Por Gil Araújo e Leandro Juvino
A cultura Ballroom potiguar cresce e se fortalece a cada dia. Resistindo a um cenário sem apoio e pouco divulgado, o movimento reinventa espaços, constrói uma luta diária e muda as noites na capital potiguar. Pensando nisso, a Agência Saiba Mais traçou a história de como esse movimento chegou no Rio Grande do Norte e como têm se tornado um espaço de voz na cidade do Natal.
Neste mês de setembro, a comunidade celebra o primeiro aniversário da Xanana MiniBall, evento que marcou um momento histórico para a cena ballroom potiguar. Realizada em 09 de setembro de 2023, a ball foi nomeada em referência à planta chanana, que floresce em áreas de vegetação recente, simbolizando o surgimento e crescimento da comunidade local.
Embora não tenha marcado o início da cena potiguar, a Xanana MiniBall foi o primeiro evento de ballroom realizado na capital. Com entrada gratuita, o evento contou com cinco categorias competitivas, consolidando-se como um marco cultural na cidade. Veja alguns registros do momento:





Entenda a cultura
Antes de conhecer a história no estado, primeiro é importante saber como e quando surgiu esse movimento. A cultura Ballroom é uma forma de expressão artística LGBTQIAP+ que nasceu nas comunidades negras e latinas de Nova York, na década de 1980. Desde então, ganhou destaque internacional, oferecendo um espaço seguro para a celebração da autenticidade, a diversidade e a moda.
A história do movimento, na realidade, pode ser contada através dos surgimentos das casas e coletivos que fomentam e fortalecem a cultura no estado. Os esquemas de casas na cultura ballroom são pilares essenciais desta comunidade. As casas são grupos, mas também famílias escolhidas, proporcionando apoio, mentorias e um senso de pertencimento a seus membros.
Cada casa tem sua própria hierarquia e história, e geralmente são lideradas por mães ou pais que orientam os filhos e filhas em competições de voguing e desfiles das categorias. Essas casas oferecem um espaço seguro e acolhedor para pessoas de todos os gêneros, orientação sexual e etnia, para se expressarem, competirem e celebrarem sua autenticidade em máxima potência.
Cada casa possui sua própria hierarquia e história, geralmente liderada por mães ou pais que orientam os participantes em competições de voguing e desfiles. Esses espaços proporcionam um ambiente seguro e acolhedor para pessoas de todas as orientações de gênero, sexualidade e etnias expressarem sua autenticidade. Nas Balls, há também aqueles que não estão associados a nenhuma casa, mas desejam competir. São conhecidos como free agents. Costumam adotar o termo “007” em vez do sobrenome de uma casa, ao se identificarem.

