150 anos da imigração italiana no RS: legado resiste no Vale do Taquari

O casal Luiggi e Terezinha ainda tem uma cozinha com chão de terra batida. A comerciante Mirtes mantém aberto o antigo armazém da família por promessa feita à mãe. A professora Marilice sonha que o italiano volte a ser ensinado nas escolas. Essas são algumas das pessoas que mantêm viva, no dia a dia, a herança dos imigrantes italianos no Vale do Taquari.

Neste mês, o Rio Grande do Sul celebra os 150 anos da chegada dos primeiros imigrantes italianos ao estado. A data marca não apenas um marco histórico, mas também a celebração de uma herança cultural, econômica e social que moldou profundamente o perfil de diversas regiões — entre elas, o Vale do Taquari, onde a presença italiana é uma das raízes mais visíveis e preservadas da identidade local.

Os primeiros imigrantes italianos chegaram ao Rio Grande do Sul enfrentando obstáculos de um novo idioma, um clima muitas vezes hostil e o pesado trabalho de cultivar uma terra ainda desconhecida. Com coragem, fé e um forte espírito comunitário, eles ergueram vilarejos, mantiveram a produção agrícola, criaram comércios e deram início ao cultivo das videiras que hoje são símbolo da região.

Mais do que contribuir com a economia, moldaram a identidade cultural do Estado com sua música, gastronomia, religiosidade e valores. Comemorar os 150 anos da imigração italiana é, acima de tudo, homenagear essas milhares de famílias que escolheram o solo gaúcho para viver e deixaram um legado que continua vivo, firme e orgulhoso em cada canto do Rio Grande do Sul.

O Agora no Vale foi até o distrito de Itapuca, em Anta Gorda, para mostrar a resistência da cultura que veio com os antepassados. Mais do que números e monumentos, a força dessa imigração vive nos pequenos gestos, nos sotaques herdados e nos modos de vida transmitidos de geração em geração.

A chegada que virou raízes

Foi em 20 de maio de 1875 que as primeiras famílias italianas desembarcaram em solo gaúcho, aportando em Porto Alegre e seguindo em direção à então colônia de Conde D’Eu. De lá, muitos buscaram terras e trabalho, fundando novas colônias no interior — entre elas, localidades no Vale do Taquari como Encantado, Muçum, Nova Bréscia, Imigrante, Anta Gorda e tantas outras.

Essas famílias, vindas principalmente do Vêneto e do Trentino, traziam o saber da terra, o gosto pela uva e o orgulho de um sobrenome. Com o tempo, construíram igrejas, escolas, comunidades inteiras moldadas por valores como fé, esforço e solidariedade.

Um chão que fala

O casal Luiggi Dall Orsoleta e Terezinha vive em uma casa simples, mas rica em histórias. O chão da cozinha, de terra batida, é símbolo de resistência. “Agora tivemos que colocar brita por causa da enxurrada do ano passado. Mas o espírito continua o mesmo”, conta Luiggi, enquanto Terezinha prepara a farinha de milho feita ali mesmo na localidade para preparar a polenta. “Os jovens de hoje estão esquecendo as coisas italianas”, lamenta ela.

O casal sempre participou de eventos que exaltam a cultura italiana — como atores em peças teatrais, cantores em corais ou apenas como guardiões cotidianos de um modo de viver. Vestem roupas típicas com orgulho, cozinham receitas herdadas dos avós e acreditam que “ensinar isso para os jovens é o único jeito de manter viva a alma do nosso povo”.

“A tradição não é só festa. É a nossa forma de existir. É no modo de servir o café, na maneira de saudar o vizinho, no jeito de viver com pouco, mas com dignidade”, completa Luiggi.

O armazém que virou promessa

No coração da comunidade, uma construção centenária abriga o armazém da comerciante Mirtes Bertuol, que há décadas abastece os moradores e alimenta também a memória afetiva da região. O prédio, com mais de 100 anos, ainda mantém a estrutura original: o armazém no térreo, quartos no segundo andar que abrigavam famílias numerosas, e um porão lateral — típico das construções com comércio familiar da época — usado para estocar mantimentos, curar salames e produzir geleias.

“Antes de a mãe partir, ela me pediu com lágrimas nos olhos que eu não deixasse isso tudo acabar. Eu quase fechei… mas prometi pra ela que ia manter. Que ia honrar a história da nossa família”, lembra Mirtes, com a voz embargada. “Aqui tem muito mais do que produtos. Tem o cheiro da infância, o som das conversas na varanda, o calor das mãos que trabalharam para que a gente tivesse o que temos hoje.”

Educação e futuro

Para a professora Marilice Mezzalira, manter as tradições italianas não é apenas uma escolha cultural, mas uma necessidade histórica. “Preservar a identidade de um povo é garantir que ele não desapareça”, afirma. Ela defende que o ensino da língua italiana nas escolas deve ser incentivado e valorizado, e cobra mais protagonismo do poder público na organização de festas típicas, cursos e ações que celebrem a herança dos imigrantes.

Ela entende que se não houver iniciativa do poder público para manter, a cultura morre aos poucos. Vai sumindo com os mais velhos, com as palavras esquecidas, com as casas abandonadas.

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Arquitetura italiana no RS

As casas italianas tradicionais do Vale do Taquari — construídas pelas famílias de imigrantes que chegaram a partir de 1875 — têm características muito marcantes, influenciadas pela arquitetura rural do norte da Itália, especialmente das regiões do Vêneto e do Trentino. Elas eram adaptadas ao clima e aos materiais disponíveis na região, resultando em construções simples, funcionais e resistentes. Aqui estão os principais elementos dessas casas:


🪵 Materiais

  • Pedra e madeira: As primeiras casas eram frequentemente feitas com pedra bruta (sobretudo basalto) ou madeira de araucária, cortada em tora ou tábua. Muitas vezes, as construções combinavam os dois materiais — pedra no térreo e madeira no andar superior.
  • Taipa e barro: Nas mais simples, especialmente as primeiras, usava-se barro e estacas de madeira (pau-a-pique).

🏡 Estrutura

  • Casas de dois pavimentos: Era comum que as casas tivessem dois andares. O térreo servia como armazém, estrebaria ou cozinha com forno e fogão a lenha, enquanto o andar superior era reservado para os dormitórios.
  • Porão lateral ou frontal: Muitas casas tinham um porão com entrada própria, usado para armazenar alimentos, curar salames, queijos e guardar ferramentas.
  • Telhado de duas ou quatro águas, feito com telhas de barro.

🪟 Detalhes característicos

  • Varandas e sacadas: Algumas casas possuíam varandas ou sacadas com guarda-corpos de madeira trabalhada.
  • Janelas pequenas: Para manter a casa mais fresca no verão e mais quente no inverno.
  • Pisos de madeira ou chão batido: Algumas cozinhas mantinham o chão de terra batida, o que ajudava na refrigeração e era mais fácil de manter no dia a dia rural.

🍞 Cozinha como centro da vida

  • Era o coração da casa. Sempre havia fogão a lenha, forno para pão, utensílios pendurados e uma grande mesa. A cozinha não era apenas para preparar comida, mas também o lugar das conversas, das decisões e da convivência.

🌾 Outras construções no entorno

  • Estrebarias, galpões e paióis próximos à casa.
  • Pomar, horta e parreirais ao redor.
  • Capitel (pequeno oratório em pedra ou madeira), mostrando a religiosidade da família.

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