Gaeco: Irapoã pagou entre R$ 20 e R$ 30 por voto para se eleger vereador de Natal

O vereador Irapoã Nóbrega (Republicanos), um dos denunciados na ação do Ministério Público Eleitoral (MPE) que investiga o suposto crime de abuso de poder político e econômico nas eleições de 2024, pagou entre R$ 20,00 e R$ 30,00 reais por voto para se eleger vereador de Natal. É o que revela a transcrição de uma conversa extraída do celular apreendido do investigado Itamar Domingos da Cruz, chefe do setor de paisagismo da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (Semsur), que atuava como cabo eleitoral do ex-titular da pasta.

Em uma das conversas descritas no relatório do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), Itamar troca mensagens com uma pessoa identificada como “Adriana Esposa Tiago Redinha”, cujo marido, segundo o MPE, possivelmente seja funcionário da Prefeitura de Natal.

“No chat vemos que Itamar se propõe a transportar pessoas no dia da eleição, sendo o ponto de encontro a casa de Adriana e que quem faria o transporte seria uma pessoa de nome Walter”, descreve o relatório.

O Gaeco observa também que Itamar “comenta e explica sobre possível compra de votos em nome de Irapoã, estimando um valor entre 20 (vinte) e 30 (trinta) reais por voto e também como se daria o pagamento no dia da eleição”.

Em mensagem de áudio enviada a Itamar no dia 2 de outubro de 2024, a quatro dias do primeiro turno, Adriana pergunta se ele saberia informar “quanto é que as pessoas vai [sic] ganhar, porque já tem gente me perguntando”.

Ela menciona que uma pessoa identificada como Romualdo, aparentemente ligada à campanha de Irapoã, “não disse qual é o dia que vai dar o dinheiro, quanto é que é, as pessoas tá [sic] perguntando se vai ter alguma reunião pra você vir aqui, ou vai ser no dia lá da eleição”.

Em outra mensagem de áudio, Itamar responde a Adriana explicando que não sabia dizer ao certo qual seria o valor, mas que as lideranças receberiam “de igual para igual” para ninguém reclamar da diferença.

“Então, eles estão trabalhando todos para pagarem vinte reais. Por quê? Veja bem, o pensamento de alguns aí, porque se pagar 20 vai sobrar 10 reais, que exatamente o seu dinheiro do almoço no dia, entendeu? Então é assim que eles estão trabalhando, (…) mas eu não sei dizer o valor não, mas é melhor dizer que é 20 e vim [sic] 30 de que dizer que é 30 e vim [sic] 20, é isso, bem melhor”, explicou Itamar.

O servidor da Semsur diz a Adriana para “alinhar” o pagamento com alguém identificado como Walter.

“Tem que alinhar isso com nós [sic] do bairro da Redinha, né? Os de fora são outra coisa, mas os da Redinha alinhar uma coisa só, entendeu? Para não ficar um pagando mais e outro menos, todo mundo vai pagar o mesmo valor, entendeu? Vai ser 30, pronto, todo mundo 30, aí vai ser 20, todo mundo 20, certo? (…) É melhor dizer que é 20, entendeu, do que dizer que é 30 e vir 20. Mas eu não sei não, o valor eu não sei não”, repete Itamar.

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Votou, disse a cor da camisa do homem, eu taco os vinte conto na mão”

Itamar Cruz, um dos investigados na ação do MPE, durante a campanha, ao lado do ex-prefeito Álvaro Dias e do atual prefeito Paulinho Freire. Foto: Reprodução Redes Sociais

Em novo áudio enviado a Adriana, Itamar detalha como seria feito o pagamento a quem votasse em Irapoã Nóbrega. Para confirmar o voto, a pessoa deveria dizer a cor da camisa usada pelo candidato na foto que aparecia na urna.

Itamar instruiu Adriana a dizer às pessoas que o pagamento seria feito apenas após a eleição. “Eu faço assim e dá certo”, assegurou.

“Eu só pago no final da eleição, entendeu? Por quê? Vai lá no colégio, votou, disse a cor da camisa do homem, eu taco os vinte conto na mão. Ah, mas é só vinte? É, meu filho, é o que tem, viu? Tá certo? Pronto, entendeu? Tchau”, orientou.

Itamar insistiu com Adriana que esse seria o melhor método para não perder nenhum voto, porque, segundo ele, “tem gente que pega e vota no outro”.

