Semana Santa, com foco no ofício dos pescadores
Na foto: César Francisco Rodrigues Barbosa (Monza)
| Foto: Olga Leiria / Ag. A TARDE
Mas a procura pelo prato principal da Semana Santa, aponta o pescador e presidente da Colônia de Pescadores Z-1 do Rio Vermelho, Nilo Silva Garrido – o Nilinho – tem, pouco a pouco, diminuído com o passar dos anos. “Acho que as pessoas não estão ligando muito para essa tradição de reunir a família ou talvez estejam preferindo restaurantes… Não sei, mas sinto que tem diminuído a procura. Mas nós, pescadores, continuamos aqui”, afirma Nilinho, que pesca há 42 anos.Nilinho tomou gosto pela pesca ainda na infância, quando amigos o levaram para pescar, e hoje afirma sentir muito prazer em estar em seu barco com o marzão da Baía de Todos os Santos ao redor.“Quando você está no mar, esquece da terra. O que mais gosto é essa paz. Enquanto na terra a gente não procura, mas acha, seja preocupação ou violência, no mar a gente espera, aguarda, a gente recebe de braços abertos, qualquer que seja o peixe”, afirma o pescador, que ressalta: “se for pequeno, filhote ainda, muito novinho, devolvo para o mar. Um dia, quando ele tiver maior, ele volta ou vai com outros pescadores”.
Semana Santa, com foco no ofício dos pescadores
Na foto: Peixe na Feira de São Joaquim
| Foto: Olga Leiria / Ag. A TARDE
Biólogo e assessor técnico da Bahia Pesca, órgão vinculado à Secretaria da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária (Seagri), Marcos Rocha explica que a pesca e a aquicultura – criação de organismos aquáticos em ambientes controlados ou semi-controlados – têm uma grande representatividade no setor primário da Bahia.“A pesca na Bahia emprega mais de 135 mil famílias e sua importância não se resume à economia gerada, mas culturalmente também, pois temos uma grande quantidade de comunidades tradicionais vivendo da pesca. Pescadores, pescadoras, marisqueiras… O mar tem uma força muito grande”, afirma o assessor.Cultura e economiaE essa cultura e economia criadas a partir da relação com o mar acontecem direta e indiretamente. Faz parte do pescador e seu barco de casco salgado, da marisqueira atravessando o mangue com força nas canelas, dos que esperam os pescadores no pier, de quem escolhe os pescados e os saboreia junto a família e dos tratadores de peixe como o Antônio Marcos de Jesus – o Marcão – que a cerca de cinco anos trabalha em frente ao Mercado do Peixe do Largo de Água de Meninos.“Todo dia eu corto o peixe para levar o pão para casa. É difícil, muitas vezes acordamos de madrugada, mas faço meu trabalho feliz. O mundo da pesca é extraordinário. É um lugar coberto da pura energia do povo baiano, da cultural do povo negro”, explica Marcão, que tenta levar as histórias e os aprendizados ‘teóricos’ para as filhas.Já no caso da filha do pescador Arivaldo Santana – o Ari Pescador -, presidente da Colônia de Pescadores Z-6 de Itapuã, o aprendizado foi navegando pelo mar. Ele conta que a filha Caroline, hoje arquiteta e bombeira militar, desde bebê gosta de sair com ele para pescar.“E ela pesca muito bem, pega cada peixe enorme, às vezes tão grandes que preciso ajudar ela a puxar. Estar no mar é um sentimento único, que só consegue entender mesmo quem vai até lá, sente a energia que emana do mar para a gente. Então vêm os bons pensamentos, boas intenções, e com isso as boas pescarias”, explica ele, que é diretor da Federação Baiana dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (Febape).
Semana Santa, com foco no ofício dos pescadores,
Na foto: Barcos de pesca na praia de Itapuã
| Foto: Olga Leiria / Ag. A TARDE
Pescando na região desde os oito anos de idade, Ari afirma que a vida dele é baseada na pesca e ele vive isso.“Meus ancestrais são todos de Itapuã. Aprendi a pescar com meus avós, meu pai, meu irmão, meu padrinho e com todos aqui. E sigo aprendendo com o mar até hoje. É aquele prazer de estar num lugar que a gente gosta, sabe? E trazendo o bom alimento para nossa mesa e para a mesa de outras famílias”, explica. Quem bem conhece esse sentimento é a neta de pescador, marisqueira e empresária do setor imobiliário Nina Grasso, que nasceu na Ilha de Itaparica.Nina recorda como se fosse hoje dos seus pés, quando era mais jovem, afundando no mangue enquanto mariscava, assim como lembra muito bem de seu avô, Cassimiro Evangelista de Jesus – patrono do Ilê Axé Egungum Babá Obá Lobí – saindo para pescar às 4h da manhã.“Minha avó acordava, um tempo depois olhava pela janela e dizia: ‘tá na hora’, e começava a preparar a comida. Era só ela terminar e não demorava para meu avô chegar, no tempo certinho. Então ele comia e perguntava a ela como tudo estava, e eles conversavam. Ele então ia dormir e acordava no meio da tarde para costurar a rede e de madrugada voltar para o mar. É muito gostoso lembrar disso”, afirma.
