas (Umes) de Currais Novos — hoje já desativada — e outros grêmios em Currais Novos, inclusive com o desenvolvimento de projetos de fomento de grêmios. 

“Foi um momento de despertar dessa juventude, não apenas para aquele momento histórico ali que a gente vivia, mas para a importância de lutar permanentemente pela educação”, diz a curraisnovense. 

Ela ainda vê outra Primavera como possível, mas espera que em contextos melhores que o de 2016.

“Lutando para conseguir mais e mais investimentos, para melhorar cada vez mais a educação, com outras pautas avançando nosso projeto político e não lutar para não perder aquilo que a gente já conquistou, que foi o caso dessa Primavera [de 2016]”, afirma Marília.

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