“Chegou com a cor da camisa, assim que votar, pode vir aqui [com o] comprovante do título na mão que votou, com a cor da camisa, e (…) pega o teu”, completou.

Itamar tranquiliza Adriana dizendo que, mesmo se a pessoa errasse a cor da camisa de Irapoã, ela receberia o dinheiro. A pressão, ainda segundo ele, era apenas “um jogo” para “não perder o eleitor”.

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Na parte de cima eu vou dar 30”

No dia 5 de outubro de 2024, véspera da eleição, Adriana volta a perguntar a Itamar “quanto que foi liberado para dá [sic], pra mim [sic] distribuir pro povo”.

O cabo eleitoral de Irapoã Nóbrega repete que não sabe “quanto foi liberado”, explicando que “cada caso é um caso, cada pessoa é uma pessoa” e que “na parte de cima” ele daria R$ 30,00.

“Aí os da Redinha, ali embaixo, eu não sei quanto vai ser, certo? Tem gente que tá dando 25, eu não sei dizer quanto foi para vocês aí não, tá certo? Eu só sei dizer daqui, entendeu? Porque cada pessoa, cada caso é um caso, né? Cada pessoa tem um grupo e cada grupo é um negócio, entendeu? Essa foi o que veio para mim, entendeu? O que eu tô sabendo é que, no caso, são os meus, os meus eu sei”.

Em seguida, Itamar encaminha a Adriana uma colinha eleitoral com o santinho contendo nome, foto e número do então candidato a vereador Irapoã Nóbrega.

Voto em Irapoã é certo”

Foto: Reprodução Relatório Gaeco

O relatório do Gaeco também descreve mais uma conversa de Itamar sobre combinação de compra de votos, no dia 25 de setembro de 2024, com uma pessoa identificada como Ramone Ribeiro Pereira.

“Paz do senhor, irmão Itamar. Irmão Itamar, me tire uma dúvida, de cada

pessoa que eu botar aqui na lista que você me deu, cada pessoa vai receber vinte reais é?”, pergunta Ramone.

O servidor da Semsur, no entanto, não confirma se o pagamento seria feito ou não. Para o Gaeco, no entanto, a conversa confirma que houve tratativas sobre compra de votos pela campanha de Irapoã Nóbrega, como comprovado pela troca de mensagens anterior entre Itamar e Adriana.

Apesar de não receber a confirmação do pagamento, Ramone assegura a Itamar que o voto dele, da esposa e do “resto do pessoal” no então candidato a vereador Irapoã Nóbrega “é certo”.

A reportagem da Agência Saiba Mais entrou em contato com a assessoria de comunicação do vereador Irapoã Nóbrega, solicitando um posicionamento dele sobre as denúncias de compra de votos, mas não obtivemos retorno até o fechamento da matéria.

MP pede cassação do prefeito, vice e dois vereadores

Irapoã Nóbrega é um dos alvos da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), ajuizada no início de fevereiro pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN), para investigar o suposto esquema de abuso de poder político e econômico que teria sido comandado pelo ex-prefeito Álvaro Dias (Republicanos).

De acordo com a denúncia, Álvaro Dias “orquestrou como um todo o esquema eleitoral, valendo-se da máquina pública administrativa municipal”, com o objetivo de favorecer a eleição do próprio Irapoã Nóbrega e do seu colega vereador Daniel Rendall (Republicanos), além de interferir na vitória do prefeito Paulinho Freire (União Brasil) e da vice-prefeita Joanna Guerra (Republicanos).

Saiba Mais: Álvaro Dias “orquestrou” o esquema eleitoral para favorecer a eleição de Paulinho

A ação do MPRN pede que todos se tornem inelegíveis pelo período de oito anos, a aplicação de multa aos envolvidos e a cassação do mandato do prefeito, da vice-prefeita e dos dois vereadores.

Além deles, o então diretor técnico da Arsban (Agência Reguladora de Serviços de Saneamento Básico do Município de Natal), Victor Diógenes, cunhado de Álvaro Dias, também foi denunciado pela suposta participação no esquema para favorecer a eleição de Paulinho Freire.

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Victor Diógenes foi gravado em reunião com os servidores comissionados e empregados terceirizados do órgão coagindo os subordinados manifestarem publicamente o apoio a Paulinho Freire e Joanna Guerra.

Depois da divulgação da gravação pela imprensa, ele foi exonerado “a pedido” da Arsban, no dia 15 de outubro de 2024, mas foi renomeado para o cargo, após o segundo turno das eleições, no dia 1º de novembro de 2024.

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