Lei que entrega Sandoval Wanderley à iniciativa privada é sancionada

Com a publicação nesta segunda (9) no Diário Oficial da concessão gratuita do Teatro Municipal Sandoval Wanderley, localizado em Natal, no bairro Alecrim, ao Serviço Social do Comércio (Sesc), as atenções da classe artística potiguar e da sociedade se voltam para como o espaço será utilizado e acessado. A concessão gera expectativas sobre o futuro das atividades culturais no teatro – que está fechado há 14 anos – e o impacto que a nova gestão pode trazer tanto para artistas quanto para o público em geral.

O Sesc, por sua vez, ainda não tem data para o início das atividades e reformas. Em nota, o órgão informou que “segue com o andamento de aprovação no Conselho Nacional do Sesc. Após esses trâmites internos, o Sistema Comércio RN irá anunciar os detalhes”. Enquanto isso, os debates sobre a concessão se intensificam, com dúvidas sobre os benefícios e desafios da gestão privada em um espaço cultural público.

A Agência Saiba Mais entrevistou o professor do Departamento de Artes e coordenador do curso de licenciatura em teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Sávio Araújo, que tem sido uma voz ativa nas discussões sobre o futuro do Teatro Sandoval Wanderley.

Saiba Mais: Qual é a sua opinião sobre a concessão gratuita do Teatro Municipal Sandoval Wanderley ao Sesc?

Sávio Araújo: A concessão levanta uma questão fundamental sobre o papel do Estado na gestão dos equipamentos culturais. Não é uma questão de duvidar da capacidade técnica do Sesc, que já mostrou competência em outros equipamentos culturais pelo Brasil. O problema é que o Estado, ao conceder o teatro, pode estar se eximindo de sua responsabilidade com a cultura pública, transferindo a gestão para a iniciativa privada.

A lei prevê que grupos teatrais locais terão preferência no uso do teatro de forma gratuita. Como o senhor avalia essa proposta?

Sávio Araújo: A ideia de dar prioridade aos grupos locais é irônica, pois se trata de um teatro público. A concessão para o Sesc não deveria sequer questionar a prioridade para os artistas locais, uma vez que o espaço já pertence à sociedade. Garantir essa preferência é uma obrigação, não uma concessão. A produção cultural local deve ser a protagonista nesse processo.

A concessão prevê um prazo mínimo de 20 anos. O senhor acha que esse tempo é adequado para as melhorias e para a promoção da cultura na cidade?

Sávio Araújo: O debate não deveria se concentrar na duração da concessão, seja de 10, 20 ou mais anos. A questão central é a concessão de um bem público à iniciativa privada. O Estado não pode se ausentar da gestão de espaços culturais, e a duração do contrato não muda essa responsabilidade. A cultura deve ser uma prioridade pública.

Como o Departamento de Artes da UFRN pode colaborar com o Sesc na gestão do teatro?

Sávio Araújo: A universidade atua como um agente de fomento ao debate, promovendo discussões qualificadas sobre o uso desses espaços. Temos o Cenotec, laboratório de estudos cenográficos, que pode prestar assessoria técnica, como fizemos na reforma do Teatro Alberto Maranhão. Podemos colaborar oferecendo expertise e auxiliando no desenvolvimento de um teatro que seja verdadeiramente acessível à sociedade e aos artistas locais.

Quais critérios o senhor acredita que deveriam ser adotados para garantir um equilíbrio entre a exploração comercial e as finalidades culturais do teatro?

Sávio Araújo: O principal critério deve ser a transparência. É fundamental que a gestão do teatro seja pautada por um debate amplo com a sociedade e a classe artística. Outro ponto essencial é o acesso. O teatro deve ser um espaço acessível para o público com ingressos populares e deve também servir aos artistas, especialmente aos que vêm das escolas públicas, cujas produções muitas vezes ficam restritas ao ambiente escolar. É preciso garantir que esses espaços estejam disponíveis para as produções escolares e artísticas de forma justa.

A concessão determina que o Sesc será responsável por todas as melhorias e encargos do teatro. Como isso pode afetar a preservação do patrimônio arquitetônico e cultural do espaço?

Sávio Araújo: Se o Sesc fizer uma gestão com diálogo e comprometimento com a sociedade, o resultado pode ser positivo. No entanto, há preocupações. Sabemos que há planos para transformar a sala de ensaios, localizada abaixo do palco, em uma galeria de arte. Isso é alarmante, pois essa sala é essencial para a produção teatral. Não há espaços suficientes para ensaios, e perder essa área seria um golpe para os grupos teatrais locais. Temos que garantir que o teatro continue servindo a sua finalidade principal: fomentar a produção cultural.

Como o senhor enxerga o impacto dessa concessão para a comunidade artística do Alecrim e de Natal? Acredita que haverá uma maior democratização do acesso ao teatro?

Sávio Araújo: A concessão abre um precedente perigoso. Mesmo que o Sesc faça uma excelente gestão, a ideia de privatizar um espaço público como o Sandoval Wanderley gera uma naturalização do uso privado de bens públicos. A iniciativa privada, muitas vezes, não oferece as mesmas condições de trabalho que o setor público, e isso pode afetar diretamente os artistas e produtores locais. A concessão pode levar à redução de concursos públicos e aumentar a dependência política dos trabalhadores da cultura, o que não é saudável para o desenvolvimento da arte e cultura local.

O Sandoval Wanderley é um pequeno teatro em formato de arena, que fica na Avenida Presidente Bandeira, no tradicional bairro do Alecrim. A sua concessão ao Sesc pode trazer melhorias estruturais e uma nova dinâmica cultural para o bairro Natal como um todo. No entanto, a preocupação com a privatização de um espaço público e o impacto sobre a classe artística local permanece.

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