Venezuela tem apagão geral no mesmo dia em que opositor pode ser alvo de mandado de prisão

Os venezuelanos acordaram nesta sexta-feira, 30, com uma grande queda de energia na capital, Caracas, e em praticamente todos os demais Estados. A ditadura de Nicolás Maduro atribuiu o problema à sabotagem elétrica. A oposição e especialistas, no entanto, apontam corrupção e má administração. Não se sabe como o problema deve afetar a convocação para que Edmundo González Urrutia compareça ao Ministério Público sob risco de prisão.”Houve uma sabotagem elétrica na Venezuela, uma sabotagem contra o sistema elétrico nacional, que afetou quase todo o território nacional. Os 24 estados informam perda total ou parcial do fornecimento elétrico”, disse o ministro das Comunicações, Freddy Ñáñez, ao canal estatal VTV.A interrupção ocorreu às 04h40 horário local (03h40 no horário de Brasília). Muitas ruas de Caracas estavam desertas no início da manhã, observou a AFP. No início dessa tarde, a energia começou a ser restabelecida em alguns setores de Caracas, segundo o ministro do Interior recém-indicado Diosdado Cabello.”Todos os serviços estão sendo revisados”, disse Cabello ao canal estatal VTV. “Já começa a se energizar a rede e alguns setores daqui de Caracas começam a receber energia elétrica. É um processo que vai ocorrendo pouco a pouco, mas é um processo que está sendo feito com segurança para não cair em erros”, ressaltou.No gigantesco bairro de Petare, por exemplo, havia luz no meio da manhã, embora em outros setores o apagão continuasse. Já em algumas áreas como Chacao, de classe média, o retorno da eletricidade durou apenas alguns minutos.Os apagões têm sido frequentes na Venezuela há uma década, conforme o país aprofundava a sua crise econômica e política. O pior deles ocorreu em março de 2019, durante um período de agitação política, quando a Venezuela sofreu com cortes de energia regulares que o regime quase sempre atribuiu a seus oponentes, mas que especialistas em energia disseram ser resultado de incêndios florestais que danificaram linhas de transmissão e da má manutenção da infraestrutura hidrelétrica do país.Regiões do oeste do país, como Táchira e Zulia, que já foram a capital do petróleo, sofrem cortes diários de energia.Muitos dos problemas de energia diminuíram à medida que a economia do país sul-americano se estabilizou – embora em patamares ainda muito críticos -, a alta inflação diminuiu e uma dolarização de fato reduziu a escassez de produtos importados.Ainda assim, após a eleição presidencial contestada do mês passado, o regime é rápido em culpar os oponentes até mesmo por pequenas interrupções. Esse foi o caso na terça-feira, 27, quando um apagão afetou Caracas e vários Estados centrais.”Esta é uma estratégia constante da oposição, dos inimigos deste país, para impactar a população”, disse Diosdado Cabello, que é considerado o segundo homem mais poderoso do país.Maduro normalmente atribui essas falhas a planos orquestrados pelos Estados Unidos e pela oposição para derrubá-lo. No entanto, líderes opositores e especialistas que não concordam com a teoria das sabotagens responsabilizam o governo por falta de investimento, incompetência e corrupção.Os moradores da capital estavam levando a interrupção desta sexta com tranquilidade. O trânsito durante o horário de pico normalmente movimentado estava mais leve do que o normal e algumas pessoas reclamaram de não conseguir se comunicar com familiares devido à falta de serviço de celular.Alejandra Martinez, uma vendedora de 25 anos, disse que notou que a energia acabou quando um ventilador parou de funcionar. “Achei que a energia voltaria e voltei a dormir”, disse ela enquanto tentava pegar um ônibus para o trabalho quando amanheceu em Caracas. “Mas quando acordei, percebi que era uma queda de energia.”A rede elétrica da Venezuela depende muito da Barragem de Guri, uma gigantesca usina hidrelétrica que foi inaugurada no final da década de 1960. O sistema elétrico tem sido sobrecarregado pela má manutenção, pela falta de fontes alternativas de energia e pela drenagem de talentos de engenharia, já que cerca de 8 milhões de migrantes venezuelanos fugiram da miséria econômica nos últimos anos.Segundo o jornal Efecto Cocuyo, de inclinação opositora, no interior o apagão elétrico foi sentido com filas em postos de gasolina, hospitais que atendiam apenas emergências e pessoas que frequentavam aos comércios com energia reserva.Candidato da oposição convocadoO apagão ocorre no mesmo dia em que o candidato opositor González Urrutia, que completou 75 anos na última quinta, foi citado pelo Ministério Público, que abriu uma investigação criminal contra ele. É a terceira citação, depois que ignorou outras duas. O não cumprimento desta medida acarretaria a emissão de um mandado de prisão. Não está claro como fica o procedimento em meio ao apagão nacional.A oposição publicou em um site cópias de mais de 80% das atas de votação que a mostram vencedora, que é o foco da citação. Por causa disso, o MP investiga González Urrutia por suposta usurpação de funções e falsificação de documento público. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) ainda não publicou os detalhes do escrutínio mesa a mesa, conforme exigido por lei.Esses crimes teoricamente acarretam pena máxima de 30 anos de prisão. Não foi especificado em qual qualidade González foi convocado: acusado, testemunha ou especialista, de acordo com a lei venezuelana.Mas alertou que “se não comparecer perante esta repartição fiscal na referida data será considerado” em “risco de fuga” e “perigo de obstrução, portanto será processado o correspondente mandado de apreensão”.González não se pronunciou, embora já tenha chamado o procurador-geral, Tarek William Saab, de “acusador político” que o submeteria a um processo “sem garantias de independência e do devido processo”.A oposição Plataforma Unitária Democrática (PUD) denunciou uma perseguição política e negou que a publicação das atas no site estivesse a cargo de González Urrutia. “De qualquer forma, não representa crime”.Juristas classificaram o procedimento como irregular.Maduro pediu prisão para González e Machado. Ele também os responsabiliza pelos atos de violência nos protestos pós-eleitorais, que deixaram 27 mortos – incluindo dois militares -, quase 200 feridos e mais de 2.400 detidos, uma centena deles menores, embora 16 adolescentes tenham sido libertados e colocados em liberdade condicional na quinta-feira./AP e AFP
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