A Câmara Municipal de Natal foi palco, nesta terça-feira (13), de um debate sobre as mudanças na matriz curricular da rede municipal de ensino da capital. As alterações vêm sendo alvo de críticas em razão da lei nº 241/2024, que permite a troca dos profissionais de Educação Física, Artes e Ensino Religioso do Ensino Fundamental I por um pedagogo.
A lei é de autoria da Prefeitura do Natal e foi aprovada pelos vereadores da Câmara Municipal em 2024, com sanção do ex-prefeito Álvaro Dias (Republicanos). O debate ocorreu na Comissão dos Direitos Humanos, da Cidadania, Trabalho e das Minorias da Câmara Municipal de Natal.
Segundo o vice-presidente do Conselho Regional de Educação Fìsica (CREF), professor João Pessoa, a regulamentação profissional do educador físico aconteceu em 1998. O curso também foi classificado como componente curricular integrado à proposta pedagógica da escola na educação básica com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
“Quando você soma a situação da LDB, que coloca esse componente curricular como integrado à proposta pedagógica da escola na educação básica, ela não é para estar [só] no ensino fundamental 1, não, gente. Ela tem que estar na educação infantil, no ensino fundamental 1, no ensino fundamental 2 e no ensino médio. Ela tem que estar presente em toda a educação básica. E esse personagem que tem que estar ali é o profissional de educação física, porque ele, na universidade, foi compreender o movimento humano, foi compreender a corporeidade. E ele tem hoje, junto com a BNCC, os princípios que norteiam a prática da educação física na escola, com jogos e brincadeiras, com danças, com lutas, com esporte, com atividades corporais de aventura, com as ginásticas”, defendeu.
Allyson Carvalho, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação Fìsica da UFRN, lamentou que nenhum representante da Secretaria de Educação de Natal (SME) estivesse presente no debate. Ele disse que, se até as décadas de 1980 e 1990 existia fragilidade da formação e ensino superior desses professores, isso não é uma realidade atual.
“Nós temos profissionais competentes o bastante para estar nesse espaço. E eles não só têm competência específica da sua área, como eles também colaboram com uma possibilidade de que o pedagogo, esse profissional tão central na formação de nossas crianças, tenha um espaço de planejar, de respirar, de pensar melhor as suas formas de atuação junto às nossas crianças. Estabelecer uma responsabilidade da formação integral dos nossos sujeitos ao pedagogo é colocar uma sobrecarga que não é humanamente interessante a nenhum de nós”, afirmou.
“Eu não sei se a gestão atual, tanto a nível de prefeitura quanto a nível de secretaria, quer ser marcada como uma gestão do retrocesso. Então, eu gostaria de convidar a essa gestão para um debate sério e amplo, que tem aspectos do âmbito pedagógico, mas tem aspectos do âmbito administrativo também”, apontou.
Erlon Valério, do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Rio Grande do Norte (Sinte-RN), falou a respeito do ensino religioso.
“Nós conseguimos inserir dentro da escola pública, estadual e federal, no Rio Grande do Norte e em todo o Brasil, um ensino religioso com base da BNCC, com base na Lei Diretriz de Base, como componente curricular nas escolas públicas do Brasil inteiro, levando em consideração a identidade do ser humano e as suas práticas e as suas vivências, respeitando toda a diversidade, toda a complexidade de seres humanos que habitam o Brasil. Levando em consideração a base das religiões indígenas, das religiões africanas e todas as religiões que compõem a base de construção do ser humano”, afirmou.
Segundo Erlon, com a nova lei da Prefeitura, está em curso uma perda na rede municipal de Natal, considerada por ele referência para todo o Brasil e todo o Estado.
“Aqui em Natal, nós temos essa construção que precisa ser garantida e ampliada. Enquanto nós falamos de retirada, é preciso ampliar. Quando o professor da educação física falou que foi retirado do ensino infantil, não só educação física, mas artes também, mas agora está querendo se tirar do ensino fundamental 1, do primeiro ao quinto ano, artes, educação física e também ensino religioso. Então, só temos um processo de retirada, de retirada e de retirada. E estamos falando de uma sobrecarga de trabalho em cima do pedagogo”, lamentou.
“Que valorização tem esses profissionais, onde um pedagogo vai ministrar todas essas aulas? Ele vai planejar como com 30 horas de segunda a sexta? Vai planejar no sábado? Se ele vai planejar no sábado, em que momento ele vai se capacitar? Quem pode me dizer, quem pode clarear essas situações?”, questionou.
Kaline Patrícia, que possui dois filhos que estudam na Escola Municipal Professor Arnaldo Monteiro Bezerra, em Neópolis, e é mãe atípica, disse que ficou impactada ao descobrir sobre a lei.
