Marco das Três Fronteiras, história entrelaçada com a de Foz do Iguaçu

Marco das Três Fronteiras, história entrelaçada com a de Foz do Iguaçu

A história da América do Sul coloca Foz do Iguaçu no centro de seus acontecimentos. Em um deles, antes de a cidade ser cidade, recebe um dos obeliscos fronteiriços que, mais do que demarcador dos limites das terras nacionais, celebra desfecho amigável para contendas territoriais entre Brasil e Argentina.

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O marco brasileiro foi inaugurado em 1903, 11 anos antes da criação de Foz do Iguaçu, em 1914. Na mesma data, a estrutura com as cores nacionais foi instalada na outra margem do Rio Iguaçu, na Argentina, e, no Paraguai, junto ao Rio Paraná, fora erigido em 1961. Ficavam materializadas as Três Fronteiras ou os três marcos para os moradores da região.

A história do Marco das Três Fronteiras, portanto, mescla-se à própria trajetória da cidade, sendo o guardador de fatos singulares e epopeicos, como a passagem dos soldados que formariam a Coluna Prestes. Desde sempre, é um ponto procurado por moradores e turistas, contribuindo para o desenvolvimento do turismo como força econômica.

Marco das Três Fronteiras

Em 2024, por exemplo, o atrativo teve o melhor ano, ao receber mais de 450 mil turistas e quebrar o recorde de 2019. É o primeiro ponto turístico de Foz do Iguaçu a recuperar o movimento pré-pandemia de covid-19. Pessoas de 200 países já contemplaram as atrações do Marco nos últimos anos.

A marcha do tempo e a força do turismo do Marco das Três Fronteiras não estão apenas entrelaçados com Foz do Iguaçu e a paisagem fronteiriça. A história do espaço, repleta de fatos e personagens, também está enredada com a vida de uma família: os Farias.

Em 1967, Gilvan e Maria Claudina chegaram ao Marco das Três Fronteiras – foto: Família Farias/arquivo

Em 1967, o casal Gilvan e Maria Claudina – ela grávida – chegou ao Marco das Três Fronteiras. Gilvan fora transferido de cidade, pois a autarquia federal Portobras, na época, estava adquirindo parte das terras pertencentes à Madeireira Amambai, a fim de construir um porto intermodal no Rio Iguaçu.

Loja na fronteira trinacional

Precisando trabalhar, Maria Claudina, com dinheiro emprestado pela mãe, construiu um pequeno quiosque no Marco das Três Fronteiras para venda de suvenires, aberto em 1970. Quatro anos depois, implantou melhorias no comércio, para acompanhar o movimento crescente devido à chegada da Itaipu Binacional.

Até 7 de setembro de 2015, a área do obelisco verde e amarelo que está inscrito na geopolítica latino-americana foi a residência e o comércio do casal e seus três filhos: Tônia Claudia, Gilvan Augusto Júnior e Antônio Gil. O ano corresponde ao período em que a prefeitura decidiu empreender outro modelo de concessão turística.

O espaço é vital para a integração e o desenvolvimento do turismo – foto: Família Farias/arquivo

“Durante muitos anos, eu me senti guardiã do local, preservando sua natureza, o meio ambiente, o bem das pessoas que visitavam o local”, resgata Maria Claudina de Faria, 76, hoje aposentada. “Significa um local de grande valor sentimental e financeiro, pois, por muitos anos, foi dali que tirei meu sustento”, descreve a sua relação com o Marco.

Na loja, eram comercializados itens como lembranças do atrativo, bonés, postais, chaveiros, camisetas e outros produtos. “Nosso atendimento era diferenciado, familiar, contribuindo para o local se tornar conhecido no mundo inteiro”, sublinha.

Os filhos reforçam essa memória afetiva. “Consegui me libertar da conexão emocional que tinha com o lugar. Mas durante muitos anos ele foi minha principal fonte de inspiração. Tudo o que eu realizava precisava ter um significado especial. Quando cursei magistério, meu projeto de estágio foi baseado no Marco das Três Fronteiras, que se tornou o tema central das minhas aulas. Fizemos, ao final, até uma maquete”, rememora a professora Tônia de Farias, 56.

