Professor da Unifesspa analisa o impacto da IA na criação artística

Nas últimas semanas, a tendência de criar imagens no estilo do Studio Ghibli utilizando ferramentas de inteligência artificial, como o ChatGPT, ganhou enorme popularidade nas redes sociais. Usuários têm utilizado essa funcionalidade para transformar fotos pessoais, memes e figuras públicas em ilustrações que remetem às animações do estúdio japonês. ​ Essa febre resultou em uma alta demanda pela ferramenta, levando a OpenAI a limitar temporariamente o acesso gratuito ao recurso devido à sobrecarga nos servidores.

Embora a trend tenha sido amplamente divulgada por pessoas explorando a novidade nas redes sociais, algumas organizações e empresas também incorporaram essa estética em campanhas ou materiais promocionais na última semana.

Para saber mais sobre as questões que envolvem o uso das novas tecnologias e a criação artística, acompanhe entrevista com o artista computacional, doutor em Artes e Tecnologia pela UNB, o professor Teófilo Augusto Silva, vice-diretor da Faculdade de Artes Visuais (FAV) e coordenador do Media Lab/Unifesspa.

 

– Como você vê o impacto da inteligência artificial na produção artística contemporânea?

Teófilo Augusto – Toda nova tecnologia disruptiva gera temor, especialmente sobre a substituição do trabalho humano. No Brasil, onde os bens são mais valorizados que os serviços, a arte — enquanto serviço — é frequentemente considerada supérflua. Isso fragiliza ainda mais o mercado artístico e alimenta o medo de que a IA substitua artistas.

As Inteligências Artificiais, como ferramentas, representam um problema maior: estamos voluntariamente cedendo nossos dados às Big Techs em troca de funcionalidades que hoje já deveriam ser serviços públicos (como o e-mail). O uso de IAs para gerar imagens no estilo Ghibli, por exemplo, é só uma estratégia para atrair usuários e coletar dados.

O verdadeiro problema não é a IA em si, mas o contexto em que ela é usada — em um mercado que não valoriza a arte como deveria e em uma lógica de extração de dados e cultura. Embora difícil ser otimista no curto prazo, há um limite de infraestrutura para manter bancos de dados imensos, e isso pode, futuramente, exigir um reequilíbrio entre tecnologia e criação humana.

 

Você considera que obras criadas com IA podem ser consideradas arte? Por quê?

Teófilo Augusto – Depende. A IA, por si só, apenas gera imagens, textos ou sons com base em padrões aprendidos — ela não possui intencionalidade, sensibilidade ou propósito. Portanto, o que ela produz não é, em essência, arte.

A obra de arte exige metodologia, significado, contexto e expressão — coisas que só o artista pode fornecer. No entanto, quando mediada por um ou uma artista, a IA pode ser usada como ferramenta para compor obras autênticas. O Simpósio Internacional de Inovação em Mídias Interativas deste ano discute justamente esse tema, e três dos quatro trabalhos apresentados pelo Media Lab/Unifesspa envolvem o uso criativo de IA.

Quais são os principais benefícios e desafios do uso da IA na criação artística?

Teófilo Augusto – O maior benefício é a automação de tarefas repetitivas e o auxílio em processos técnicos, como edição de imagem. Mas isso não elimina a necessidade de profissionais qualificados para ajustar e refinar o resultado.

O desafio está em setores como design gráfico, ilustração técnica e criação de conteúdos visuais para mídias, onde há risco real de substituição. Esses campos, embora não sejam arte no sentido estrito, fazem parte da cultura visual e estão sendo profundamente impactados.

 

A IA pode substituir a criatividade humana ou funciona mais como ferramenta de apoio?

Teófilo Augusto – A IA não é criativa — ela trabalha com tentativa e erro, baseada em padrões. Os resultados são bons porque já vêm de sistemas altamente treinados com feedback humano. Como ferramenta, pode ser extremamente útil: imagine uma IA local que organize acervos de artistas, ou auxilie na recuperação de imagens específicas no meio de milhares de arquivos digitais. Nesse sentido, a IA pode ser uma aliada do processo criativo, desde que esteja sob controle e direção humana.

 

Como a presença da IA muda a forma como artistas pensam e desenvolvem suas obras?

