O cenário da rede de saúde mental em território potiguar

Por Daniele Vitória Lima da Silva, Pedro Cavalcanti e Selena Dantas*

A proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais é lei[1] e esse foi um dos maiores saldos da Luta Antimanicomial, que se iniciou em meados da década de 70, influenciada pela Reforma Sanitária, redirecionando e revolucionando o modelo assistencial em saúde mental que tínhamos até então. Construída tendo como base os princípios da integralidade e universalidade da atenção em saúde e fazendo valer os princípios constitucionais do Estado brasileiro como livre, equânime e democrático, a Lei 10.216/2001 permitiu inúmeros avanços no que antes era apenas um cenário de reclusão, preconceito e negligência[2].

Hoje, com a derrubada progressiva dos manicômios, a Política Nacional de Saúde Mental amplia, desinstitucionaliza e torna esses sujeitos, propriamente, um sujeito de direitos. No entanto, apesar desses avanços, ainda vemos inúmeros casos de violações, especialmente em território potiguar.

A exemplo disso, no ano de 2024, o Caps III Leste foi fechado, trazendo descontinuidade nos atendimentos prestados e, consequentemente, agravando os quadros de saúde mental dos usuários, uma realidade que a cidade vivencia até hoje. Esse é um dado preocupante pois esse é um serviço essencial na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), considerando sua localização na divisão territorial dos aparelhos da RAPS e a natureza dos atendimentos realizados. Somando-se a isso, têm-se o desmonte do Centro de Convivência e Cultura, outro importante aparelho da RAPS, que proporciona saúde mental através da arte e cultura, que hoje funciona em um lugar cedido, sem estrutura ou recursos para seus usuários, o que traz precarização aos atendimentos pretendidos.

Esse descaso com os equipamentos públicos de atenção à saúde mental é representativo de um problema maior, pois é notável, em oposição, o financiamento público de instituições de caráter privado ou filantrópico. Quando se examina, por exemplo, o dinheiro que o município direciona às comunidades terapêuticas no contexto do atual modelo assistencial em saúde mental, há de se questionar se as prioridades definidas pela lei (integralidade e universalidade) estão sendo devidamente consideradas pelos poderes políticos na elaboração da RAPS.

 Essas e outras denúncias foram acompanhadas pelo Centro de Referência em Direitos Humanos Marcos Dionísio da UFRN, instituição que presta atendimento a vítimas de violência, encaminha e faz incidência política, seja por meio do controle social ou da assessoria a movimentos sociais, atuando insistentemente na luta pelos direitos daqueles e daquelas que estão em situação de vulnerabilidade no Estado. Nesse contexto, o CRDHMD vem atuando promovendo ciclos formativos voltados para a conscientização acerca da situação de descaso que os usuários vêm enfrentando por parte dos serviços da rede que deveriam os amparar.

Nesses eventos, a equipe do CRDHMD buscou construir diálogos críticos com usuários, parentes, amigos, movimentos sociais, profissionais e pesquisadores vinculados à RAPS do município acerca dos problemas enfrentados com o fechamento do CAPS III Leste e demais faltas materiais, tendo em vista a historicidade desse desafio e reforçando a noção de que as reivindicações feitas aos órgãos públicos devem partir de uma perspectiva antimanicomial, já que a lógica que hegemonicamente é operada no fazer político do município é a de uma assistência asilar, que aliena seus usuários uma vez que não os coloca na centro da discussão e não tem interesse em desenvolver a autonomia dos mesmos.

Neste 18 de maio, Dia Nacional da Luta Antimanicomial, reivindica-se o direito a um acompanhamento em saúde digno para as pessoas em sofrimento psíquico; reivindica-se também condições de trabalho dignas para os trabalhadores e trabalhadoras que estão nos serviços, pois só assim conseguiremos fazer valer a política de saúde mental que nos rege.

*Daniele Vitória Lima da Silva é pesquisadora e psicóloga do Centro de Referência em Direitos Humanos Marcos Dionísio (CRDHMD) da UFRN; Pedro Cavalcanti e Selena Dantas, estagiários de psicologia do CRDHMD.


[1] BRASIL. Lei nº 10.216/2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm

[2] AMORIM, A. K. de M. A & NOBRE, M. T. Saúde mental, luta antimanicomial e direitos humanos no contexto potiguar: por outras sensibilidades. In: PAIVA, et. al (Orgs.). Direitos Humanos e Práxis: experiências do CRDH-RN. Natal: EDUFRN, 2015. P. 107-128.

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