Está em análise na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania do Senado um Projeto de Lei Complementar (PLC) que cria um novo Código Eleitoral. A CCJ, presidida pelo senador Otto Alencar (PSD/BA) é uma comissão permanente (existem as temporárias e mistas) e tem 27 integrantes (e 27 suplentes), sendo constituída por Blocos Parlamentares, que tem a seguinte composição nesta legislatura: Bloco Parlamentar Democracia: União(3), Podemos (1), MDB (3) e PSDB(1); Resistência Democrática: PSD (6) e PSB(1); Vanguarda: PL (4), Novo (1), Pelo Brasil: PT (3), PDT (1) e Aliança: PP (2), Republicanos (1). A comissão tem por objetivo avaliar a constitucionalidade de projetos. No caso, por se tratar um Projeto de Lei Complementar, caso seja aprovado no Senado com modificações, deverá voltar para apreciação da Câmara dos Deputados, onde começou a tramitar. E deve passar pelo Plenário das respectivas Casas Legislativas, não podendo ser analisados pelas comissões em caráter conclusivo.
O Senado funciona como Casa revisora para os projetos iniciados na Câmara e vice-versa. Se o projeto da Câmara for alterado no Senado, volta para a Câmara. Da mesma forma, se um projeto do Senado for alterado pelos deputados, volta para o Senado. A Casa onde o projeto se originou tem a palavra final sobre seu conteúdo, podendo aceitar ou rejeitar as alterações feitas na outra Casa. O PLP em análise foi aprovado na Câmara em 2021 e encaminhado ao Senado, onde ainda está na CCJ.
Em relação ao PLP em análise na CCJ do Senado, em 20 de março de 2024, três anos após sua chegada ao Senado, Marcelo Castro (MDB-PI), designado relator do projeto em 2022, apresentou um relatório de 162 páginas, contendo diversas propostas, incluindo as da minirreforma eleitoral de 2023 (aprovada na Câmara não foi votada no Senado, tendo sido adiada pela CCJ em 3 de outubro de 2023). No entanto, a votação, mais uma vez, foi adiada.
O relatório atual apresenta um substitutivo com 898 artigos, que visa “consolidar e unificar a legislação partidária e eleitoral em um único texto”, substituindo a atual dispersão de normas e o Código Eleitoral vigente (Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965). Reúne, portanto, a legislação eleitoral e partidária vigente, congregando sete leis e jurisprudências.
E entre as alterações propõe: mudanças na regra sobre percentual de participação de mulheres; uso de Inteligência Artificial; combate as fake news; regulamentação da auditoria das urnas; normas para propaganda eleitoral; propostas de combate à violência política; inclusão de regras sobre inelegibilidade; ajustes nos prazos para desincompatibilização; quarentena para pessoas de determinadas carreiras que desejem se candidatar a cargos eletivos; distribuição de sobras de vagas em eleições proporcionais e prestação de contas dos partidos.
Para que as mudanças tenham validade para as eleições de 2026, o projeto deve ser aprovado até 3 de outubro deste ano. A legislação em vigor, estabelece que qualquer alteração deve ser aprovada pelo menos um ano antes da eleição.
A quarta versão do relatório foi entregue pelo relator na CCJ em no dia 23 de abril de 2025, com a intenção de ser lida e votada. No entanto, não houve tempo hábil para a análise do conjunto das propostas, e foi concedido mais prazo, incluindo a realização de três audiências públicas, que ocorreram nos dias 25, 28 e 29 de abril e os temas discutidos foram: partidos, federações e propaganda eleitoral; a participação feminina nas eleições e a distribuição de vagas no sistema proporcional; desincompatibilização e urnas eletrônicas.
O projeto recebeu ao longo de sua tramitação na CCJ, 217 emendas e com as audiências, mais sugestões de alterações no texto do relator, como, entre outras, sobre o número mínimo necessário para criar um partido (a proposta do relator é de passar de 0,5% para 1,5% dos votos válidos na última eleição para a Câmara dos Deputados).
Entre as propostas do relator, a que mantém as cotas de recursos públicos para candidaturas femininas e autoriza os partidos a gastar recursos de campanha para custear babás, creches e escolas de filhos, com até seis anos de idade, de candidatas ao longo do período eleitoral. No entanto, o texto também estabelece a reserva de 20% das cadeiras legislativas para mulheres na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais – uma redução em relação 30% anteriores – o que foi criticado pela representação das mulheres na comissão, considerando representar um retrocesso porque mantém a sub-representação feminina no parlamento, perpetuando o déficit histórico de participação das mulheres no sistema representativo.
Outro ponto discutido foi o da inelegibilidade, inclusive em uma das audiências públicas. O relator defende o texto que foi apresentado na comissão em agosto de 2024 e argumenta que a lei vigente permite interpretações divergentes. Para punições que envolvem cassação de registro (como abuso de poder econômico), o texto propõe que a contagem do prazo de inelegibilidade, comece a partir da decisão judicial, e não mais do final do cumprimento da pena ou do mandato. Além disso, a inelegibilidade seria aplicada por dois pleitos, sem ultrapassar oito anos no total. O texto aprovado em 2024 reduz o período de impedimento de parlamentares cassados ou condenados por crimes, como lavagem de dinheiro, enfraquecendo a Lei da Ficha Limpa.
