Um inimigo a cada 15 dias: como Trump tentou emparedar alvos em série, dominou o noticiário e chacoalhou o mundo


Há três meses no cargo, presidente dos Estados Unidos mirou em Zelensky, China, Harvard, Faixa de Gaza, entre outros. Trump usa tática ‘firehose’ (‘mangueira de incêndio’), em que despeja muita informação sobre público para tentar controlar o noticiário, diz especialista. Como Trump tentou emparedar alvos em série, dominou o noticiário e chacoalhou o mundo
Bruna Azevedo/Editoria de Arte
Donald Trump emparedou alvos internos e externos em série desde que assumiu o cargo de presidente dos Estados Unidos, há exatos três meses. Em um ritmo frenético, inundou o noticiário internacional com decretos, encrencas e ameaças com potencial para impactar todo o mundo.
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🎯 Trump, de 78 anos, elencou ao menos seis grandes inimigos neste início de governo — uma média de um a cada 15 dias. Para enfrentar cada uma dessas fases, o presidente apostou em decretos, frases pesadas, ameaças e uso da força militar, contra os Houthis, grupo extremista iemenita aliado do Irã.
Veja, abaixo, os principais alvos de Trump nos 90 primeiros dias:
Imigrantes
Faixa de Gaza
Crise com a Ucrânia
Irã e Houthis
Tarifaço e China
Universidades
Além desses assuntos, Trump também mirou no funcionalismo público, na população trans, no Canadá, na Groenlândia e no Canal do Panamá. Esses temas, de certa forma, também dialogam com os grandes alvos do presidente neste do início do governo.
🔍 Maurício Santoro, doutor em Ciência Política pelo IUPERJ e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha do Brasil, afirma que Trump tem usado uma tática conhecida como “firehose” — ou “mangueira de incêndio”.
Com essa estratégia, diz Santoro, o presidente despeja rapidamente uma grande quantidade de informações para a mídia e o público, como a água que sai de uma mangueira de incêndio.
Essa tática costuma ser usada para dominar uma narrativa ou ocultar assuntos que não são de interesse do governo.
“É uma expressão que surgiu para tentar entender esse novo estilo que líderes populistas nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina têm adotado. Todo dia, eles fomentam crises diferentes. Para quem está na oposição, isso dificulta muito responder”, explica.
“Dificulta também muito um trabalho de fiscalização, de prestação de contas. E até uma atuação, por exemplo, da imprensa ou de organizações não governamentais, porque são muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo.”
Trump chama presidente do BC americano de ‘atrasado e errado’
🗣️ Já o professor João José Forni, jornalista e consultor de comunicação, vê a estratégia de Trump em arranjar inimigos como típica de governos autoritários.
Segundo Forni, a comunicação do governo é caótica e propositalmente desorganizada com o objetivo de criar polêmicas e desviar o foco de assuntos que Trump realmente deveria enfrentar.
Com isso, Trump aposta na desinformação para evitar cobranças. O professor afirma que essa tática representa um risco concreto à democracia.
“Ele é o grande nome do momento, e fica feliz com isso. Mas o que importa saber é: será que o povo americano está feliz também? É isso que a gente vai se perguntar daqui alguns meses.”
📉 Uma média de pesquisas calculada pelo estatístico Nate Silver mostra que a desaprovação de Trump vem crescendo nas últimas semanas. O índice passou de 47,1%, no início de março, para 50,8% na quinta-feira (17). Já a aprovação foi de 48,3% para 45,5%.
👀 Veja abaixo, detalhadamente, as batalhas de Trump.
1. Imigrantes
Como Trump tentou emparedar alvos em série, dominou o noticiário e chacoalhou o mundo: Imigração
Bruna Azevedo/Editoria de Arte
🎯 Alvo: Logo que assumiu o governo, no dia 20 de janeiro, Trump declarou emergência na fronteira dos Estados Unidos e assinou uma série de decretos para deportar milhares de imigrantes que vivem irregularmente no país.
Agentes federais de imigração receberam poderes ampliados para deter suspeitos, e imigrantes ilegais acusados de integrar gangues foram enviados para El Salvador.
