Monges orientam como viver um cotidiano zen

Há dois anos, o baiano Rikelven dos Santos, de 18 anos, só tinha um objetivo: entrar na faculdade de Ciências Sociais. Ele alcançou a meta, mas não sem sofrer com as consequências da ansiedade pré-vestibular. “Eu vivi um ano sob muita pressão”, lembra o estudante. O nervosismo constante o levou a buscar por meios para manter a estabilidade mental. Pesquisou na internet por como começar a meditar e iniciou um curso em um centro de estudos budista. Desde então, ele aprendeu a viver em outro ritmo.O caso de Rikelven é semelhante ao de outros baianos que também buscam na meditação um estilo de vida mais equilibrado. Em Salvador desde a semana passada, os monges zen-budistas Koho Mello e Daien, ministraram um encontro com entusiastas no último domingo, 6. Ambos são brasileiros e recém-chegados de Zurique, na Suíça, onde compartilham ensinamentos para uma vida mais simples e uma espiritualidade mais engajada.Rikelven esteve presente na reunião. “Foi incrível ver de perto essas figuras religiosas tão importantes”, conta. Na ocasião, os monges ofereceram ao público um contato com as práticas budistas e a aplicação no cotidiano. Durante as discussões, uma pauta pareceu urgente: como ser zen em meio ao caos.Antes de adotar o estilo de vida zen-budista, Koho Mello trabalhou por 18 anos em um banco. A rotina pesada foi o ponto de virada para que buscasse um caminho alternativo. “Eu era bem-sucedido, mas não me sentia feliz”, diz. Para ele, as situações de crise são boas oportunidades de mudança de rota. “Eu abri mão do meu sucesso externo por uma realização plena”.Opções conscientesA escolha dele exemplifica um ensinamento do monge para quem deseja ter uma rotina mais equilibrada. Para Koho, é preciso tomar conta da própria vida. “Mas, não naquele sentido de um egoísmo em que só se pensa em si mesmo”, explica. “É preciso fazer opções conscientes e não delegar nossas responsabilidades e opiniões para outras pessoas, cuidar de si é isso”.A monja Daien concorda com Koho. Para ela, o interesse das pessoas por uma vida que fuja das expectativas alheias já é uma maneira de atingir um nível diferente de consciência. “Essa maneira de perceber que o que eu faço por mim, de algum modo, também altera a vida do outro, faz parte do ímpeto de criar a diferença”, pontua.O ensinamento dos monges é colocado em prática por Rikelven. Ele admite que, depois de buscar pelo budismo, até mesmo as brigas em família diminuíram. “Eu estou menos nervoso, eu respiro, me controlo antes de responder em alguma discussão”.Especializada em terapia artística, a monja Daien trabalha com crianças em Zurique e explica que a impulsividade faz parte das ações humanas, mas que a observação da respiração poderia melhorar as relações. “Deveria ser ensinado nas escolas”.TecnologiaA hiperconexão promovida pela tecnologia atual pode servir de ponte para o conhecimento, mas, muitas vezes se transforma em gatilhos de ansiedade. É comum que, ao consumir conteúdos publicados em redes sociais, o sujeito alimente ciclos de comparação, sofra com o excesso de informação e uma constante sensação de urgência.A dualidade oferecida pelo uso das plataformas online e pelos aparelhos eletrônicos é uma boa ilustração de um princípio do budismo: o meio hábil. O monge Koho explica que o conceito se define como a capacidade de adaptar os ensinamentos e práticas espirituais de acordo com a situação, a compreensão e as necessidades de cada pessoa.”Nunca se teve acesso a tantas informações como agora, no entanto, as pessoas nunca estiveram tão aceleradas”, pontua Koho. “Essa tecnologia é como uma lâmina afiada: na mão de um cirurgião pode salvar vidas, na mão de um assassino, é letal”.Para ele, se faz necessária uma política que acompanhe a evolução da sociedade: “Não existe uma educação que caminhe ao lado do avanço tecnológico, o que é importantíssimo”. Por isso, é fundamental, ainda segundo Koho, que cada pessoa se torne um exemplo realizável de conduta.Ele explica que, a partir do momento em que se manifesta uma vida mais saudável, com relações respeitosas e uma atuação social que promova bem-estar, mais a tecnologia será usada com sabedoria.O estudante Rikelven lembra que, quando estava estudando para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), era um constante alvo de conteúdos de influenciadores com dicas para fazer uma boa prova. “Mas, aquilo só me pressionava mais”, diz. A relação do baiano com o celular melhorou depois que ele incluiu a meditação na rotina. Rikelven medita todos os dias, logo após acordar. O celular fica desligado ou serve de cronômetro durante a sessão.AutoconhecimentoPara o estudante, a meditação foi um encontro com uma paz que nem ele sabia que existia. “É um caminho de autoconhecimento”, diz. Rikelven reconhece que o primeiro contato com a prática não foi fácil.Ele custou a encontrar um lugar que oferecesse sessões gratuitas em Salvador, e, quando encontrou, demorou alguns dias até que se sentisse confortável fisicamente durante a meditação. “Eu tive dificuldade de me concentrar, de encontrar a posição em que o meu corpo se sentisse melhor”.Para a monja Daien, leva tempo até que a pessoa se adapte. O primeiro passo para quem deseja começar a meditar, de acordo com a monja, é buscar por um profissional que ajude na condução. “Procure um centro sério, que te passe confiança, e se entregue ao caminho”, diz.Inserir a meditação no dia a dia pode ser mais simples do que se imagina. “Observe as práticas no seu cotidiano em que você está presente, concentrado, entregue”, diz Koho. O monge se diverte ao falar que medita ao lavar louça todos os dias: “Eu relaxo, estou presente, sem julgar o que estou fazendo, enquanto limpo os pratos”.Dica:Retiro – O monge Koho e a monja Daien estão no Bahia para participar de um retiro que vai tratar sobre as memórias da escravidão no Brasil. O Círculo Zen Peacemakers Brasil vai percorrer locais importantes para a história da diáspora africana e a resistência dos quilombos em Salvador e cidades do Recôncavo Baiano. O retiro custa R$ 1.480 e será realizado entre os dias 29 de abril e 4 de maio. As inscrições são limitadas e podem ser feitas no site https://zpbr.org/
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