Teófilo Augusto – O maior impacto está na preocupação com a pirataria cultural. Imagens publicadas online são frequentemente usadas para “treinar” IAs, sem consentimento dos autores. Esse uso abusivo é uma forma de “lavagem” de direitos autorais. Assim, artistas precisam repensar como e onde expõem suas criações.

 

O uso da IA reduz ou amplia a autoria e a identidade do artista na obra final?

Teófilo Augusto – A IA tende a gerar resultados padronizados e sem identidade clara. Para IAs abertas ao público, isso ainda é mais evidente. Já em IAs altamente avançadas e fechadas, existe o risco de deepfakes e falsificações visuais, o que ameaça a própria noção de autoria.

 

Quais são os dilemas éticos envolvidos na criação de arte com IA? Como lidar com os direitos autorais?

Teófilo Augusto – A principal questão ética é o uso indevido de imagens e conteúdos de artistas sem autorização. As IAs se alimentam de material disponível na internet, muitas vezes sem respeitar os direitos autorais. Isso exige uma revisão urgente das leis e maior controle sobre os dados usados para treinamento dessas ferramentas.

 

Você acredita que a IA pode ameaçar a valorização do trabalho de artistas humanos?

Teófilo Augusto – Sim, especialmente em um cenário onde a arte já é desvalorizada. A IA pode reforçar a ideia de que a criação artística é algo descartável ou substituível. No entanto, se houver conscientização, regulação e uso ético, a IA pode ser uma aliada — e não uma ameaça — à produção artística.

 

Quais ações, incentivos e/ou práticas para incentivar os alunos de artes da Unifesspa a criarem suas obras de maneira autoral, ou seja, sem o uso de IAs? Ou que tecnologias vêm ajudando os alunos de artes a criarem?

Teófilo Augusto – Creio que todos os alunos, alunas e alunes não se satisfariam com o uso de IA em seus trabalhos. Quero acreditar nisso. Há uma diversidade de interesses dentro das artes visuais e, com isso, uma diversidade de habilidades e competências, creio que aqueles que não são pautados para a ilustração, o desenho, pintura, podem encontrar sua referência artística em outras linguagens como fotografia, audiovisual, arte computacional.

A IA não é uma vilã e seu uso não é necessariamente um crime (o roubo das obras visuais de artistas, designers, publicitários para alimentar as IAs para mim é um crime). As empresas de IA necessitam dessas produções para manter suas IAs atualizadas e vivas. Então porque não remunerar os artistas dos quais eles usufruem do trabalho, por que não incentivar a criação de novos artistas?

Apesar de a Universidade hoje estar sofrendo por falta de infraestrutura computacional, há experiências adequadas de ensino, pesquisa e extensão no uso das tecnologias para que não se dependa dessa produção plastificada. Há uma produção muito boa de cinema, gravuras, pinturas, experiências de design, nosso laboratório mesmo tem diversas experiências internacionais que os alunos de graduação são levados a interagir com artistas e pesquisadores de toda a América Latina e da Europa. Para maio mesmo, teremos um Laboratório Aberto Co-elaborativo com palestrantes da Costa Rica, Alemanha, Rio de Janeiro e China.

 

Saiba mais sobre o Media Lab/Unifesspa – O Media Lab/Unifesspa é um laboratório de pesquisa e extensão voltado à inovação em mídias, fundado em 2016. Sediado no Laboratório de Experimentação em Meios Eletrônicos e Digitais da Faculdade de Artes Visuais, faz parte da rede nacional Media Lab/BR, sendo o da Unifesspa o segundo a integrar essa rede e, até 2025, o único da região amazônica — agora acompanhado pelo Media Lab/UFRR.

O laboratório trabalha de forma interdisciplinar e colaborativa, com múltiplos projetos em andamento e incentivo à participação da comunidade acadêmica.

Sua atuação é internacional, com parcerias em instituições como a Universidad de Caldas e a Jorge Tadeo Lozano (Colômbia), a Universidad Libre de Buenos Aires (Argentina), a Universidad de Chile, a Universidad der Künsten – Berlin (Alemanha), e a Complutense de Madrid. Destaca-se ainda nossa participação, via Media Lab/UFG, na Cátedra de Design, Arte e Ciência. A rede organiza dois eventos internacionais: o Simpósio Internacional de Inovação em Mídias Interativas (SIIMI), cuja XI edição foi em Marabá, e o Encontro Internacional de Inovação em Arte e Tecnologia (#24.Art).

(Fonte: Unifesspa)

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