Semana Santa, com foco no ofício dos pescadores
Na foto: Pescador Arivaldo Santana na praia de Itapuã
| Foto: Olga Leiria / Ag. A TARDE
Nina, que hoje mora em São Paulo com o marido, os filhos e os netos, vêm com frequência para a Bahia, morando um pouco aqui e um pouco lá, com o compromisso de sempre comprar peixes e frutos do mar no Mercado do Peixe de Água de Meninos para levar para São Paulo.“Venho aqui porque, poxa, sente esse cheiro, olha esse peixe, olha essa qualidade… É muito bom. Toda essa cultura é muito boa e morando longe, eu não perco a chance de comprar peixes aqui e levar para lá”, conta. O peixe que ela sempre leva? Cação, “meu filho ama, não pode faltar”.
Semana Santa, com foco no ofício dos pescadores
Na foto: Nina Grasso, neta de pescador e comprando peixe
| Foto: Olga Leiria / Ag. A TARDE
Ainda que a procura por peixes específicos, sobretudo o Vermelho, cresça no período da Semana Santa, o baiano gosta de todo tipo de peixe, afirma Edmilson de Jesus Santos – o Missinho da Sardinha – , que a mais de 30 anos é pescador.“A população no geral gosta muito de peixes e frutos do mar. Pesco sardinha quase todo dia e sempre tem cliente, seja quem vai levar pra casa ou quem vai revender. A vida do pescador é de luta, tudo que conseguimos é com luta, mas a vida no mar é muito boa”, afirma.
Semana Santa, com foco no ofício dos pescadores
Na foto: Edmilson de Jesus Santos (Missinho), pescador de sardinha
| Foto: Olga Leiria / Ag. A TARDE
Bahia Pesca reúne dados para avaliar produção no estadoA Bahia Pesca, empresa vinculada à Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura (Seagri), finalizou a primeira etapa do Censo Estrutural da Piscicultura, consolidando dados inéditos sobre a atividade aquícola nos Territórios de Identidade de Itaparica e Sertão do São Francisco. O levantamento tem como objetivo oferecer um diagnóstico completo do setor, subsidiando políticas públicas e estratégias de fortalecimento da cadeia produtiva da piscicultura na Bahia – nesta etapa Glória e Paulo Afonso (Itaparica), além de Casa Nova e Sento Sé (Sertão do São Francisco), foram os municípios contemplados.Juntas, essas regiões somaram uma produção anual de 9.289.471 kg de pescado. Entre os principais desafios apontados pelos produtores estão a dificuldade de acesso ao crédito, o alto custo da ração, a falta de alternativas de comercialização e as barreiras para obtenção de licenciamento ambiental. “O censo é um marco para a piscicultura baiana, pois oferece os dados necessários para um planejamento mais eficiente e uma atuação estratégica em prol dos produtores”, afirma Daniel Victória, presidente da Bahia Pesca.
A empresa finalizou a primeira etapa de levantamento e diagnóstico sobre o setor
da piscicultura na Bahia
A próxima etapa do censo pretende alcançar novos territórios, como o Recôncavo Baiano e a Bacia do Rio Grande.Paralelamente à piscicultura, a pesca artesanal desempenha um papel essencial na segurança alimentar e na geração de renda em comunidades tradicionais da Bahia. A atividade é praticada majoritariamente por comunidades ribeirinhas, quilombolas, indígenas e costeiras, com embarcações e métodos tradicionais de captura. No interior, o destaque é para o Vale do São Francisco, onde a pesca artesanal complementa a atividade aquícola. Com políticas públicas estruturadas e apoio às organizações comunitárias, a pesca artesanal segue como uma atividade estratégica, culturalmente relevante e socialmente transformadora em todo o estado.