Padre Fábio Potiguar: “Francisco é o encontro do homem com a humanidade”

A morte do papa Francisco um dia após o domingo de páscoa comoveu o mundo, unindo cristãos e não cristãos. No Brasil, país de maioria católica, foram várias as manifestações públicas de amor, dor e luto. Neste sábado (26), o corpo do Papa foi sepultado, no Vaticano, na presença de fiéis e autoridades de vários países.

Fiel aos preceitos ensinados por Francisco, o padre Fabio Potiguar tinha uma audiência marcada com o líder religioso. A agenda, mediada com a ajuda de outro padre potiguar, o acariense Flávio Medeiros que trabalha há vários anos no Vaticano, foi cancelada assim que o papa adoeceu.

Ativista e defensor dos Direitos Humanos, o padre Fabio acolhe fiéis há 7 anos na igreja de Nossa Senhora das Fronteiras, onde morou e militou em defesa dos mais pobres Dom Helder Câmara, o mítico bispo emérito da arquidiocese de Recife e Olinda. Ele também assumiu recentemente a Cáritas Arquidiocesana de Olinda e Recife, além do trabalho na Comissão de Justiça e Paz e Comissão para o Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso.

Nesta entrevista à agência SAIBA MAIS, o padre Fabio Potiguar falou sobre o luto, o legado deixado por Francisco e a expectativa sobre o futuro da igreja católica com a  escolha do próximo Papa.

Agência SAIBA MAIS: Como o senhor sentiu o impacto da morte do Papa Francisco para cristãos e não cristãos do mundo?

Padre Fábio Potiguar:  A Igreja e a Humanidade  recebeu a notícia da páscoa do Papa Francisco, em plena celebração da Páscoa de Cristo, como um sinal, uma delicadeza de Deus. Cristo Ressuscitou e nós ressuscitamos com Ele. O papa Francisco de maneira plena, ressuscitou com Cristo. Sentimos um luto, um buraco, um vazio pela ausência desse homem que se foi, mas, como diz nas ciências humanas,   Francisco foi um encontro de uma pessoa com o Tempo e a História.   Francisco foi uma visita de Deus  à  Humanidade.  Francisco foi uma visita de um homem com a humanidade.  Francisco  foi o encontro do homem com a humanidade e da humanidade com Deus e a Criação.

Francisco ultrapassa os umbrais da igreja, é o símbolo da delicadeza de um Deus que não é aquele Deus justiceiro dos fariseus de ontem e hoje. Ao contrário, Francisco nos mostra um Deus revelado no rosto de Jesus, que nos acolhe e nos ama, da fidelidade evangélica da Igreja à  opção pelos pobres, o compromisso com promoção da dignidade humana, a justiça social, através de muitas denúncias nos seus 12 anos de pontificado, ao modelo neoliberal exclusivista e excludente, conforme o Catecismo da Igreja Católica 2424 e 242 e seu engajamento com a questões ambientais, principalmente considerando as urgências climáticas, propondo aos povos e aos governantes globais,  um modo de viver que ele vai chamar de Ecologia Integral. Até aqui nada de novo, pois temos a Doutrina Social da Igreja. Mas tem algo inédito. Para Francisco não é somente uma doutrina, é uma práxis, ele se torna a voz dos pobres que gritam e da terra que geme.  A resposta que tudo está interligado. Humanidade e a Casa Comum. O desenvolvimento econômico e social só é legítimo nas perspectivas de uma Ecologia Integral. Ou nos salvamos juntos ou nos perdemos todos, repetia. Francisco, na verdade, é um projeto de Igreja. Francisco é um projeto de mundo e de civilização.

Como o senhor caracterizaria o papa Francisco?

O ícone da beleza e bondade de Deus. Do  Deus da comunhão e não da exclusão. Franciso é a cara de nosso senhor Jesus Cristo.

Franciso é com toda categoria o profeta do nosso tempo. E isso que eu vou falar agora é importante:  segundo as escrituras, o profeta está sempre fora do templo e do palácio. Isso serve para os profetas do antigo testamento, como, principalmente para Jesus, no novo. Condena os erros e as hipocrisias dos religioso no templo e dos poderosos nos palácios. Papa Francisco fez isso muito bem. Por isso, viveu a bem-aventurança dos que são perseguidos por causa de Cristo e da justiça como está no Sermão da Montanha.

