Sobre Trump, meus amigos e os homens que não entenderam que o mundo mudou

Nas últimas semanas estamos acompanhando uma série de decisões do presidente dos EUA, Donald Trump, no tocante a tarifas comerciais, que a princípio e para o próprio, pareciam uma maneira de fazer seu país e sua população terem mais dinheiro (Faça América grande novamente, foi seu slogan de campanha) mas na prática se mostraram um tiro no pé e deram a China uma oportunidade ímpar de ampliar ainda mais seus mercados.

A guerra comercial de Trump, aumentando tarifas para compras de produtos de outros países de maneira aleatória e sem respeitar acordos internacionais já consolidados (aumentou em 124% as tarifas para a China, por exemplo), até agora só tem um perdedor: os próprios EUA. Sem ceder na retaliação (ou seja, equiparação) os chineses não se dobram a Trump e acenam para outros países com tudo o que mostram há anos: muita mão de obra, tecnologia, canais para escoamento da produção e, principalmente, preços baixos.

Na verdade, a China já domina o comércio global há tempos. Não é à toa que viralizaram os vídeos no Tik Tok (que é chinês) que mostram que mesmo na loja Trump, absolutamente todos os produtos (bonés,camisas, canecas, etc) foram fabricados na China. Aqui no Brasil, vemos esse fenômeno há décadas. No Alecrim, no Saara, na 25 de Março, se você conferir a etiqueta, lá estará: Made in China.

Mas se a China vem dominando o comércio global de uma forma tão ampla, como o homem mais poderoso do Mundo, bilionário, com acesso a informações e documentos secretos, não sabe disso e embarca numa guerra tarifária que é uma evidente barca furada? Resposta: porque Trump faz parte daquele padrão de homens que não entenderam que o Mundo mudou. Mais que isso: que não aceita que o Mundo mudou.

Trump sempre foi um playboy fanfarrão oligofrênico com tendência para a megalomania. Mas sua aliança com outro padrão masculino, o direitista ultra religioso, tornou-o não apenas em um ser humano pior, mas em um presidente pior, já que não consegue ter discernimento para ver o Mundo como ele é, mas sim como ele queria que fosse, ou seja, décadas, talvez séculos atrás.

São homens (neste balaio além de Trump e os radicais republicanos dos EUA, entram os adeptos do bolsonarismo, a extrema-direita global e os neopentecostais brasileiros) que, como escrito, não aceitam e não entendem o mundo como ele se tornou. Odeiam a globalização e a consequente mistura de raças, nacionalidades, religiões e culturas. Desprezam direitos civis e humanos elementares porque vai de ideia contra o que se acostumaram a ver e ter, ou seja, seus privilégios que eles sempre tiveram como direitos.

E por que no título deste artigo coloquei junto ao presidente norte-americano os meus amigos? Simples: porque muitos deles têm rigorosamente a mesma dificuldade em entender as mudanças ocorridas nos últimos anos (ou décadas). Principalmente mudanças comportamentais e as referentes a direitos de gênero. Escrevi muitas e muitas vezes aqui neste espaço que o perfil homem-branco-hetero-cinquentão-classe média/alta tem imensa dificuldade em assimilar mudanças sócio-culturais.

Tenho bons e queridos amigos de caráter ilibado, mas que estranham e se doem com nossos filhos e/ou netos com cabelos em tons de azul ou rosa, rapazes com brincos, meninas com piercings. Que fazem questão de não aprender a soletrar LBGTBQIA+ e ainda tentam tirar um sarro do excesso de letras. Que se assustam com a postura de boa parte das mulheres de hoje em dia, e não escondem a saudade das mulheres menos independentes e mais submissas aos caprichos e gentilezas masculinas “naquela nossa época”.

Saudade é o termo exato para descrever o misto de sensações deste perfil de homem. Saudades de um tempo onde quase tudo era permitido a um padrão (de gênero, classe, cor e classe, evidentemente) e que não haviam ferramentas para equiparar as coisas. Recordo de uma vez, há uns dez anos, quando eu ainda tinha saco para reuniões sociais-etílicas com colegas jornalistas, que um deles, já cinquentão, após elogiar a beleza e charme da garçonete que nos atendia, foi advertido por alguns de nós que não era legal fazer aquilo e que a moça poderia de sentir ofendida e até denunciá-lo. O cidadão fez uma expressão de indignação e estupefação como se estivesse perguntando: “Quer dizer que não posso mais assediar garçonetes e trabalhadoras em situação de vulnerabilidade como sempre fiz?”.

O homem que não compreende e não aceita a mudança nas dinâmicas sociais é algo que vem sendo estudado e que traz preocupação. Parece algo folclórico, como no caso que relatei acima, mas é algo ligado à violência doméstica, feminicídio, misoginia e que, aplicado inclusive à geração mais jovem, incide na cultura dos “incels”, o que está por sua vez interligado à violência juvenil, como retratado na elogiada série “Adolescência”.

Voltando a Trump, temos então no cargo mais poderoso da Terra um homem padrão que não compreende o mundo à sua volta. E que julga ter poderes para fazer com que ele volte no tempo. A um tempo onde ele, o perfil registrado homem-branco-hetero-cinquentão-classe média/alta, que é temente a Deus mas também não abdica de putaria, como aliás, parte dos bolsonaristas e pastores no Brasil, se sentia confortável e à vontade. Para os amigos queridos, o tempo a voltar seria os anos 80, quando éramos jovens e sem os boletos e problemas de hoje, já adultos. Para Trump, o tempo a voltar é o século 19, quando os bravos colonos por chamado divino dizimavam povos nativos e escravizavam negros africanos. Para pastores tupiniquins, o tempo a voltar é a Idade Média, quando se queimavam “bruxas” vivas e a Igreja e o Estado eram uma coisa só.

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