O plenário da Câmara Municipal de Natal se transformou em espaço de escuta e resistência coletiva. Convocadas pela vereadora Thabatta Pimenta (PSOL), na última quinta-feira (15), mães atípicas ocuparam a Casa Legislativa para expor as dificuldades cotidianas enfrentadas para garantir o mínimo de dignidade a seus filhos com deficiência.
A audiência pública reuniu mães, ativistas, representantes de movimentos sociais, instituições públicas e parlamentares. Com o tema “O que as mães atípicas querem para Natal?”, o encontro foi marcado por relatos contundentes sobre a negligência de planos de saúde, a precarização dos atendimentos no SUS e os obstáculos enfrentados no sistema educacional. Em comum, uma denúncia estrutural: o peso da exclusão recai quase exclusivamente sobre os ombros das mulheres cuidadoras.
“Essa audiência é sobre transformar dor em proposta e invisibilidade em política pública”, destacou Thabatta, que também é mãe atípica. A parlamentar apresentou duas proposições aprovadas na sessão legislativa: a criação do Dia Municipal da Mãe Atípica, a ser celebrado em 15 de maio, e a Comenda Mãe Atípica Helena Fernandes, em homenagem à trajetória de luta da ativista social e mãe atípica potiguar, referência na militância por inclusão no estado.
Durante a audiência, vozes como a de Josueni Conceição, mãe de uma criança autista de cinco anos, reforçaram a sobrecarga e o abandono enfrentado por essas mulheres: “A gente adoece lutando por um direito que já é garantido por lei. É o tempo todo brigando com o plano, com o SUS, com a escola. A gente quer o que é nosso.”
A assessora do Ministério Público do RN, Mariana Azevedo, que representou o promotor Guglielmo Castro (COAP/MPRN), reafirmou o compromisso da instituição com a defesa de direitos coletivos: “As mães atípicas devem recorrer ao MP sempre que seus direitos forem violados. Estamos aqui para escutar, investigar e cobrar.”
Também participaram da atividade a vereadora Brisa Bracchi (PT), o vereador Eribaldo Medeiros (Rede) e representantes da APAE, da OAB/RN, da Defensoria Pública do RN, e de diversos coletivos ligados à pauta da inclusão.
A escuta pública resultou em uma proposta da instalação de uma CPI dos Planos de Saúde, articulada por Thabatta, para apurar denúncias recorrentes de negligência e descumprimento de cobertura por parte das operadoras. “Não podemos naturalizar o sofrimento dessas mães. Elas estão fazendo o papel que deveria ser do Estado. É hora de dar respostas à altura”, defendeu a vereadora nas redes sociais.
Bruna Oliveira, presidenta do Coletivo de Famílias Atípicas do RN, e Leda Ferreira, que organiza um grupo com cerca de 500 mães, reforçaram a urgência de ações efetivas: “Falam em inclusão, mas ainda é tudo na base da luta individual. A gente quer uma cidade onde essa luta seja coletiva e respaldada por políticas de verdade.”
A audiência marca um passo para romper o ciclo de invisibilidade que historicamente silencia mães e famílias atípicas. Ao ocupar o espaço institucional com suas vivências, essas mulheres exigem que o direito à dignidade e à inclusão saia do papel e se torne política concreta.
SAIBA MAIS
Quem são as mães atípicas e quais os desafios que enfrentam?
O termo “mãe atípica” é utilizado para nomear mulheres que maternam filhos com deficiência ou com condições do neurodesenvolvimento, como autismo, paralisia cerebral, síndrome de Down, entre outras. Essas mães vivem uma rotina marcada por sobrecarga física, emocional e financeira, enfrentando sozinhas, na maioria das vezes, uma luta por acesso a direitos que já estão garantidos em lei, mas são sistematicamente negados. Essa maternidade exige uma dedicação constante à mediação de cuidados e à busca por atendimentos em saúde, educação e assistência, diante de um cenário onde o suporte público é escasso e o reconhecimento social, quase inexistente.
Por que é importante rever a linguagem usada para se referir a pessoas com deficiência?
A luta das mães atípicas não é apenas por serviços e políticas inclusivas, mas também por uma mudança na forma como a sociedade enxerga e se refere às pessoas com deficiência. Expressões como “portador de deficiência”, por exemplo, devem ser evitadas, pois sugerem que a deficiência é algo temporário ou destacável, o mais adequado é dizer “pessoa com deficiência”. Da mesma forma, frases como “sofre de autismo” ou “padece de paralisia cerebral” reforçam uma visão de sofrimento, quando a linguagem afirmativa, como “pessoa com autismo” ou “pessoa com paralisia cerebral”, é mais respeitosa. Termos aparentemente gentis, como “pessoa especial”, também devem ser usados com cautela, pois tendem a romantizar a deficiência e infantilizar quem vive essa realidade. Palavras como “retardado”, “aleijado” ou “inválido” são marcadamente capacitistas e ofensivas, e precisam ser completamente abolidas do vocabulário cotidiano.
Qual a relação entre linguagem e inclusão de pessoas com deficiência?
Rever a linguagem é parte essencial do processo de inclusão. A maneira como nomeamos as pessoas influencia diretamente a forma como elas são vistas e tratadas. Ouvir as mães, reconhecer suas trajetórias e respeitar suas escolhas de palavras é um passo urgente para que políticas públicas deixem de ser promessas e passem a refletir, de fato, a realidade de quem mais precisa.
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