UFRN pode retirar homenagens a militares da ditadura nesta sexta (25)

Os corredores silenciosos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) já foram palco de vigilância, repressão e medo. Em tempos de ditadura, o espaço que deveria acolher o pensamento livre abrigou mecanismos de controle, como a Assessoria Especial de Segurança e Informações (AESI), instalada em pleno campus. Mais de seis décadas depois do golpe civil-militar de 1964, a instituição volta os olhos ao seu passado. Nesta sexta-feira (25), a partir das 14h30, na sala de reunião dos colegiados superiores da UFRN, o Conselho Universitário analisa a retirada de títulos honoríficos concedidos a militares ligados à repressão.

A pauta que será submetida à deliberação não é nova. Ela figura entre as recomendações da Comissão da Verdade da própria UFRN, instituída em 2012 e cujo relatório final, publicado em 2015, é um marco na reconstrução da memória institucional. Ao longo de três anos de trabalho, a Comissão reuniu depoimentos, documentos e registros que evidenciam as violações ocorridas na universidade durante a ditadura. Entre as medidas propostas, está a revogação de títulos concedidos a figuras centrais do regime, como os ex-presidentes militares Castelo Branco e Emílio Garrastazu Médici.

A expectativa pela aprovação é grande, principalmente entre os movimentos sociais e familiares de vítimas da ditadura.

Mais do que um gesto simbólico, a retirada dessas homenagens representa o rompimento institucional com um passado de conivência com a repressão. A UFRN tem a chance histórica de reafirmar seu compromisso com a democracia e com a justiça de transição”, afirma Jana Sá, presidenta do Comitê Estadual de Memória, Verdade e Justiça do RN.

Jana relembra que a UFRN foi a única universidade federal do Nordeste a criar uma comissão da verdade, e destaca que a possível decisão desta sexta-feira responde a um compromisso firmado pelo reitor José Daniel Diniz em setembro de 2024, em reunião com o Comitê. Na ocasião, o gestor assumiu publicamente o compromisso de rever as homenagens concedidas a agentes da repressão, além de garantir, para dezembro, a realização de um ato solene de diplomação póstuma a dois estudantes potiguares mortos pela ditadura: Emmanuel Bezerra e José Silton Pinheiro.

É preciso que as instituições públicas reconheçam seu papel durante a ditadura, e que isso se traduza em ações concretas de reparação e memória. A universidade tem um papel educativo que vai além da sala de aula — ela precisa ser coerente com os valores democráticos que diz defender”, enfatiza Jana Sá.

Reunião do Comitê Estadual de Memória, Verdade e Justiça do RN com o reitor da UFR, José Daniel Diniz, em setembro de 2024 | Foto: Williane Silva

Para os que acompanharam de perto os trabalhos da Comissão da Verdade da UFRN, como o pesquisador Juan Almeida, a eventual retirada dos títulos é parte de um processo mais amplo de reparação.

Estamos falando de reconstituir a dignidade da própria universidade. Quando ela homenageia um ditador, nega sua história de resistência e ofende a memória dos que lutaram e morreram por liberdade”.

A professora da UFRN e historiadora Conceição Fraga, uma das organizadoras da obra “60 anos do golpe civil-militar no Rio Grande do Norte”, lançada no final de 2024 ao lado do também historiador João Maria Fraga, reforça a relevância da pauta.

Essa pauta — a retirada dos títulos de Doutor Honoris Causa concedidos aos ex-presidentes ditadores — é uma grande conquista da sociedade norte-rio-grandense e da própria universidade, que foi vítima da repressão e teve vários de seus membros prejudicados, como evidencia o relatório final da Comissão da Verdade. Nesse sentido, a iniciativa abraçada pelo reitor vem colaborar e reforçar uma luta que está sendo travada em todo o país, especialmente em um momento delicado, no qual vivemos recentemente a ameaça de um novo golpe. Essa pauta, portanto, tem uma importância fundamental para a defesa da democracia e da memória”, afirma.

A proposta de retirada dos títulos se soma a outras iniciativas em curso, como o restauro do prédio histórico da antiga Faculdade de Direito, onde funcionou também o Grupo Escolar Augusto Severo. O espaço será dedicado à preservação da memória, podendo abrigar o acervo documental da Comissão da Verdade da UFRN.

Se aprovada, a medida será um marco na trajetória da instituição — um passo na direção da justiça, ainda que tardio, e um sinal de que a universidade está disposta a enfrentar sua história. Para quem viveu sob o peso da repressão e perdeu entes queridos por ousarem sonhar com um país mais justo, é também um sopro de reparação.

RECOMENDAÇÕES GERAIS DO RELATÓRIO DA COMISSÃO DA VERDADE DA UFRN

Primeira: Utilização do prédio histórico onde funcionou a Faculdade de Direito da UFRN para abrigar o acervo documental e audiovisual sobre o período da ditadura civil-militar e o material produzido pela Comissão da Verdade da UFRN, em forma de memorial da resistência universitária. 412 Comissão da Verdade da UFRN

Segunda: Fazer o reconhecimento simbólico e público da violação aos direitos humanos contra membros da UFRN; e homenagear, com as cautelas estatutárias, os professores e alunos assassinados e, de alguma forma, vilipendiados pelo regime discricionário, consoante já registrados neste Relatório com a colocação dos seus nomes em memoriais e logradouros das unidades pertencentes a UFRN e espaços da administração universitária em cerimônia oficial; criação de obras ou painel artístico em que se registre os reflexos do regime de exceção nas atividades acadêmicas e administrativas, mediante abertura de Concurso Público destinado aos artistas plásticos da própria universidade.

Terceira: Fazer aposição de placa simbólica no local onde funcionou a extinta Assessoria Especial de Segurança e Informações da UFRN (Subsolo da Biblioteca Central Zila Mamede), com alusão à sua função repressiva.

Quarta: Recomendar que a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a título simbólico e com as cautelas estatutárias, proponha ao Conselho Universitário a revogação de todas as Resoluções autoritárias dele emanadas, durante o período da ditadura, que tiveram por objeto o tolhimento das liberdades constitucionais de manifestação, pensamento e liberdades didático-científica, patrimonial, financeira e administrativa.

Quinta: Providencie um acondicionamento ideal para o acervo de documentos do Arquivo Geral da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, notadamente os que dizem respeito à memória institucional e administrativa, na parte que toca às antigas Faculdades, Escolas e Institutos.

Sexta: Que a Universidade Federal do Rio Grande do Norte incentive a publicação de trabalhos sobre o período da Ditadura Militar e os seus reflexos no Rio Grande do Norte e na UFRN, como igualmente criando bases de pesquisa sobre esse tema.

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