O governo também ampliou o alcance da chamada “deportação acelerada”, permitindo a expulsão de imigrantes sem a necessidade de uma audiência judicial.
Trump assinou uma ordem para acabar com o direito à cidadania para filhos de imigrantes ilegais ou com vistos temporários nascidos nos EUA, mas a medida foi barrada na Justiça.
México e Canadá passaram a ser alvos de pressão para impedir que imigrantes sem autorização para entrar nos EUA chegassem à fronteira.
“Muitos [imigrantes ilegais] foram retirados de prisões e instituições mentais. É uma grande onda de crime que está acontecendo nos EUA”, disse, sem apresentar provas.
Trump assina decretos
Jim WATSON / POOL / AFP
💥 Impacto: As medidas causaram pânico entre imigrantes e levaram a milhares de detenções. O governo chegou a estipular uma meta diária de prisões — que não foi cumprida.
Por outro lado, várias medidas foram questionadas na Justiça.
O governo foi alvo de críticas, inclusive de países da América Latina, pela forma como os imigrantes foram deportados. Em um voo vindo para o Brasil, algumas pessoas chegaram algemadas.
Internamente, houve questionamentos sobre o cumprimento do devido processo legal nas prisões e deportações. Também houve o receio de que a deportação em massa de imigrantes prejudicasse a economia, já que poderia provocar escassez de mão de obra.
Em um caso mais recente, o governo admitiu que deportou por engano um imigrante que tinha proteção para não ser expulso do país. O caso virou uma disputa entre a administração Trump e o Judiciário, que classificou a postura do governo como “chocante”.
2. Faixa de Gaza
Como Trump tentou emparedar alvos em série, dominou o noticiário e chacoalhou o mundo: Faixa de Gaza
Bruna Azevedo/Editoria de Arte
🎯 Alvo: No fim de janeiro, Trump sugeriu que os palestinos deveriam sair da Faixa de Gaza para que os Estados Unidos fizessem uma “limpa” na região.
Inicialmente, Trump afirmou que a saída poderia ser apenas temporária, com palestinos vivendo em abrigos na Jordânia e no Egito.
Em fevereiro, o presidente mudou de discurso e disse que os EUA deveriam “tomar” o território.
Trump sugeriu ainda que resorts de luxo fossem construídos na região, tornando-a uma área turística.
Em uma nova escalada, o presidente afirmou que os palestinos não poderiam retornar à Gaza e que ele seria o “dono” do território.
“Estou comprometido com a compra e a posse de Gaza”, afirmou. “Estamos comprometidos em possuí-la, tomá-la e garantir que o Hamas não volte para lá.”
Trump posta montagem feita com IA mostrando transformação de Gaza em resort
💥 Impacto: As declarações foram amplamente criticadas pela comunidade internacional, incluindo pela ONU, que viu indícios de uma tentativa de limpeza étnica na região.
As falas coincidiram com o cessar-fogo entre Israel e Hamas — que, semanas depois, acabou.
O presidente abandonou temporariamente o tema, voltando a se referir à Faixa de Gaza como “propriedade imobiliária” somente semanas depois.
3. Crise com a Ucrânia
Como Trump tentou emparedar alvos em série, dominou o noticiário e chacoalhou o mundo: crise com a Ucrânia
Bruna Azevedo/Editoria de Arte
🎯 Alvo: Em fevereiro, Trump intensificou os esforços para tentar encerrar a guerra entre Ucrânia e Rússia. No dia 12 daquele mês, ele anunciou que havia conversado por telefone com o presidente russo, Vladimir Putin, marcando uma virada na diplomacia dos EUA.
Nos dias seguintes, Trump passou a adotar um tom mais crítico em relação à Ucrânia. Ele chegou a chamar o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, de “ditador”.
Depois, começou a pressionar a Ucrânia a aceitar um acordo sobre exploração de minérios como condição para manter o apoio militar ao país.
No dia 28 de fevereiro, Trump recebeu Zelensky na Casa Branca. O que seria a assinatura do acordo sobre minérios se transformou em um bate-boca histórico diante de jornalistas.