Francisco é profeta ao ver avançar as ondas neonazifascitas do ódio e das guerras, alinhado a uma política econômica que oprime os pobres e destrói a natureza ele vai falar de amor num mundo de ódio, de paz em tempos de guerra, inclusive lembrou Gaza e Ucrania na sua última mensagem de Páscoa. Francisco também chamou a atenção para a importância da ecologia integral. Reafirmou várias vezes que para alcançarmos o desenvolvimento econômico e social só com o equilíbrio ecológico, e não com aquele o modelo que oprime os pobres, que devasta a natureza. Esse é Francisco.

E o clericalismo que ele tanto condenou?

Francisco, como Jesus e, nos passos de São Francisco de Assis, viveu a bem aventurança da pobreza evangélica. A presença de Francisco incomoda, sobretudo essa expressão mundana, profana, pagã, materialista, autoritária, legalista, ritualista, pomposos, moralista e, por isso, hipócritas como os fariseus,  Não suportam um Deus amoroso e misericordioso, preferem uma imagem de um justiceiro e vingativo. Não suportam uma Igreja samaritana e servidora, preferem o poder, a ostentação e a glória na liturgia e na vida. Não suportam o papa Francisco.  Os verdadeiros tradicionalistas e conservadores são aqueles que querem conservar a tradição da Igreja Primitiva e não as coisas mundanas que vieram depois e que o Concilio Vaticano II purificou e continua a purificar. O clericalismo é uma vida segundo a carne, O Concilio Vaticano II é segundo o Espirito.

Com a proximidade do conclave que vai escolher o sucessor de Francisco, há uma expectativa sobre o perfil do próximo Papa, uma vez que Francisco nomeou a maioria dos cardeais que terão direito à voto. Independente de quem assuma o posto, o senhor acredita em retrocessos em relação aos avanços do papado que se encerra?

Veja bem, por Francisco com certeza teríamos avançado muito mais. A igreja católica é uma instituição duas vezes milenar, com mais de dois mil anos. E o mundo tem que compreender que os nossos passos são lentos. Não são passos largos e apressados. Francisco ensaiou a ordenação dos homens casados, a começar pela Amazônia, sofreu uma resistência terrível e recuou. Francisco abriu a possibilidade para as diaconisas na liturgia e no serviço eclesial  e social, mas não foi adiante. Acho isso impressionante, pois constam as diaconisas nas cartas de Paulo. Mas com o papa Francisco, tivemos uma avanço imenso com a presença de mulheres freiras e leigas ocupando  cargos de comando na igreja, que antes eram somente cardeais e bispos. Eu morei em Roma em 1995 e 1996. Naquela época, as mulheres estavam ali apenas para servir. A c chanceler da diocese de Roma é chefiada por uma senhora casada. Hoje, para onde se olha na cúria romana se vê mulheres. E é muito importante o papel das mulheres. Francisco é quem reconhece Maria Madalena como apóstola, como a primeira pessoa que anunciou a ressurreição de Cristo.

Papa Francisco é também considerado como um papa reformador. Foi esta a missão que o papa Bento XVI e o Conclave que ele o elegeu, delegou para ele. Como é isto.

Houve avanços também na questão do combate e punição aos abusos sexuais, que é sempre um tema delicado para a igreja…

O Papa enfrentou a questão da pedofilia. E enfrenta não apenas na questão pecuniária, do prejuízo para a igreja. Ele cria o Conselho de Tutela dos Menores e também uma mais ampla para as questões de assédio moral praticados por bispos, padres, religiosos/as e leigos/as. Então o Papa Francisco enfrenta essa questão do abuso sexual e abuso moral, claro, resguardando o direito humano da presunção da inocência e do direito à defesa àqueles que forem acusados. Lembremos que Bento XVI entrega um dossiê ao Papa Francisco. Aliás, Bento teve a grandeza de renunciar vendo a dificuldade que enfrentava na cúria. E não podemos esquecer da reforma do Banco do Vaticano. É público e notório que houve casos de corrupção no banco, tanto que um cardeal foi afastado. Francisco também realizou uma reforma na cúria. Não chegou no ponto que ele queria, mas avançou. Então, veja que pela dimensão mais interna houve o enfrentamento dos abusos sexuais e aos casos de corrupção na instituição financeira do Vaticano. Antes de Francisco a postura era outra, de mais resguardo com a imagem da igreja para que as denúncias não virassem escândalos. O papado de Francisco não é do grupo dos sepulcros caiados, os fariseus. Ele enfrentou mesmo.

E na visão do senhor, qual será o perfil do próximo Papa?

