Por Nuno Vasconcellos:
“Há muitos anos o Brasil não tinha no comando da Câmara dos Deputados alguém que, por suas posições, ideias, propostas e atitudes no exercício do cargo, encarnasse de forma tão fidedigna a imagem do parlamento brasileiro junto à sociedade.
O paraibano Hugo Motta (Republicanos) veio para cumprir esse papel. Na presidência da Casa desde o último dia 1º de fevereiro, Motta parece não medir esforços para piorar o que já está ruim e debilitar ainda mais o prestígio do Poder Legislativo perante o eleitor.
Um exemplo do esforço incansável de Motta para abalar ainda mais o prestígio que ainda resta à instituição foi dado na terça-feira da semana passada. Ali, ele comandou uma votação que passará para a história como mais um assalto ao bolso do contribuinte. A história é interessante e merece ser contada com detalhes.
Passageiro habitual nas recentes viagens internacionais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Motta havia deixado uma série de obrigações pendentes no Brasil para integrar a comitiva levada ao Japão e ao Vietnam. Ninguém é capaz de dizer o que ele tinha para fazer por lá, além de tomar saquê e comer sushi.
Motta também fez questão de integrar o séquito desnecessariamente numeroso que acompanhou Lula ao velório do papa Francisco, no Vaticano. Também foi convidado para engrossar a comitiva na viagem de Lula à Rússia, na semana passada. Só que, desta vez, preferiu ficar no Brasil e cumprir um papel que um líder mais sério, no lugar dele, pensaria duas vezes antes de realizar.
Motta não foi à Rússia porque o embarque da comitiva, marcado para terça-feira passada, coincidiu com a data em que ele agendou uma sessão destinada a cumprir a única atribuição que os deputados têm desempenhado com eficiência: a de criar despesas para o contribuinte pagar.
A toque de caixa, pôs em votação um projeto urdido, elaborado e negociado sob sua responsabilidade, que é a expressão mais bem acabada do nível rasteiro que hoje orienta as decisões na Câmara dos Deputados.
Num momento em que a sociedade brasileira dá sinais de exaustão diante da exorbitância dos gastos públicos e pede a redução da máquina estatal, Motta teve a ideia de aumentar o número de cadeiras na Câmara das atuais 513 para 531.
A desculpa por trás de mais de mais essa afronta ao contribuinte foi uma decisão tomada meses atrás pelo Supremo Tribunal Federal. Em resposta a uma representação do estado do Pará, a Corte determinou que as representações estaduais na Câmara passassem a refletir, a partir da eleição de 2026, a proporção das populações medidas pelo Censo Demográfico de 2022.
Em momento algum, o STF falou em aumentar o número de cadeiras! Mantendo o discutível e injusto limite constitucional que fixa a maior bancada — a de São Paulo — em 70 parlamentares e dá oito vagas para as representações menores, o STF determinou a redistribuição dos demais assentos entre os outros estados. Ou seja, para corrigir a distorção, as bancadas de alguns estados seriam reduzidas enquanto as de outros, aumentaria. O que fez, então, o ardiloso Motta diante dessa recomendação?
Em vez de equalizar as bancadas, ele bolou uma saída do tipo que tem sido responsável pelo desprestígio crescente dos deputados aos olhos da sociedade. Propôs que, no lugar de redistribuir as 513 vagas, se elevasse para 531 o número de cadeiras da Câmara, dando mais aos que tinham menos e mantendo os outros como estavam.
Tão logo o texto foi aprovado, por 270 votos a favor e 207 contrários, os defensores da ideia se puseram a espalhar que a brincadeira não pesará tanto assim e sairá por ‘apenas’ R$ 64,4 milhões ao ano. E mais: segundo Suas Excelências, não haverá impacto sobre o déficit público. Afinal, o gasto será coberto — veja só! — por recursos da própria Câmara!
É difícil saber se, diante de um argumento cínico como esse, o contribuinte deve se contorcer de raiva ou se deixar dominar pelo desânimo. Na lógica vergonhosa de Motta e de seus cupinchas, como se vê, os recursos que sustentam a Câmara não pertencem ao povo brasileiro. Pertencem à própria Casa e, portanto, podem ser gastos da forma como eles bem entenderem.
Quem quiser acreditar na balela de que o custo da brincadeira para o cidadão se limitará a esses R$ 64,4 milhões — entre salários e verbas de gabinete à disposição de cada um dos 18 novos deputados —, que acredite! Esse valor, que já não é modesto, porém, não resiste ao primeiro confronto com a realidade.
Basta multiplicar pelas 18 novas vagas o custo das emendas impositivas a que os parlamentares se deram o direito — que atualmente é de R$ 37 milhões por cabeça — para constatar que o estrago orçamentário da brincadeira será de quase R$ 670 milhões a cada ano. Fora as outras formas criativas que eles sempre encontram para lesar o contribuinte…”