Ele estava treinando havia apenas poucos meses. Era o primeiro exame de faixa, mas não se sentia seguro de todos os movimentos do Kata. Poucos dias antes da cerimônia, desistiu. Justificou que não sabia toda a sequência de movimentos, que não estava preparado, o professor não era legal. Preferiu sair de vez do Karatê. Ele não se permitiu ser um iniciante.Ela escreveu por horas e dias, juntou o material, pensou na ordem adequada dos textos. Queria se inscrever na chamada aberta para escritores. Abriu a mesma página diversas vezes. Leu e releu o edital. Preencheu o que precisava. Na hora de enviar, nos últimos minutos para terminar o prazo, voltou atrás. Quem sou eu para entrar numa chamada de escritores? Tentar ser publicada? Ela se questionou. Duvidou de si e perdeu uma chance. Não se permitiu ser iniciante.Uma outra ensaiou o canto dezenas de vezes. Em casa, cantava de peito aberto, trancada no quarto. Ao se apresentar para uma pequena plateia, no entanto, o tom entrou errado e ela entoou a música tensa e aflita. Errar não estava em seus planos. Foi aplaudida, mas jurou a si mesma que jamais subiria aos palcos outra vez. Não se permitiria ser uma mera iniciante.Quantas vezes você também fez isso? Desistiu antes de tentar. Ou até tentou, mas não levou adiante. Deixou os receios tomarem conta. Acreditou que não tinha capacidade, que sabia muito pouco, que não deveria mostrar a ninguém aquilo que fez. Imagina o que vão dizer! Melhor parar por aqui, enquanto não há (quase) ninguém vendo.Ser iniciante é uma arte. Se saber inexperiente, passível de falha, com pouco repertório, bagagem ainda escassa. Ao mesmo tempo, com a coragem de botar a cara no sol, na rua, na tela, no palco onde outros já são mestres, regentes, experts. E fazer o que pode, com as habilidades que tem, enquanto ainda as desenvolve. Tentar, experimentar.“Nem tudo o que escrevo resulta numa realização, resulta numa tentativa”, registrou Clarice Lispector em um de seus textos. Se até uma das maiores escritoras brasileiras disse isso, o que diremos nós? Ao fazer alguma coisa, estamos sempre na tentativa. Nem sempre vai levar a algum lugar. E nem precisa. Mais importante do que o caminho trilhado são os passos dados. A trilha, solitária, não vale muita coisa sem os passos.Quem não se dispõe a ser iniciante não se permite crescer, vencer etapas, conquistar vitórias. Não há prêmio para quem não começa, quem não arrisca, não se expõe, não entra na arena para lutar. E não se engane, a gente erra, tropeça, escorrega. Mas só assim também aprende mais. Ainda que demore, pois tudo leva tempo, e o tempo de cada um é diferente.A atriz Viola Davis é hoje uma das artistas negras mais premiadas, mas nem sempre foi assim. Com uma história de vida difícil, Viola enfrentou pobreza e violência até a vida adulta. Sua primeira atuação no cinema se deu só aos 31 anos, na década de 90, em um pequeno papel secundário, pelo qual recebeu 528 dólares. O reconhecimento veio bem depois, em 2008, também em um papel coadjuvante, quando foi indicada a diversos prêmios. Só depois conquistaria um papel principal.Na vida é assim mesmo, nem sempre dá para bancar a protagonista. Talvez você consiga ser figurante. Ou nem isso, talvez nem mesmo ganhe uma pequena participação no filme que estão produzindo. E aí você descobre que é preciso buscar outra forma, é preciso começar de outro jeito. Talvez você deva escrever sua própria história e criar o papel que quer interpretar. Seja como for, é preciso ser iniciante. E se permitir tentar.*Luisa Sá Lasserre é autora do livro de crônicas “Pensei, mas não disse” (Ed. Patuá)
A arte de ser iniciante
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