‘BR do Mar’: entenda os próximos passos da investigação aberta pelo MPF

O Ministério Público Federal (MPF) no Paraná vai acionar o MPF em São Paulo para uma apuração conjunta do projeto que prevê a dragagem do Canal do Varadouro para criar uma rota marítima turística entre o litoral dos dois Estados. De acordo com a procuradora da República Monique Cheker, do MPF paranaense, o projeto, apresentado como uma “BR marinha” pelo governo do Paraná, prevê obras no interior do Parque Nacional de Superagui, no litoral paranaense, o que a legislação não permite. No lado paulista, as intervenções tangenciam o Parque Estadual da Ilha do Cardoso, podendo afetar manguezais e outras áreas protegidas.O governo de São Paulo informou que já pediu ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que, na análise do licenciamento pedido pelo governo do Paraná, sejam incluídas as áreas afetadas no lado paulista. O governo paranaense disse que responde a todos os questionamentos do MPF e seguirá todas as orientações para preservar o patrimônio e as comunidades tradicionais (leia mais abaixo).Conforme noticiou o Estadão, em março do ano passado os governos do Paraná e de São Paulo assinaram um protocolo de intenções para alargar e aprofundar o Canal do Varadouro, desativado para navegação há mais de 30 anos, para criar uma rota marítima turística. Com seis quilômetros de extensão, o canal fica em uma das poucas regiões ainda intocadas do litoral brasileiro. O plano é instalar píeres e trapiches para embarcações turísticas, como iates, e estrutura para receber os visitantes. O projeto é combatido por ambientalistas e visto com reservas pelas comunidades tradicionais da região.O pedido de licenciamento para a dragagem foi apresentado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) pelo governo do Paraná – e apenas para as intervenções do lado paranaense. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que administra o Parque Superagui, deu parecer contrário e acionou o MPF do Paraná, que abriu inquérito para apurar o projeto.A promotora convocou o governo paranaense para uma apresentação da proposta, que foi realizada nesta quarta-feira, 30, em Paranaguá. “O que eles expuseram foi um anteprojeto, pois o projeto depende do termo de referência do Ibama. A BR marinha, como eles estão veiculando, passaria dentro de uma unidade de conservação federal, o Parque do Superagui. Haverá dragagens dentro do parque, por isso o ICMBio fez manifestação formal de que isso não é possível, pois a legislação não permite”, disse ao Estadão.Segundo ela, no lado de São Paulo as intervenções tangenciam o Parque Estadual Ilha do Cardoso. “Provavelmente pode estar na zona de amortecimento do parque. A partir disso vamos acionar o MPF de São Paulo. Vamos fazer uma ata minuciosa e encaminhar para lá, pois a maior parte das dragagens acontece em São Paulo. Ao ver do MPF, o impacto será muito grande. O impacto é como um todo, mas o maior impacto é a dragagem. Após conversar com São Paulo, possivelmente vamos emitir uma recomendação conjunta”, disse.Ainda segundo a promotora, os representantes do governo paranaense não conseguiram esclarecer a alegada base comunitária do projeto turístico, ou seja, o envolvimento da comunidade nas atividades turísticas para geração de renda. “Será um projeto de base comunitária ou um projeto que vai gerar especulação imobiliária e expulsar a comunidade tradicional?”, questiona.O governo do Paraná diz que aguarda retorno do Ibama, indicando no termo de referência quais as necessidades ambientais a serem observadas e que o Estado seguirá todas as orientações e tomará todos os cuidados a fim de preservar as áreas protegidas, o patrimônio arqueológico e respeitando os protocolos de consulta às comunidades tradicionais. Alegou também que o anteprojeto foi apresentado e todas as informações estão sendo prestadas ao MPF.Comunidades caiçaras pedem informaçõesA procuradora da República Monique Cheker recebeu a Carta Caiçara do Lagamar (PR/SP), elaborada no último dia 14, com o posicionamento da Articulação dos Povos e Comunidades Tradicionais da Ilha do Cardoso e do Movimento dos Pescadores Tradicionais do Litoral do Paraná sobre o projeto, em que manifestam preocupação com a falta de informações sobre a proposta. “As comunidades tradicionais tomaram conhecimento a respeito do projeto do Canal do Varadouro através da imprensa, chamado de ‘BR do mar’, quando deveriam ter sido as primeiras a serem informadas”, diz a carta.As comunidades caiçaras pontuam que não se colocam contra o projeto, “mesmo porque o desconhecemos”, e não são contra propostas de fomento do turismo, mas não consideram correto apresentar um projeto pronto, sem incluir desde o início as comunidades envolvidas na discussão.O MPF de São Paulo disse que ainda não há procedimento relacionado ao projeto do Canal do Varadouro e aguarda eventual manifestação do MPF do Paraná.Preservação de unidades de conservaçãoO governo de São Paulo, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil), informou que nenhum pedido de licença para alargamento do Canal do Varadouro foi protocolado por São Paulo e não há projeto em curso neste sentido. “O protocolo de intenções assinado pela Secretaria de Estado de Turismo e Viagens com o governo do Paraná visa estimular a cooperação técnica e troca de informações, para avaliação de parcerias”, disse, em nota. Anteriormente, a Secretaria de Turismo informou que havia tratativas para a dragagem do canal.Segundo a Semil, a Fundação Florestal tem papel fundamental na preservação das três unidades de conservação que estão na área (paulista) do Canal do Varadouro: Parque Estadual do Lagamar de Cananéia, Reserva Extrativista Ilha do Tumba e Parque Estadual da Ilha do Cardoso. “A Fundação conduz na região importantes projetos de conservação do território e proteção da biodiversidade, como o monitoramento e proteção do mico-leão-da-cara-preta, espécie altamente ameaçada de extinção”, disse.Sobre o pedido de licenciamento para dragagem do Canal do Varadouro, protocolado junto ao Ibama, órgão responsável por autorizar qualquer intervenção na região, a Fundação Florestal foi consultada e encaminhou nota técnica solicitando que a área de impacto considerada no processo seja expandida, incluindo a extensão do Canal de Ararapira e respectiva restinga sul do Parque Ilha do Cardoso, compreendida entre o Morro do Marujá e a Antiga Barra do Ararapira, e considerando as comunidades tradicionais possivelmente afetadas.A fundação também recomendou que, antes de qualquer licenciamento, seja realizada consulta livre, prévia e informada com todas as comunidades possivelmente afetadas: Marujá, Vila Rápida, Enseada da Baleia, Pontal do Leste e Barra do Ararapira, devendo ser respeitados os protocolos de consulta das comunidades tradicionais.Orientou que sejam promovidos estudos sobre os impactos potenciais relacionados ao aumento do fluxo de embarcações de médio e grande porte na região, “considerando a acentuada vulnerabilidade da mesma a processos erosivos”. Pediu ainda que, caso o processo avance, a Fundação seja envolvida e consultada em todas as fases.
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