Texto deve ser enviado ao Congresso nesta semana, após meses de elaboração. Secretário do MJ vê ‘ganho operacional’ para policiais; especialista não acredita em mudança imediata. Elaborada há meses pelo Ministério da Justiça, a proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera regras da segurança pública do país deve finalmente ser enviada ao Congresso nesta semana.
O momento político é importante: pesquisa divulgada no início do mês pela Quaest indicou que a violência se tornou a principal preocupação dos brasileiros.
Aposta do governo de Luiz Inácio Lula da Silva nessa área, a PEC será mesmo capaz de ajudar as polícias a combater problemas como as facções espalhadas pelo país, os roubos de celulares, o “novo cangaço” e os feminicídios?
O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, afirma que sim.
Em entrevista ao g1, Marivaldo destacou a integração e a padronização dos bancos de dados das polícias estaduais como uma das principais melhorias para o trabalho dos agentes de segurança.
“Se eu tenho as bases de dados integradas, eu sei qual crime está ocorrendo em cada estado, consigo estabelecer padrões de atuação das organizações criminosas, consigo saber, por exemplo, que um estado que não tinha uma determinada organização começa a ter. É um suporte operacional essencial, em um contexto em que o crime organizado atua nacionalmente”, diz Pereira.
O governo tenta montar um banco nacional de dados de segurança pública pelo menos desde 2012, quando foi criado o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Drogas (Sinesp).
Esse sistema já recebeu investimentos de centenas de milhões de reais, mas não teve sucesso porque os estados não abasteceram a plataforma com os dados.
Ministros apresentam PEC da Segurança Pública
O diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, concorda que a integração de bancos de dados é importante – mas pondera que o efeito não será imediato, já que será preciso aprovar outras leis e decretos regulamentando as mudanças.
“O governo deveria enviar junto medidas mais concretas. Estão propondo mudar a forma de trabalho, mas não podem esperar uma lei ou um decreto posterior para começar a fazer alguma coisa. A PEC é um pedaço. Se ela não vier com outros esforços, pode ser engolida pelo momento atual de radicalização”, diz.
“A integração é só uma dimensão do processo de governança e coordenação da segurança. Acho que a virtude da PEC é que é a primeira vez que o governo federal diz que ele quer ter mais protagonismo, que não seja só o residual que existe hoje”, afirma Lima.
Segundo o pesquisador, o governo federal financia cerca de 10% de todos os gastos com segurança pública no país, índice que inclui as duas polícias da União: a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Outros 85% estão a cargo dos estados, e os 5% restantes, dos municípios.
“Se o governo quer mesmo ter mais protagonismo, ele precisa pôr mais dinheiro nessa história. Planos [pontuais] não faltaram nos últimos anos. O que é inédito é a proposta de mudar a Constituição para dar coordenação nacional”, diz Lima.
Veja nesta reportagem como, segundo o secretário do Ministério da Justiça, a PEC pode ajudar no enfrentamento a:
facções criminosas
roubos e furtos de celulares
“novo cangaço”
feminicídios
‘Governo federal não quer intervir nos estados’, diz Lewandowski sobre PEC da Segurança
Facções criminosas
De acordo com Marivaldo Pereira, a proposta dá ao governo federal o poder de padronizar os registros e interligar bancos de dados como os de mandados de prisão e de boletins de ocorrência, que reúnem crimes registrados pelas Polícias Civis dos estados.
“Isso teria um papel importante para enfrentar organizações que se nacionalizaram. Se eu pego um modus operandi criminoso no Porto de Santos [para entrada de drogas, por exemplo], eu vou começar a checar se esse mesmo modus operandi está aparecendo lá no Porto de Suape, em Pernambuco”, exemplifica.
Além disso, a PEC prevê uma ampliação da atuação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) – única polícia ostensiva que é subordinada ao governo federal.
“Haverá o fortalecimento do papel da PRF para atuar não apenas nas rodovias, mas também nas ferrovias e hidrovias. Na região Norte, são as hidrovias que estão sendo utilizadas pelas organizações criminosas. Em São Paulo, é muito comum o ataque a trens de carga”, diz Pereira.
Essa ampliação vai exigir investimentos em treinamentos e em novos equipamentos para os profissionais da PRF, como embarcações para atuar nos rios da Amazônia.
Pereira também ressalta que, com a PEC, “ficará clara a possibilidade de a PF investigar o crime organizado, sem prejuízo da competência da polícia local, independentemente de ficar demonstrado o caráter transnacional do crime”.
Roubos e furtos de celulares
“Quando você integra a informação, você consegue identificar se o celular está sendo roubado em um estado e vendido em outro. Quando interligar as informações, será possível pegar esse tipo de comportamento e ter mais efetividade para enfrentar essas quadrilhas”, diz Pereira.