Conheça as casas:
Casa/coletivo de Kamikaze
O Coletivo Kamikaze, por exemplo, nasceu da necessidade de construir uma rede de estudos para as práticas da dança Vogue. A ideia, de Tako Takai e Manu Cobra, começou a nascer ainda em 2015,, quando Cobra conheceu o vogue dance pela internet. Infelizmente, sem ter condições e oportunidades de caminhar nos bailes que já aconteciam no Brasil e não possuir títulos, a casa também não pode ser oficializada. No entanto, a Kamikase se manteve enquanto coletivo de arte.
“Em 2016 ingressei no curso de Licenciatura em Dança pela UFRN e a partir daí comecei, em conjunto com Manu a pesquisar, a praticar e a tentar desenvolver propostas de ensino da dança com o propósito de aproximar a cultura ballroom das pessoas, já que na época absolutamente ninguém desenvolvia trabalhos ou dialogava sobre a cultura ballroom e a dança Vogue em nossa região.”, lembra o pesquisador e dançarino, Tako.
Como já trabalhava com o ensino da dança desde 2011, Takai logo começou a desenvolver possibilidades metodológicas do ensino da dança Vogue para aprimorar seus conhecimentos e propor experiências práticas à comunidade acadêmica e também externa. Mas foi em 2018 que as oficinas promovidas pelos amigos foram ganhando forças.
“Em 2018 começamos a ministrar pequenas oficinas de Vogue no Departamento de Artes da UFRN. De início começou sendo algo esporádico mas acabou se tornando algo semanal. No projeto, toda semana tinha aulas de diversas modalidades de danças urbanas e a dança Vogue estava presente sob minha orientação. Assim, surgiu a necessidade de criar uma turma específica e foi quando demos início às aulas da Casa de Kamikaze”, detalha.
A dupla de amigos nunca pode ir para fora do estado estudar e praticar com outros profissionais. Toda a pesquisa foi feita a partir de vídeos na internet e práticas pessoais. Com isso, de 2018 a 2020, o coletivo Casa de Kamikaze manteve aulas e oficinas de vogue no Departamento de Artes da UFRN, com o movimento tendo que paralisar as atividades por conta da pandemia do Covid-19
“Quando chegou o fim da pandemia infelizmente eu e Manu já nos encontrávamos em uma situação pessoal completamente diferente da que era em 2018. Tendo que trabalhar formalmente e com a chegada do fim do curso, estávamos cada dia mais distantes da comunidade acadêmica e do espaço acadêmico. Começamos a trabalhar e as oficinas acabaram sendo apenas em eventos pontuais como semana de integração de cursos, como o de teatro e de dança. Fui convidado, como representante da Kamikaze a fazer parte da organização da Ballroom RN mas devido a minha situação profissional eu não pude estar muito presente e acabei tendo que me afastar.”, lembrou.
Mesmo distantes atualmente, não é possível contar a história do Vogue em Natal sem mencionar Tako Takai e Manu Cobra, pioneiros das oficinas abertas da prática no estado.
“Eu e Manu estivemos aqui apoiando, mesmo que de longe, todo o esforço que a galera atual fez pós-pandemia dando início a cena ballroom RN, com a Xanana Ball. E hoje, mesmo não estando presente, nossas condições não nos permitem estar presente nas movimentações, continuamos apoiando e torcendo para que tudo continue crescendo cada vez mais, pois sempre foi o nosso sonho que a cena Ballroom RN crescesse e sem dúvidas estamos muito felizes.”, finaliza.
Ninho de Guabiru e as batalhas de vogue
Em 2018, o anfiteatro conhecido como “Coliseu”, localizado no Setor 2 da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), era conhecido pelas batalhas de rap, reunindo um público majoritariamente heterossexual. No entanto, o ambiente não estava livre de tensões: alguns episódios de machismo e homofobia frequentemente eram expostos nas redes sociais.
Foi nesse cenário que o Coletivo Ninho de Guabiru decidiu agir. Incomodados com os ataques, muitos deles homofóbicos, o grupo começou a frequentar os eventos e, como resposta criativa e política, decidiu criar a primeira “batalha de vogue” em Natal.
As batalhas de vogue, inspiradas nas batalhas de rap, ocorriam nas noites de sexta-feira, e os eventos eram divulgados via Facebook. A simplicidade marcava os encontros: sem categorias formais ou estruturas técnicas, o público atuava como único jurado, e os competidores se enfrentavam na pista de forma semelhante às batalhas de rap que serviam de referência para o coletivo.
O Ninho de Guabiru, formado majoritariamente por jovens negros e periféricos, enxergava essas batalhas como um ato de resistência política. Já o sucesso da iniciativa não se restringiu aos muros da universidade. Em pouco tempo de atuação , as batalhas de vogue migrariam para espaços públicos de Natal, sendo impulsionadas por Pajux Frank, figura importante da cena cultural.
Levando a cultura vogue para o Beco da Lama, onde havia um movimento underground em ebulição, especialmente no bar da meladinha, o coletivo, posteriormente, as chegou na Rua Chile, no Ateliê Bar e no Galpão 29, em colaboração com a Houssaca. As batalhas eram sempre alinhadas à cultura noturna e ajudaram a fermentar a cena cultural da cidade.
Hoje, a efervescente cena ballroom de Natal, que ganha cada vez mais força, tem suas raízes nas ações do Coletivo Ninho de Guabiru. Muitos dos rostos atuais da comunidade frequentaram e participaram dos eventos promovidos pelo coletivo. Para seus membros, é gratificante observar o crescimento e o engajamento da cena, que, mesmo em tempos difíceis, nunca desapareceu completamente.
Vem cá, vem cá, vem Casixtranha!
A Casixtranha capitulo RN teve suas origens com Aisha Lemos, uma multi artista potiguar, que conheceu a Overall Founder Mother Shock Ixtranha, de São Paulo, em aulas online de vogue. Ao demonstrar interesse em criar uma casa e fortalecer a cena ballroom em Natal, Aisha foi convidada pela Mother Shock a fundar um capítulo da Casixtranha no Rio Grande do Norte em 2023.
O anúncio oficial de Aisha e Yorran como integrantes aconteceu na The Tropicaly Ball, realizada na Paraíba no início de 2023. Após o anúncio, a Casixtranha passou a organizar treinos abertos ao público, que tinha como objetivo criar um espaço seguro para desenvolver talentos e impulsionar a formação da comunidade local.
A Casixtranha atualmente conta com sete membros potiguares e coleciona performances em grandes eventos culturais da cidade, como o recém ocorrido Festival Bloquíssimo, que trouxe nomes da músicas nacional como a cantora e drag queen Pabllo Vittar.
Bicha, fica atenta é a Casa de Acúenda!
Já a Casa de Acúenda surgiu como um marco importante na disseminação da cultura Ballroom no Rio Grande do Norte. Fundada em 2023 por Vitoria Um Milhão em parceria com Lili Nascimento, a Casa nasceu com um forte fundamento político, refletindo a trajetória de seus membros na cultura ballroom.
“A Casa nasceu de várias necessidades e um fundamento político, que é herança da nossa trajetória na ballroom”, afirma Vitória, que conheceu essa cena em 2019, na Paraíba, através da Casa da Baixa Costura, que participou enquanto morava no estado.
Depois de se mudar para RN, Vitória decidiu expandir seu legado, fundando a Casa de Acúenda, com a missão de fomentar e fortalecer a cultura ballroom na região. Desde sua criação, a casa promove treinos titulados de “Desacuendações” com o objetivo de compartilhar e difundir os saberes dessa cultura, especialmente entre pessoas trans, travestis e negras. Com a Casa de Acúenda, a cultura ballroom ganha mais força no estado e cria fundamentos sobre a história e desenvolvimento dessa cultura.
Com a Casa de Acúenda, a cultura ballroom ganha mais força no estado e cria fundamentos sobre a história e desenvolvimento dessa cultura.

Intercâmbio de estados
Após ocorridas sete balls em Natal, o intercâmbio com cenas de outros estados se fortaleceu, dessa forma novas casas ganharam capítulos potiguares como Casa da Baixa Costura (PB) , House of Dengo (SP), Casa das Benvenutty (PB).
Leia também: Conheça a cultural Ballroom no RN; evento celebra corpos LGBTQIAP+
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