Aos 21 anos, jovem do interior do RN faz do cinema forma de resistência

Natural de Goianinha, cidade do interior do Rio Grande do Norte, o jovem realizador Andy Gomes, 21, vem transformando memórias e afetos em narrativa audiovisual. Em meio ao conservadorismo local, Andy encontrou no cinema uma forma de resistência, pertencimento e sobrevivência.

“Desde criança, sinto um magnetismo muito forte pelo audiovisual”, conta. A relação com o cinema começou ainda na infância, ao lado da mãe, quando desenvolveu uma verdadeira obsessão por O Mágico de Oz (1939). A partir daí, a tela deixou de ser apenas passatempo: virou janela de mundo e espaço de reinvenção. “O cinema me ajudou a sobreviver como uma pessoa preta e LGBTQIAPN+ vinda de um lar fundamentalista”.

Na adolescência, a série The OA se tornou um marco. A mistura entre espiritualidade e ficção científica ecoou em sua visão de mundo e serviu de respiro num momento de solidão. Andy passou a editar vídeos ainda cedo, primeiro em um canal no YouTube, depois para a igreja da qual fazia parte. “Mas não gostava de ter que controlar tanto a forma como me expressava, sempre fui muito sensível”.

Apesar do crescente uso do audiovisual em Goianinha para publicidade e redes sociais, Andy ressalta que a dimensão narrativa e sensível do cinema ainda é pouco explorada na região. Ele destaca o papel do teatro local, impulsionado pelo professor Ita, mas sente falta de mais produções que se passem ali, com os rostos, paisagens e vivências da cidade.

Foi nesse contexto que nasceu seu olhar de montador. “Pegava trechos de filmes já existentes e criava uma nova narrativa — outras possibilidades de contar uma história. E talvez de existir também.”

A narrativa acompanha um grupo de jovens que compartilham o sentimento de não pertencimento. “A escolha do elenco reflete muito isso e naturaliza corpos e existências que raramente são representadas no interior”, explica Andy. O objetivo era claro: provocar identificação, gerar escuta e mostrar que existe vida para além da dor. Que há afeto, comunidade e potência.

Um filme feito com vínculos
Produzir cinema fora da capital não é tarefa fácil. “Não conseguimos apoio financeiro, com exceção da Lei Paulo Gustavo municipal, que foi fundamental para o filme”, conta. Ainda assim, o calor humano do interior transformou a produção em uma experiência íntima e coletiva.

A trilha sonora original foi composta por Niheme, amigo próximo e “parceiro de dores”. As atrizes e integrantes da equipe são amigas de longa data. “Foi muito especial fazer um filme com gente que vive comigo em outras partes da vida. Isso deu uma intimidade bonita ao projeto.”

Por Todos os Lugares que Já Passei estreou no Festival Diva, realizado no Instituto Federal do Centro Histórico de Natal, e depois foi exibido em Goianinha. A recepção do público emocionou o diretor. “As pessoas riram, choraram, se emocionaram. Acho que o público daqui anseia por experiências em que se vejam representados de forma mais complexa. Ver nossa diversidade na tela foi uma revolução pequena, mas enorme.”

O que vem pela frente
Autodidata e sem formação universitária, Andy se reconhece em constante conflito com seu lado criativo, mas também vem aprendendo a reconhecer a potência do que carrega. “Quando algo como esse filme nasce, não é pra mostrar aquilo que aprendi. É pra mostrar tudo o que fui colhendo na vida e tentando transformar em algo visível — algo que possa tocar.”

“Quero continuar fazendo filmes, com certeza. E também estou com vontade de tirar um pouco os pés do chão”, diz, revelando planos para uma série teen e o desejo de impulsionar outros realizadores locais. “Quero que mais vozes encontrem ferramentas pra gritar, cantar, dançar e filmar o que têm guardado dentro de si.”

Em Andy Gomes, o cinema não é só estética. É abrigo, grito e cura. Uma forma de tornar visível o que, por muito tempo, foi deixado à margem. E em Por Todos os Lugares que Já Passei, o interior do RN ganha um novo espelho — mais sensível, plural e real.

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