Marco como o ‘quintal de casa’ para os filhos de Gilvan e Maria Claudina – foto: Família Farias/arquivo

Antônio Gil Augusto de Farias, 53, servidor público municipal, enfatiza que o Marco foi o espaço em que cresceu e trabalhou por anos. “Muito da experiência que tenho é devido aos momentos em que vivi ali. Tento usar essa experiência em todos os momentos atuais de minha vida.”

Novela Vale Tudo no Marco

Convidada a relembrar as personalidades que passaram pelo Marco das Três Fronteiras, em seu tempo, a família cita nomes como o do apresentador Faustão, Lula, hoje presidente, e a atriz Rosa Maria Murtinho. A lista prossegue com políticos, empresários e artistas de renome.

O destaque fica para as filmagens da novela original Vale Tudo, que trouxe ao Marco das Três Fronteiras atores e atrizes do quilate de Regina Duarte. A produção da Rede Globo está estreando um remake da trama, em que os primeiros capítulos têm Foz do Iguaçu como cenário.

Três gerações: Tônia, Maria Claudina, Rebeca e seu pai, Antônio – foto: Família Farias/arquivo

A dona Maria Claudina se lembra de um evento que marca a memória dos iguaçuenses que estão na faixa dos 60 anos. Em 1985, o RockFoz foi promovido a 200 metros do Marco, reunindo bandas nacionais em um ambiente icônico, as três fronteiras do Brasil, Paraguai e Argentina.

Em tempos de selfies e registros instantâneos sem parar, ela fornece uma componente que revela mudanças sociais. “No caso da visita de Lula, foi fornecida uma foto pela pessoa que o acompanhava, mas não tínhamos o hábito de registrar imagens dos visitantes, algo que se tornou comum atualmente”, frisa.

Sem ponte, travessia de barco

No Marco das Três Fronteiras, nos últimos anos do negócio mantido pela família, a atividade era a loja de artesanato e conveniência. Porém, durante períodos anteriores, houve atividade de restaurante, lanchonete e confecção de suvenires. A prioridade dos empregos era para os moradores vizinhos, do Grande Porto Meira.

O perfil do turista que visitava o Marco, de acordo com Maria Claudina, era formado de pessoas interessadas em conhecer Foz do Iguaçu integralmente e que gostavam do contato com a natureza. Algo que não mudou. Os mistérios e curiosidades do lugar, bem como o pôr do sol diferenciado, já faziam sucesso. “Tivemos turistas do mundo inteiro, com temporadas de argentinos, brasileiros, chilenos, europeus e chineses.”

 Construção do Espaço das Américas, que fica junto ao Marco – foto: Família Farias/arquivo

A empresária rememora o período de movimento intenso na região do Marco, quando ainda não havia a Ponte Internacional Tancredo Neves. Assim, a travessia de fronteiriços e turistas entre Brasil e Argentina era feita por embarcações, do Porto Meira para Puerto Iguazú. No local de embarque e desembarque, rio acima em relação ao obelisco, era um vaivém diário, contando com até com bondinho a câmbio.

“Essa foi uma época muito boa, de bastante movimento, que ajudou no desenvolvimento de Foz do Iguaçu”, contextualiza. “Fizemos uma linda sinalização, uma placa enorme pintada com o Marco das Três Fronteiras na passagem do Porto Meira, que chamava muito a atenção das pessoas que vinham do Brasil e de outros países”, lembra Maria Claudina.

Veio a ponte Brasil–Argentina, na primeira metade da década de 1985, resultando na redução drástica de turistas na região. Os Farias precisaram buscar alternativas para responder à nova realidade econômica da fronteira. Surgiu a produção de suvenires vendidos para outras lojas de artesanato.

Turismo e integração

Mãe e filhos, que conhecem cada palmo do Marco das Três Fronteiras, expõem a importância do atrativo para o turismo e o desenvolvimento de Foz do Iguaçu. “Dele saiu o nome da cidade, com o Rio Iguaçu, totalmente paranaense, tendo no lugar sua foz. Um local de grande importância histórica e geográfica, único no Brasil, fronteira dividida por rios, com uma vista linda. Importância gigantesca”, opina Tônia.