A maioria dos cardeais foi nomeada por Francisco. Fez valer a diversidade da igreja na unidade. Uma diversidade de dons e carismas da igreja. Isso tem várias expressões. Penso que é difícil querer “dar uma ré” e retroceder. Mas é possível que seja um Papa mais ao centro. Os tradicionalistas e conservadores não têm maioria no conclave. E temos que ter cuidado com interferências exteriores. Olhando para o colégio dos cardeais acho difícil e rezo para que isso (interferência externa) não aconteça. Há nomes excelentes muito alinhados com o Papa Francisco. É importante que o próximo Papa seja fiel ao Concílio de Vaticano 2°. Espero que tenha no papa Francisco uma fonte de inspiração. O Concilio realizado, a mais de sessenta anos com os papas João 23 e Paulo 6, continuando pelos papas João Paulo 2 e Bento 16, ganhou uma força extraordinária no pontificado de Bergoglio. A renovação litúrgica  e pastoral, além de sua relação com o mundo moderno.

O que significa ser fiel ao Concílio de Vaticano 2°?

O Concilio  Vaticano 2 realizado, a mais de sessenta anos com os papas João 23 e Paulo 6, continuando pelos papas João Paulo 2 e Bento 16, ganhou uma força extraordinária no pontificado de Bergoglio.  Ser fiel a este Concílio é caminhar na renovação litúrgica  e pastoral, além de sua relação com o mundo moderno. Que seja uma relação pastoral, que tenha uma boa relação com outras igrejas e outras religiões, que seja atenta aos sinais dos tempos para com o sal da terra, para sermos instrumentos dos bem-aventurados que têm fome de justiça. Que a igreja não esteja de costas para o mundo. É uma instituição de poder, mas conforme o coração de Jesus. Uma instituição que segue o modelo, não dos imperadores, mas o modelo de jesus. Que o sucessor de Pedro seja fiel ao Pedro pescador. Uma igreja pobre e para os pobres. Essa é a igreja fiel a Jesus.

O senhor citou a possibilidade de interferências externas. E há um debate hoje sobre até que ponto as redes sociais serão usadas para pressionar os cardeais a votarem em determinado candidato no conclave. O senhor acredita que os cardeais sofrerão influência das redes?

As redes sociais têm uma influência muito grande, mas não a ponto de decidir quem será o próximo Papa. Quem vai decidir é Deus, o espírito santo, iluminando o coração e as mentes dos cardeais para eleger o sucessor do Papa Francisco.

O senhor esteve alguma vez com o Papa Francisco durante os últimos 12 anos ?

Não estive com ele, mas tinha um pedido de audiência, que foi cancelado assim que ele adoeceu. O padre Flávio Medeiros, natural de Acari que trabalha no coração da Cúria e estava sempre ao lado do Papa em orações na praça São Pedro, vinha me ajudando a realizar esse encontro. Infelizmente não foi possível

O senhor teve oportunidade de assistir ao filme “Conclave”?

Assisti.

O rito da escolha do Papa se desenvolve daquela forma, naquele nível de disputa, ou tem muita ficção no filme?

Tem muita ficção ali, mas temos também a riqueza da diversidade na unidade. Diversidade de dons, mas um só é o Senhor, o Cristo, o Pai e o Espírito. É uma unidade na diversidade. Muito provavelmente tenha naquele momento da eleição, nas sessões, os cardeais colocando aqueles temas. Mas não acredito que seja naquele grau e nível de disputa. Mas as pautas também são aquelas.  Agora tenho esperança que o desfecho seja parecido e, no próximo conclave, os cardeais escolham um Papa com o perfil que vemos no filme (risos).

Além do que já conversamos, o que mais lhe marcou no papado de Francisco?

Francisco ultrapassa a categoria de progressista, moderado e conservador. É muito mais do que isso. É Francisco. Muito além da categoria terrena de direita e esquerda. É muito mais. Francisco é Francisco. É o encontro do homem com a humanidade. É como foram Dom Hélder Câmara, Nelson Mandela, Martin Luther king, Mahatma Gandhi… é o encontro do homem com a história. Francisco ultrapassa os umbrais da igreja. No mundo da guerra ele fala da paz; no mundo do ódio, fala do amor. No mundo da intolerância religiosa, da xenofobia, do antissemitismo, da LGBTfobia… ele fala de um Jesus que ama a todos. Fala dos pobres, dos imigrantes, lembra que Jesus foi estrangeiro no Egito. Francisco é uma voz profética, uma voz amorosa, uma voz de paz.

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