“Ontem eu saí daquela escola impactada, com meu coração doendo, quando eu soube dessa lei. E fiquei super preocupada, porque vai mexer diretamente com os nossos filhos. Não falo só por mim, eu falo em nome de todas as crianças que precisam de ter professores qualificados, preparados. E o Arnaldo tem. O município de Natal tem profissionais. Eles estão formando mais profissionais. Por que não chamar? E para que mexer no que já está bom? Por que não melhorar? Por que querer atrapalhar? Eu digo por minha filha, que estava passando por um momento muito difícil. E a educação física, o teatro, a arte, tem ajudado ela. Não é uma coisa aleatória. Os professores, que estudaram anos, passaram anos se formando”, falou.
O professor de artes Cláudio Rocha disse não ser possível pensar em educar uma criança, substituindo um arte-educador por um educador.
“Porque aquele educador pedagogo, ele é excelente no que faz. É graças a um educador pedagogo que eu estou aqui, que nós estamos aqui, porque nós aprendemos a ler e a escrever. E eu acho que é insano, é um suicídio da cidade de Natal, retirar do pedagogo o direito que ele tem, a dificuldade toda que ele já tem para ensinar uma criança a ler e escrever, e ainda lhe impingir a obrigação de lhe ensinar as artes, a tolerância religiosa, e ainda as relações com o corpo humano.”
Lais Guaraldo, do Departamento de Artes da UFRN, defendeu a necessidade de “uma escola viva, com música, com canto, com teatro, com painéis pintados, com gente alegre fazendo arte.”
“Ninguém nem acredita nisso, que a gente tem que vir aqui para lutar por migalha, porque o que a gente queria era lutar para duplicar a carga horária da nossa presença na escola. É isso que a gente merece. Então, a gente não quer migalha, não. A gente quer estar vivo e grande dentro das escolas”, apontou.
Jacyene Araújo, professora do Centro de Educação e do curso de Pedagogia da UFRN, também defendeu a atuação dos profissionais especialistas.
“Como professora do curso de Pedagogia, a gente tem a dimensão do que é ser pedagogo, ser pedagoga, no contexto adversos que nós temos. A centralidade da nossa formação é no âmbito da atuação como docente na educação infantil, nos anos iniciais de ensino fundamental, atuação e gestão, coordenação pedagógica, nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Nós temos, sim, uma formação generalista, inclusive na nossa última atualização curricular, que iniciou em 2018, nós vimos a necessidade de, na nossa formação, a gente se aproximar mais de uma forma interdisciplinar com as discussões da arte-educação como componente curricular, da pedagogia do movimento, como outro componente curricular”, explicou.
“Mas, de forma alguma, a gente quer dizer com isso que a gente não defende a atuação do profissional especialista. Acredito que nós, enquanto pedagogos, pedagogas e profissionais especialistas, podemos, de uma forma interdisciplinar e multidisciplinar, trabalhar e atuar com essas crianças. Até porque é assim que a gente tem feito a educação. É no diálogo, no trabalho colaborativo”, disse.
Prefeitura nega mudança
Anteriormente, a Secretaria de Educação de Natal já havia informado que a matriz curricular da Rede Municipal de Ensino de Natal não está sendo modificada.
“As disciplinas de Ensino Religioso, Artes e Educação Física permanecem sendo oferecidas aos estudantes matriculados na etapa do Ensino Fundamental. A Secretaria Municipal de Educação destaca que no concurso público em andamento, foram ofertadas 22 vagas para Artes (dança, artes visuais, música e teatro), 25 vagas para Ensino Religioso e 15 para Educação Física, o que comprova ainda mais, a manutenção e necessidades dos profissionais especialistas”, trouxe a nota.
Porém, segundo o Sinte-RN, as disciplinas estão garantidas apenas para o Ensino Fundamental II, e não para o I.
“Isso é a desqualificação do ensino, vai render muita luta, mas me parece que eles não estão convencidos disso. Para nós é fundamental para manter grade compatível com a necessidade que a criança tem de conhecimentos. É uma questão de princípios, de formação como sujeito histórico e não de boneco manipulável. As artes permitem muitas possibilidades de se trabalhar, assim como a Educação Física e Ensino Religioso. Com essa lei, tiram três profissionais e botam um! Educação é investimento e o Plano Nacional de Educação valoriza muito esses componentes curriculares, não fica à deriva. Nossa expectativa é a inversão dessa pauta, vamos envolver Conselho Municipal de Educação e outros setores da sociedade para que todos participem dessa discussão”, assegurou, anteriormente, Fátima Cardoso, coordenadora do Sinte.
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