Do jornal “O Estado de São Paulo”:
“O governo do presidente Lula da Silva protagonizou nesta semana mais um capítulo de um enredo cada vez mais constrangedor para o atual mandato: foi esnobado até pelo PDT, que com seus 17 deputados é apenas o nono partido da Câmara. A legenda informou que deixará a base de apoio ao governo, por se considerar desrespeitada no episódio que culminou com a demissão de Carlos Lupi, presidente licenciado do PDT, que estava no Ministério da Previdência – aquele sob cujas barbas ocorreu o escândalo da rapinagem dos aposentados do INSS.
Eis aí o retrato pronto e acabado da solidão de Lula. Uma coisa é ter dificuldade para manter na base governista partidos poderosos do Centrão, que têm interesses eleitorais e políticos próprios e cuja agenda nem de longe coincide com a do PT. Outra, muito diferente, é perder o apoio de um partido de baixa estatura, portanto dependente dos holofotes do governo, e que ademais é perfeitamente alinhado com a estatolatria lulopetista. Se até o PDT ameaça abandonar Lula, é difícil saber com quem o presidente pode contar para o resto de seu mandato e para seu projeto de reeleição.
O líder do PDT na Câmara dos Deputados, Mário Heringer (MG), disse que o problema de relacionamento com o governo ‘já vem de muito tempo’, e que a crise envolvendo o INSS foi a ‘gota d’água’ que faltava para o copo da insatisfação transbordar. Afirmou também que o governo não estava oferecendo “a reciprocidade e o respeito” que o PDT ‘julga merecer’. Enquanto isso, integrantes da ala mais oposicionista do partido, ligada a Ciro Gomes, criticaram a troca de Carlos Lupi por Wolney Queiroz, que, embora número 2 na pasta e também pedetista, foi escolhido, ao que parece, sem o crivo oficial da caciquia da legenda. Não obstante a relutância de Lula em demitir Lupi, mesmo com toda a crise deflagrada no INSS, o partido considerou o tratamento dado ao ministro um ‘extremo constrangimento’.
Pois ‘constrangimento’ resume bem a dificuldade de articulação política do Executivo, obrigado a lidar com uma base heterogênea, frágil, indócil e hostil, um governo impopular e sem pauta clara para o País, um presidente impaciente para recuperar a popularidade e displicente no diálogo com os partidos, além da concentração excessiva de poderes no PT, que tem 12 das 38 pastas, incluindo todos os ministérios que funcionam no Palácio do Planalto. Sem falar na evidente inclinação de Lula para acelerar as pautas da esquerda, o que torna ainda mais penosa a tarefa de manter legendas centristas, como PSD, União Brasil, PP e Republicanos, todos integrantes do governo, mas com críticos cada vez mais ferozes do lulopetismo.
Não há ingênuos ou injustiçados nessa história. Basta lembrar que grande parte dos partidos hoje é uma soma de interesses paroquiais e ideologias distintas. Não é incomum, por exemplo, a convivência simultânea, num mesmo partido, entre alas oposicionistas e governistas. Também se tornou parte da rotina do governo enfrentar situações como a do PSD, do União Brasil e do Republicanos, que mesmo tendo ministros na Esplanada dos Ministérios não hesitam em exibir prováveis pré-candidatos em oposição a Lula em 2026 – respectivamente, os governadores Ratinho Junior, Ronaldo Caiado e Tarcísio de Freitas.
O problema é que os reconhecidos vícios partidários são aguçados mais ainda pela disfuncionalidade do governo (com sua ineficiência crônica) e do sistema (um Executivo enfraquecido, um Legislativo com poderes exacerbados pelo controle do Orçamento e um Judiciário politizado). Pior, Lula não só não entendeu a natureza da ‘frente democrática’ que o elegeu, como os quase 30 meses de mandato foram insuficientes para aprender com sucessivas derrotas no Congresso. Sua fragilidade na articulação política tornou ainda mais evidente a carência de novas ideias vindas dele e do PT. Tudo somado, fica claro que Lula vem perdendo o poder de sedução. Conforme a tradição da política brasileira, quando se trata de namoro entre partidos, o maior afrodisíaco é mesmo a perspectiva de poder.
E assim vai a malaise governista, onde se misturam impopularidade, incompetência e horizonte sombrio.”