Durante esse período, Trump poupou Putin de críticas, embora tenha ameaçado a Rússia com sanções caso não aceitasse negociar um acordo de paz.
“É melhor que Zelensky aja rapidamente ou não restará a ele um país. Enquanto isso, estamos negociando com sucesso o fim da guerra com a Rússia.”
Trump e Zelensky batem boca na Casa Branca
Brian Snyder/Reuters
💥 Impacto: Especialistas internacionais afirmaram que Trump passou a adotar um discurso pró-Rússia. A guinada no conflito representou um golpe duro contra a Ucrânia, que tinha os EUA como um dos principais aliados.
Diante desse cenário, a Europa passou a olhar os EUA com desconfiança e iniciou tratativas para se armar.
A Ucrânia se viu pressionada a negociar um acordo sobre minérios, sob pena de perder acesso a informações de inteligência e recursos prometidos pelos EUA.
A crise coincidiu com bombardeios intensos da Rússia contra a Ucrânia, inclusive em áreas residenciais e infraestruturas energéticas.
Os EUA ainda não conseguiram costurar um acordo de cessar-fogo, principalmente por resistência de Putin. Uma trégua limitada chegou a ser anunciada, mas teve pouco efeito prático.
4. Irã e Houthis
Como Trump tentou emparedar alvos em série, dominou o noticiário e chacoalhou o mundo: Irã e Houthis
Bruna Azevedo/Editoria de Arte
🎯 Alvo: Em fevereiro, Trump assinou uma ordem para restabelecer uma política de pressão máxima contra o Irã. Mas a escalada no tom veio de fato em março, quando o presidente passou a ameaçar Teerã.
Os EUA tentam forçar o Irã a assinar um acordo que impeça o desenvolvimento de armamento nuclear. Para isso, impuseram sanções ao país.
Em março, Trump afirmou que não descartava um ataque militar caso as negociações fracassassem.
O presidente também autorizou bombardeios no Iêmen contra o grupo rebelde Houthis — responsável por ataques a navios no Mar Vermelho em protesto contra a guerra na Faixa de Gaza.
Os Houthis são apoiados pelo Irã. Trump chegou a enviar um recado ao governo iraniano por meio dos ataques aos rebeldes.
“Cada tiro disparado pelos Houthis será visto, deste ponto em diante, como sendo um tiro disparado das armas e da liderança do Irã, e o Irã será responsabilizado e sofrerá as consequências”, disse.
Donald Trump acompanha bombardeios conduzidos pelos EUA contra alvos dos Houthis no Iêmen, em 15 de março de 2025
Casa Branca
💥 Impacto: As ações de Trump levaram a uma escalada de tensões com o Irã. Por outro lado, embora o país negue que pretenda desenvolver uma bomba nuclear, uma agência da ONU afirma que Teerã está próximo de atingir esse objetivo.
O Irã declarou que responderá a qualquer ataque e que, no caso de um bombardeio americano, não teria outra saída a não ser buscar uma arma nuclear.
Delegações dos dois países se reuniram em Omã no dia 12 de abril para discutir um acordo. As negociações ainda estão em andamento.
Após o encontro, o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, afirmou estar “bem pessimista” em relação aos EUA — tanto nas conversas quanto de forma geral.
O jornal The New York Times também revelou que Trump se opôs a um ataque de Israel que miraria instalações nucleares iranianas, para não prejudicar as negociações.
Quanto aos Houthis, os bombardeios continuam sendo realizados com frequência. Os EUA também anunciaram o envio de um segundo porta-aviões para a região.
5. Tarifaço e China
Como Trump tentou emparedar alvos em série, dominou o noticiário e chacoalhou o mundo: Tarifaço e China
Bruna Azevedo/Editoria de Arte
🎯 Alvo: No dia 2 de abril, Trump anunciou a aplicação de “tarifas recíprocas” contra produtos de 180 países do mundo. Entraram na lista até as Ilhas Heard e McDonald, onde não há nem sequer moradores humanos, apenas pinguis e focas.