O relatório também sugere mudanças nas regras para distribuição das sobras eleitorais em eleições proporcionais (deputado federal, deputado estadual e vereador). Desde 2017, a legislação proíbe coligações nesse tipo de eleições, onde os votos para o partido são tão importantes quanto os votos para o candidato. Atualmente, as vagas remanescentes são disputadas por partidos que atingirem 80% do quociente eleitoral e por candidatos com pelo menos 20% desse quociente. A proposta do relator exige que os partidos alcancem 100% do quociente eleitoral para participar da distribuição, e os candidatos precisa ter no mínimo 10% do quociente para serem eleitos. A justificativa é evitar que um único partido monopolize todas as vagas caso seja o único a atingir o quociente. A distribuição ocorre como se todos tivessem atingido (a proposta aprovada na Câmara elege os candidatos mais votados, e o relator defende a adoção da regra das maiores médias, em que os mais votados de cada partido preenchem as vagas).
Outra mudança trata da desincompatibilização, que é o afastamento de candidatos de certas funções ou cargos para disputar eleições. O texto propõe a uniformização dos prazos, estabelecendo seis meses de afastamento e uma quarentena (especial) de quatro anos antes do pleito para carreiras de Estado consideradas incompatíveis com a atividade política, os “agentes da lei”, como juízes, membros do Ministério Público, policiais federais, rodoviários federais, policiais civis, guardas municipais, militares e policiais militares.
Quanto ao uso de Inteligência Artificial (IA) em eleições, o relatório mantém asregras aprovadas em 2019 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para propaganda eleitoral. A proposta exige que conteúdos sintéticos ou manipulados – como áudios e imagens gerados por IA – sejam claramente identificados, evitando que o eleitor seja enganado.
O texto também impõe exigências mais rigorosas para pesquisas eleitorais, como cadastro prévio das empresas e das entidades autorizadas, vedação ao uso de recursos próprios para financiar pesquisas e obrigação de divulgar o percentual de acertos das três ultimas pesquisas do pleito anterior em comparação com o resultado oficial. O objetivo é coibir a manipulação de pesquisas com fins eleitorais. Além disso, enquanto a proposta da Câmara limitava a divulgação de pesquisas até dois dias antes da eleição, o texto do relator permite que sejam divulgadas a qualquer momento, inclusive no dia da eleição.
O relatório mantém a competência do TSE para fiscalizar a prestação de contas dos partidos, rejeitando a proposta da Câmara de transferir essa atribuição para a Receita Federal.
Uma das propostas mais polêmicas é a flexibilização das regras para campanhas em igrejas, limitando a punição por abuso de poder religioso. O texto inclui exceções para “reuniões fechadas ou de entrada restrita em locais considerados bens de uso comum”, o que pode abrir brecha para eventos eleitorais em templos. Além disso, líderes religiosos teriam mais liberdade para manifestar preferências políticas sem risco de punição. Críticos, como a Transparência Internacional, argumentam para isso desequilibra as eleições, dada a influência desses líderes sobre seus fiéis.
A legislação atual proíbe pedidos de votos e manifestações eleitorais em locais considerados bens de uso comum, como igrejas, clubes e estádios (e outros como terreiros, sinagogas, cinemas, centros comerciais, ginásios, lojas, templos, etc.), ainda que de propriedade privada. O relator defende que as mudanças garantem liberdade de expressão, mas especialistas alertam para o risco de uso político da religião.
O que explica que um projeto dessa importância não tenha sido votado em mais de quatro anos? E mais: como garantir a efetividade das ações que garantam à democratização do processo eleitoral?
O projeto representa uma oportunidade para fortalecer ou resgatar a credibilidade do sistema eleitoral, mas também levanta preocupações, como a permissão para campanhas em igrejas e a dificuldade de combater fake news etc. Em relação ao uso político da religião, por exemplo, a reforma poderia tipificar o abuso de poder religioso e garantir maior igualdade na disputa eleitoral.
Em um contexto de descredibilidade da política e ataques às instituições democráticas, a reforma do Código Eleitoral deve ser vista como uma chance para resgatar a legitimidade do processo eleitoral e político brasileiro. No entanto, se não foi aprovado em quatro anos, estando ainda na CCJ do Senado, faltando cinco meses para a aprovação em plenário nas duas Casas Legislativas (com as alterações, deverá retornar à Câmara dos Deputados) para ter validade nas eleições de 2026, com 217 emendas e 898 artigos, e a incorporação (ou não) das propostas das audiências públicas, a probabilidade de ser votada e sancionada pelo presidente da República, parece ser muito remota. A ver.
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