Há ainda a possibilidade de o governo enviar ao Congresso, junto com a PEC, um projeto de lei que aumenta as penas de prisão para quem furta celulares para vendê-los posteriormente e para quem adquire os aparelhos roubados e furtados para revendê-los — os receptadores.
São projetos como esse que, segundo Renato Sérgio de Lima, precisam acompanhar a mudança estruturante prevista na PEC.
“Hoje, você prende dez vezes a pessoa que rouba celular, e ela é liberada. O problema não é do Judiciário nem da polícia. Na verdade, a legislação é que permite que, enquanto a pessoa não é condenada, ela espere em liberdade, em função da quantidade da pena. É o Congresso que precisa ajustar isso”, diz Lima.
Quais são as apostas do governo contra roubos e furtos de celulares
‘Novo cangaço’
Nessa modalidade criminosa, grupos dominam o território de pequenas e médias cidades, às vezes atacando as bases da polícia e fazendo reféns, enquanto roubam bancos e caixas eletrônicos e praticam outros crimes.
Para Marivaldo Pereira, também nesses casos a integração dos bancos de dados deve ser útil.
“Se eu consigo identificar o roubo ou o furto de grandes quantidades de arma, isso vai fazer com que os estados se preparem para uma eventual atuação do novo cangaço”, diz.
Ele cita o caso de um rastreamento de armas feito pela PF, por meio de um banco de dados nacional, que descobriu que um mesmo fuzil esteve em dois crimes desse tipo, em Araçatuba (SP), em 2021, e em Guarapuava (PR), dois anos mais tarde. O caso foi revelado pelo Fantástico no final de março.
“Essa é a típica informação, vinda da integração dos dados, que daria um suporte muito grande para quem está investigando o crime organizado”, afirma Pereira.
Caminho das armas: como PF mapeou deslocamento de fuzil por mais de 1.300 quilômetros
Feminicídios
Uma das mudanças previstas na PEC é a inclusão das guardas municipais no artigo 144 da Constituição, que lista as polícias do país.
“As guardas municipais vão ter impacto no feminicídio, porque serão mais um ator importante para fazer o policiamento comunitário. Teremos mais um agente público ali que possa inibir a violência contra a mulher”, defende Pereira.
O aumento da presença de agentes de segurança na rua vai se somar, também nesse caso, à integração das informações, na avaliação do secretário do ministério.
“Se eu tiver um mapa de quando acontece o feminicídio, qual o padrão do criminoso, quais são as políticas que o Estado implementou e que levaram à redução do feminicídio, eu consigo aferir tudo isso e aumentar a eficiência das políticas públicas de proteção da vida da mulher”, diz.
Casos de feminicídios aumentam em 40% no norte do Brasil
O momento político é importante: pesquisa divulgada no início do mês pela Quaest indicou que a violência se tornou a principal preocupação dos brasileiros.
Aposta do governo de Luiz Inácio Lula da Silva nessa área, a PEC será mesmo capaz de ajudar as polícias a combater problemas como as facções espalhadas pelo país, os roubos de celulares, o “novo cangaço” e os feminicídios?
O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, afirma que sim.
Em entrevista ao g1, Marivaldo destacou a integração e a padronização dos bancos de dados das polícias estaduais como uma das principais melhorias para o trabalho dos agentes de segurança.
“Se eu tenho as bases de dados integradas, eu sei qual crime está ocorrendo em cada estado, consigo estabelecer padrões de atuação das organizações criminosas, consigo saber, por exemplo, que um estado que não tinha uma determinada organização começa a ter. É um suporte operacional essencial, em um contexto em que o crime organizado atua nacionalmente”, diz Pereira.
O governo tenta montar um banco nacional de dados de segurança pública pelo menos desde 2012, quando foi criado o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Drogas (Sinesp).
Esse sistema já recebeu investimentos de centenas de milhões de reais, mas não teve sucesso porque os estados não abasteceram a plataforma com os dados.
Ministros apresentam PEC da Segurança Pública
O diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, concorda que a integração de bancos de dados é importante – mas pondera que o efeito não será imediato, já que será preciso aprovar outras leis e decretos regulamentando as mudanças.
“O governo deveria enviar junto medidas mais concretas. Estão propondo mudar a forma de trabalho, mas não podem esperar uma lei ou um decreto posterior para começar a fazer alguma coisa. A PEC é um pedaço. Se ela não vier com outros esforços, pode ser engolida pelo momento atual de radicalização”, diz.
“A integração é só uma dimensão do processo de governança e coordenação da segurança. Acho que a virtude da PEC é que é a primeira vez que o governo federal diz que ele quer ter mais protagonismo, que não seja só o residual que existe hoje”, afirma Lima.
Segundo o pesquisador, o governo federal financia cerca de 10% de todos os gastos com segurança pública no país, índice que inclui as duas polícias da União: a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Outros 85% estão a cargo dos estados, e os 5% restantes, dos municípios.
