Valor recorde para as novas gerações de herdeiros

Dalla Bernardina: maior divisão dos bens com foco nos netos | Foto: Divulgação

O mundo se prepara para a maior transferência de riqueza entre gerações da história, concentrada, principalmente nas parcelas mais ricas da população.Nos EUA, por exemplo, a projeção é de que cerca de US$ 105 trilhões (R$ 601,6 trilhões na cotação atual) sejam transferidos das gerações mais velhas para as seguintes nos próximos 25 anos, de acordo com a empresa de pesquisa Cerulli Associates, um valor aproximadamente equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) global em 2023.Já no Brasil, especialistas avaliam que o movimento nos próximos 30 anos será semelhante, ainda que em valores menores.Um exemplo está nos bilionários do Brasil: sete dos dez mais ricos do País têm 70 anos ou mais, e possuem, somados, uma fortuna de US$ 66,6 bilhões (R$ 381 bilhões), que será repartida por herdeiros.Segundo o economista Eduardo Araújo, esse volume, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, é resultado do aumento da expectativa de vida da população. Ele relata que a geração “baby boomer”, que nasceu entre 1946 e 1964, após a Segunda Guerra Mundial, acumulou fortuna durante décadas de desenvolvimento econômico e valorização de ativos.“No Brasil será uma quantia menor do que nos Estados Unidos, mas o impacto será ainda mais significativo, porque há uma estrutura de concentração patrimonial no País”, argumenta.O advogado Alexandre Dalla Bernardina explica que, no Brasil, existe a chamada sucessão obrigatória, ou seja, por lei, ao menos 50% dos bens do falecido devem ir para os herdeiros necessários, sendo priorizados os descendentes (filhos, netos e bisnetos) junto com o cônjugue, caso ele exista. Os 50% restantes podem ser divididos da forma como a pessoa preferir.Por conta disso, o advogado relata que está cada vez mais frequente a divisão com foco nos netos, e não nos filhos.“É um fenômeno que já está ocorrendo há alguns anos. Como a expectativa de vida da população tem aumentado, não chega a ser incomum, também, a antecipação de parte da herança para os filhos ainda em vida. É uma forma de evitar brigas quando a pessoa se for, e de adequar o valor que cada herdeiro vai receber ao perfil de cada um”, explica.Novos jovens bilionáriosLevantamento da Forbes mostra que a maioria dos bilionários brasileiros herdou suas fortunas, em uma média maior do que a global. Segundo a pesquisa, mais de 50% dos bilionários brasileiros adquiriram suas fortunas por meio de herança. A porcentagem é maior do que a dos Estados Unidos (12,6%) e do que a média global (33,6%).Com a expectativa para a grande transferência de renda nos próximos anos, especialistas relatam que a tendência é de que o número de jovens bilionários aumente no decorrer das décadas, tanto no Brasil quanto no mundo.O economista Eduardo Araújo argumenta que a falta de renovação entre os mais ricos no Brasil pode criar uma barreira econômica e reduzir o surgimento de novas fortunas por meio do empreendedorismo, perpetuando a desigualdade social por mais tempo.“Em outros países, há uma renovação maior. Mas no Brasil, a riqueza se mantém há décadas entre as mesmas famílias”, relata.A transferência de riqueza tem, inclusive, mudado o perfil dos bilionários, de acordo com um levantamento feito pelo banco suíço UBS.O estudo apontou que, até 2023, a maioria era resultado do fruto do próprio trabalho. Mas, desde então, o grupo majoritário de bilionários no mundo passou a ser daqueles que acumularam riqueza via herança.Os cinco bilionários mais jovens do Brasil, por exemplo, são fruto de herança, e todos ligados à mesma empresa: trata-se da WEG, gigante catarinense do ramo de equipamentos elétricos que, desde 2011, produz também no Espírito Santo, em uma fábrica localizada em Linhares, no Norte do Estado.No total, 29 dos 60 bilionários do Brasil são herdeiros da WEG. Uma delas é a jovem Lívia Voigt, de 20 anos, que, de acordo com a Forbes, possui uma fortuna avaliada em cerca de US$ 1,3 bilhão (R$ 7,4 bilhões), sendo considerada a jovem mais rica do planeta.Herança trilionária nos próximos anosMais riqueza herdadaA valorização acentuada dos mercados de ações e dos preços das residências, bem como a inflação, deram impulso aos patrimônios que os membros da chamada geração “baby boomer”, para nascidos entre 1946 e 1964, devem deixar aos seus herdeiros.Relatório do Banco UBS sobre ambições bilionárias, em 2023, aponta que, pela primeira vez no estudo, novos bilionários adquiriram mais riqueza por meio de herança do que pelo empreendedorismo. Em um ano, um total de US$ 150 bilhões foram obtidos por 53 herdeiros, enquanto 84 bilionários acumularam US$ 140,7 bilhões via empreendedorismo.O UBS também estima que, nos próximos 20 a 30 anos, mais de mil bilionários da atualidade transferirão mais de US$ 5,2 trilhões a seus herdeiros.DesigualdadeEssa nova leva de jovens herdeiros bilionários, prevista para as próximas décadas, ocorre em um momento da história em que a concentração de renda nas mãos de poucas famílias piora a vida da maioria das pessoas do mundo.O relatório Desigualdade S/A, divulgado no início do ano passado pela Oxfam, aponta que a riqueza dos cinco maiores bilionários do mundo dobrou desde 2020, enquanto a de 60% da população global – cerca de 5 bilhões de pessoas – diminuiu nesse mesmo período.Enquanto sete em cada dez das maiores empresas do mundo têm bilionários como CEOs ou principais acionistas, apenas 0,4% das mais de 1.600 maiores e mais influentes empresas do mundo se comprometeram publicamente com o pagamento de salários dignos a seus trabalhadores.Movimento justificadoDaniel Duque, pesquisador da área de economia aplicada do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), explica que tal esforço dos super-ricos em repassar seus bens para as próximas gerações pode ser resultado de uma reação às recentes iniciativas de diversos países de debater e implementar modelos mais progressivos de tributação —após décadas de alíquotas que foram generosas com os bilionários.Movimento que cresceu fomentado principalmente pela visibilidade dada ao trabalho do economista francês Thomas Piketty, que defende reparos ao sistema capitalista capazes de interromper esse processo de concentração de riqueza.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.