O tarifaço, uma promessa que o norte-americano vinha fazendo havia semanas, foi batizada pelo próprio Trump de “Dia de Libertação da América”.
O presidente justificou a decisão como uma forma de gerar empregos, trazer indústrias de volta aos Estados Unidos e valorizar produtos americanos. E não poupou nem aliados, aplicando tarifas a países da Europa e ao Japão.
As tarifas também passaram a ser usadas como instrumento de pressão para que outros países derrubassem taxas sobre produtos dos EUA.
Trump exibe tabela com tarifas que devem ser cobradas pelos EUA
REUTERS
Com o passar dos dias, no entanto, o tarifaço acabou se transformando em uma queda de braço sem predecedentes contra a China, que comprou a briga e retaliou Washington. Trump tentou manter a tática e também subiu as tarifas a produtos chineses outras duas vezes.
No dia do tarifaço, Trump taxou os produtos importados em 34% a mais do que os 20% que já eram cobrados em tarifas sobre os produtos chineses anteriormente.
Como resposta ao tarifaço, o governo chinês impôs tarifas extras de também 34% sobre todas as importações americanas.
Os EUA decidiram retaliar a resposta e elevou a taxação a produtos chineses em mais 50%. Pequim novamente retaliou e elevou as tarifas sobre os EUA de 34% para 84%, acompanhando o mesmo percentual de alta dos EUA.
No mesmo dia, Trump anunciou que daria uma “pausa” no tarifaço contra os mais de 180 países que foram taxados com tarifas que variam de 10% a 50%. Essa pausa é, na verdade, uma redução de todas as tarifas para 10% por um prazo de 90 dias.
A exceção, novamente, foi a China, que passou a ser taxada em ias 125%. Como resposta, os chineses elevaram as tarifas sobre os americanos para 125%, e Washington ainda não retaliou de volta.
💥 Impacto: Após o anúncio, mercados financeiros ao redor do mundo reagiram mal. Bolsas de valores despencaram, e o presidente foi criticado por grandes empresários. Até mesmo Elon Musk, que integra o governo, tentou reverter a medida.
A China também convocou países membros da ONU para uma reunião informal no Conselho de Segurança. Pequim acusou a Casa Branca de praticar “bullying” contra o restante do mundo e de violar regras do comércio internacional.
6. Universidades
Como Trump tentou emparedar alvos em série, dominou o noticiário e chacoalhou o mundo: Briga com universidades
Bruna Azevedo/Editoria de Arte
🎯 Alvo: Em abril, Trump abriu uma frente de batalhas contra as principais universidades americanas, com o objetivo de pressioná-las a adotarem políticas mais alinhadas ao governo.
Trump tem criticado o que chama de “ativismo” nos campi, mirando especialmente programas de inclusão, diversidade e equidade.
O presidente também acusou universidades de permitirem o antissemitismo em protestos contra a guerra em Gaza.
No caso de Harvard, ele afirmou que a universidade promovia “doenças” ideológicas inspiradas por terroristas.
O governo enviou memorandos às instituições, ordenando reformas de gestão e a adoção de medidas rígidas para acabar com programas de diversidade.
“Harvard é uma piada, ensina ódio e estupidez, e não deveria mais receber verbas federais”, escreveu em uma rede social.
Manifestantes protestam contra ações do governo Trump que miram a Universidade de Harvard
REUTERS/Nicholas Pfosi
💥 Impacto: Harvard inaugurou um movimento de resistência ao se recusar a ceder às pressões do governo.
A universidade respondeu à administração Trump afirmando que não abriria mão de sua independência.
Em resposta, o governo congelou cerca de US$ 2,3 bilhões (R$ 13,5 bilhões) destinados à universidade e ameaçou revogar sua isenção fiscal.
A Associated Press informou que o embate ameaça a tradicional relação entre o governo federal e universidades que dependem de recursos públicos para realizar descobertas científicas.
Ainda segundo a agência, os fundos distribuídos pelo governo deixaram de ser vistos como um bem comum e passaram a ser usados como forma de pressão política.
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