“Se o governo quer mesmo ter mais protagonismo, ele precisa pôr mais dinheiro nessa história. Planos [pontuais] não faltaram nos últimos anos. O que é inédito é a proposta de mudar a Constituição para dar coordenação nacional”, diz Lima.
Veja nesta reportagem como, segundo o secretário do Ministério da Justiça, a PEC pode ajudar no enfrentamento a:
facções criminosas
roubos e furtos de celulares
“novo cangaço”
feminicídios
‘Governo federal não quer intervir nos estados’, diz Lewandowski sobre PEC da Segurança
Facções criminosas
De acordo com Marivaldo Pereira, a proposta dá ao governo federal o poder de padronizar os registros e interligar bancos de dados como os de mandados de prisão e de boletins de ocorrência, que reúnem crimes registrados pelas Polícias Civis dos estados.
“Isso teria um papel importante para enfrentar organizações que se nacionalizaram. Se eu pego um modus operandi criminoso no Porto de Santos [para entrada de drogas, por exemplo], eu vou começar a checar se esse mesmo modus operandi está aparecendo lá no Porto de Suape, em Pernambuco”, exemplifica.
Além disso, a PEC prevê uma ampliação da atuação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) – única polícia ostensiva que é subordinada ao governo federal.
“Haverá o fortalecimento do papel da PRF para atuar não apenas nas rodovias, mas também nas ferrovias e hidrovias. Na região Norte, são as hidrovias que estão sendo utilizadas pelas organizações criminosas. Em São Paulo, é muito comum o ataque a trens de carga”, diz Pereira.
Essa ampliação vai exigir investimentos em treinamentos e em novos equipamentos para os profissionais da PRF, como embarcações para atuar nos rios da Amazônia.
Pereira também ressalta que, com a PEC, “ficará clara a possibilidade de a PF investigar o crime organizado, sem prejuízo da competência da polícia local, independentemente de ficar demonstrado o caráter transnacional do crime”.
Roubos e furtos de celulares
“Quando você integra a informação, você consegue identificar se o celular está sendo roubado em um estado e vendido em outro. Quando interligar as informações, será possível pegar esse tipo de comportamento e ter mais efetividade para enfrentar essas quadrilhas”, diz Pereira.
Há ainda a possibilidade de o governo enviar ao Congresso, junto com a PEC, um projeto de lei que aumenta as penas de prisão para quem furta celulares para vendê-los posteriormente e para quem adquire os aparelhos roubados e furtados para revendê-los — os receptadores.
São projetos como esse que, segundo Renato Sérgio de Lima, precisam acompanhar a mudança estruturante prevista na PEC.
“Hoje, você prende dez vezes a pessoa que rouba celular, e ela é liberada. O problema não é do Judiciário nem da polícia. Na verdade, a legislação é que permite que, enquanto a pessoa não é condenada, ela espere em liberdade, em função da quantidade da pena. É o Congresso que precisa ajustar isso”, diz Lima.
Quais são as apostas do governo contra roubos e furtos de celulares
‘Novo cangaço’
Nessa modalidade criminosa, grupos dominam o território de pequenas e médias cidades, às vezes atacando as bases da polícia e fazendo reféns, enquanto roubam bancos e caixas eletrônicos e praticam outros crimes.
Para Marivaldo Pereira, também nesses casos a integração dos bancos de dados deve ser útil.
“Se eu consigo identificar o roubo ou o furto de grandes quantidades de arma, isso vai fazer com que os estados se preparem para uma eventual atuação do novo cangaço”, diz.
Ele cita o caso de um rastreamento de armas feito pela PF, por meio de um banco de dados nacional, que descobriu que um mesmo fuzil esteve em dois crimes desse tipo, em Araçatuba (SP), em 2021, e em Guarapuava (PR), dois anos mais tarde. O caso foi revelado pelo Fantástico no final de março.
“Essa é a típica informação, vinda da integração dos dados, que daria um suporte muito grande para quem está investigando o crime organizado”, afirma Pereira.
Caminho das armas: como PF mapeou deslocamento de fuzil por mais de 1.300 quilômetros
Feminicídios
Uma das mudanças previstas na PEC é a inclusão das guardas municipais no artigo 144 da Constituição, que lista as polícias do país.
“As guardas municipais vão ter impacto no feminicídio, porque serão mais um ator importante para fazer o policiamento comunitário. Teremos mais um agente público ali que possa inibir a violência contra a mulher”, defende Pereira.
O aumento da presença de agentes de segurança na rua vai se somar, também nesse caso, à integração das informações, na avaliação do secretário do ministério.
“Se eu tiver um mapa de quando acontece o feminicídio, qual o padrão do criminoso, quais são as políticas que o Estado implementou e que levaram à redução do feminicídio, eu consigo aferir tudo isso e aumentar a eficiência das políticas públicas de proteção da vida da mulher”, diz.
Casos de feminicídios aumentam em 40% no norte do Brasil