Bárbara Kelly Araújo do Nascimento, 34 anos, voltava do trabalho e estava sentada na calçada de casa com a filha de quatro anos nos braços quando foi atingida por um disparo durante uma operação da Polícia Militar no Passo da Pátria, em Natal. Morreu no hospital. A PM disse que havia confronto. A família nega: não houve tiroteio. Houve a brutalidade de uma operação feita à revelia do direito à vida — e que custou mais uma.
O caso de Bárbara não é um desvio de conduta. É expressão de uma lógica institucional de segurança pública que normaliza a morte de pessoas negras e periféricas, sempre sob o pretexto da guerra às drogas, do “confronto”, do “patrulhamento de rotina”. A PM conta sua versão, e ela já vem formatada: a vítima foi atingida “em meio a um tiroteio” e “o local é conhecido por sua periculosidade”. A partir daí, inicia-se o processo de desumanização. A morte se torna estatística. O nome se apaga. A responsabilidade se dilui.
Mas Bárbara tinha nome, rosto, profissão, família, uma filha pequena. Sua morte é irrecuperável. E é também intolerável.
O modelo militarizado de segurança pública vigente no Brasil insiste em tratar a periferia como zona de guerra. Isso não é constitucional. A Constituição de 1988 estabelece que a segurança pública deve ser exercida para a preservação da ordem e da incolumidade das pessoas. O que se vê é o oposto: operações que violam o direito à vida, à moradia, à integridade física, ao simples existir. A PM, com formação bélica e estrutura hierárquica herdada da ditadura, atua como força de ocupação — não como instituição que protege.
As operações policiais nas comunidades não se diferenciam de expedições punitivas. Entram atirando. Justificam-se depois. Quando há protestos — como os que vêm sendo realizados no Passo da Pátria — o Estado responde com mais repressão. Mandam o Batalhão de Choque. Quem chora a morte, ainda precisa resistir para não ser silenciado.
E quando a bala vem do Estado, o que acontece com os responsáveis?
A impunidade para agentes públicos que cometem crimes é regra no Brasil. Afastamento temporário, função administrativa, investigação interna, inquéritos com prazos prorrogáveis. Tudo isso, enquanto uma mãe está enterrando a filha. O corpo do Estado nunca é alvejado. E quando é, recompõe-se rápido, sem cicatriz aparente.
É urgente que o Brasil debata seriamente a desmilitarização da polícia. É inaceitável que uma força armada, treinada para a guerra, continue sendo a principal responsável pelo chamado “policiamento comunitário”. Comunidade não é inimiga. Morador não é alvo. Crianças não podem crescer vendo a morte como rotina.
Bárbara Kelly não pode ser esquecida. Sua morte precisa gerar resposta. Justiça não pode ser apenas uma palavra nos cartazes dos protestos. Tem que ser ação concreta: responsabilização, revisão das práticas policiais, respeito à vida.
Se o Estado continuar atirando primeiro e apurando depois, estará assinando sua falência moral diante dos mais vulneráveis.
Até quando o Brasil aceitará que a polícia que deveria proteger seja, tantas vezes, quem mata?
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