O abandono voluntário do Patrimônio Histórico na cidade do Rio de Janeiro

Novamente o desastre anunciado e planejado acontece na cidade do Rio de Janeiro. O relapso/descuidado voluntário da sociedade civil e das instituições públicas mais uma vez leva à recorrência de um problema político e econômico histórico: a conservação de imóveis históricos/patrimônio histórico e a fiscalização de estruturas urbanas e arquitetônicas em áreas urbanas.

Um casarão desabou na tarde da última quinta-feira (20/03/2025) na Rua Senador Pompeu, no centro do Rio de Janeiro, fazendo uma vítima que morreu ao ser atingida pelos escombros dentro de um carro. Em menos de duas semanas esse foi o segundo incidente. No último dia 8 de março, a fachada de outro prédio antigo desabou na Avenida Mem de Sá, também no centro da cidade, mas, nesta situação, não houve feridos.

Diante desse de acontecimento trágico, compartilho com os leitores um artigo que escrevi no ano de 2012 diante outro desastre que assolou a cidade do Rio de Janeiro escrevi algumas indagações que podem ainda serem atuais:
ATO ÚNICO

“O leite derramado”: o destrate carioca.

Enquanto centenas de pessoas vivem o pavor de terem perdido bruscamente seus parentes e os que sobreviveram buscam entender o que aconteceu e choram de alegria a sorte ou milagre de terem escapado milhões de pessoas assistem aliviadas, por não terem passado por aquela tal situação, e/ou solidárias, compartilhando a dor do outro ou a vontade de ajudar.

Tudo é mediatizado pela rapinagem midiática, que protegida pelo “discurso de utilidade pública e liberdade imprensa”, espetaculariza o evento, desrespeitando a dor e desespero de parentes e sobreviventes. O luto e o sofrimento deles são invadidos por uma explosão de imagens, explicações e especulações que se movem não tanto para esclarecer o “acontecimento”, mas sim para transformá-lo em foco de atenção do expectador, o que de certa forma banaliza o “drama” vivido pelas pessoas, fazendo dele uma mera “informação” a ser degustada no sofá de casa.

No caso do episódio do desabamento dos prédios do Rio de Janeiro (25/01/2012), entre imagens exclusivas e chocantes, histórias inusitadas de sobreviventes e as narrativas de dor de parentes fica novamente no ar, não sei se é visível para todos os expectadores, a
suspeita que o sujeito dessa tragédia não é nem “fatalidade” e nem mesmo o popular “Deus quis assim”, mas sim a negligência/imprudência brasileira.

Já nas primeiras tentativas de encontrar razões para o terror vivido se vê um jogo de empurra onde peritos, autoridades públicas, conselhos técnicos, órgãos fiscalizadores e proprietários do imóveis se esquivam da responsabilidade pública, fechando-se num bate- bola lamentável sobre quem fez ou não o que devia ser feito, quase transformando as vidas perdidas em mero detalhe das explicações do “acontecimento”. Entra em cena o gerundismo oficial do “já estamos providenciando ou averiguando”, anunciado por homens barbudos e engravatados, até que o evento cai no esquecimento do público e ninguém discute mais nada. Lembra do caso do Bonde do Rio(Agosto de 2011), desabamento do Edifício Palace 2(1998), de prédio em Salvador (Outubro de 2011), assim como das enchentes de dezembro de 2010(que se repetiram em dezembro 2011), dos acidentes de trânsitos, dos desastres ecológicos, das tragédias ligadas à violência e à
criminalidade e inumeráveis outros acontecimentos.

A cultura do “sabe-se que a coisa está errada, mas dá-se um jeito dela continuar funcionando” vigora na vida social brasileira. Mas quando o erro aparece ninguém sabe de nada. Cada envolvido diz que fez sua parte e a culpa recai para o lado mais fraco na cadeia de poder, lembrando o ditado popular. E infelizmente fica explícito que vidas foram perdidas não por ação das “forças do destino e da Natureza”, como querem muitas pessoas, mas pelo ciclo vicioso da negligência/imprudência, indiferença e conivência de partes do poder público e da sociedade.

Os ditados populares otimistas, mas conservadores, que dizem: “não adianta chorar pelo leite derramado” ou “jeito é seguir em frente” geralmente ditos nesses momentos para aliviar a dor e anunciar um tempo de renovação, acabam justificando aquilo que poderia ser evitado. Oras, se sabia dos erros e das suas consequências, por que não foram corrigidos? Talvez essa seja nossa maior tragédia, que se reproduz ad eternum, de secalar ante “o leite derramado”, não escavando as suas raízes, deixando a vida retomar sua normalidade, até que algo mais grave acontece ceifando mais vidas e alimentando os ganhos da imprensa. Enfim, não se discuti por que as políticas públicas, saberes técnicos e regulamentações públicas que podem poupar vidas não são cumpridas e democratizadas nesse país.

EPÍLOGO

Até quando a vida dos cidadãos será colocada em risco pela irresponsabilidade do poder público e pela inércia da sociedade? Quantas mortes serão necessárias para que a preservação do patrimônio histórico deixe de ser tratada como gasto e passe a ser vista como investimento em segurança, nas garantias do direito à cidade e na qualidade de vida urbana.

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