Maria Claudina endossa o valor da paisagem e área geográfica para Foz do Iguaçu e a região trinacional, que foi ganhando espaço e destaque com o tempo, lembrando que o lado brasileiro segue sendo o mais visitado. Ela celebra o Marco das Três Fronteiras com um poema:

Marco que marca
Fronteira e vidas
Marca a minha
Marca a sua
E a de quem passar por aqui
Marca os namorados
E os enamorados pela vida
Marca a presença de Deus
Que quer nos mostrar
Que tanto faz
Brasileiros, argentinos ou paraguaios
Somos todos iguais
Filhos amados do mesmo Pai.
Marco que marca lições de vida
Marco de todos nós.

Poesia de Maria Claudina de Farias escrita em 2003 em comemoração aos 100 anos do obelisco.

Já Antônio Gil amplifica o significado histórico do Marco para a cidade. “Representa o reforço da colonização desta região e a ocupação pelo governo brasileiro. Historicamente e geograficamente, os marcos representam a soberania de cada país e simbolizam os tratados que dividem a fronteira entre os países.”

Madeiras do Marco para o rio

Em sua teia de memórias, Maria Claudina resgata que, ao chegar a Foz do Iguaçu, era apenas o Marco, uma madeireira, casa de operários e um deslizador na frente do obelisco para a madeira descer o barranco e cair direto dentro dos barcos. Era a Madeireira Amambai, frisa.

“Ao redor só tinha isso mesmo. Um pouco acima, ficavam as casas dos trabalhadores da madeireira”, elenca. “Era conhecido como ‘Marco’, só. Com o tempo passou a ser chamado de Marco das Três Fronteiras. Foram 48 anos de divulgação que mudaram o nome. O marco nem era pintado quando cheguei.”

Missal campal pelo centenário do Marco das Três Fronteiras – foto: Família Farias/arquivo

Nas celebrações de 100 anos, houve missa campal em que foram ofertadas 100 orquídeas aos participantes, que foram devolvidas à natureza. O bispo Dom Olivio Aurélio Fazza tinha o Marco das Três Fronteiras como um de seus lugares favoritos para apreciar a natureza, revela. Entre outras curiosidades, diz que uma lenda provocava imaginações, ao alimentar que um tesouro estava enterrado no Marco.

O último dia de trabalho da família no Marco das Três Fronteiras está marcado na memória de Antônio Gil. Isso porque, em 7 de setembro de 2015, uma chuva de granizo devastou casas e comércios no Porto Meira. A previsão era trabalhar até o dia 10 de setembro, mas devido ao temporal o fechamento da loja foi antecipado. “Minha mãe, que residia na casa que existia no local, teve que se mudar, pois o imóvel ficou sem condições”, conta.

Já Tônia reporta a vinda da equipe de uma revista do Japão, que tirou uma foto sua. “Depois de um tempo, algumas pessoas de lá vinham visitar o Marco e mostravam a revista com a minha foto. Deveria ser de turismo, só sei que fiquei famosa por lá”, diverte-se a professora, demonstrando que o turismo de Foz do Iguaçu não tem fronteiras.

Testemunha da passagem dos anos no Marco, Antônio Gil lembra que, durante a vida da família no local, foram plantadas muitas espécies de árvores e houve a recuperação da vegetação do entorno.

O obelisco brasileiro foi inaugurado em 1903 e representa a boa convivência com os vizinhos – foto: Acervo/Marco das Três Fronteiras

“Existe um ipê-roxo bem grande a uns 20 metros do Marco, próximo de onde ficava a loja, o qual foi meu pai quem plantou na década de 1970”, pontua. “Fica muito bonito na florada. Como o solo no local era muito rochoso, ao plantar as árvores, tinha que colocar um bom substrato para as árvores vingarem”, termina Antônio Gil, confirmando que a história de um território só se materializa com memórias que são, sobretudo, humanas.

Marco hoje

O Marco das Três Fronteiras é um lugar para visitar, conhecer e viver momentos especiais. O atrativo, gerido pelo Grupo Cataratas, abre para visitação de terça-feira a domingo, das 13h30 às 21h. O local abriga restaurantes, quiosques e praças que garantem vivências e lembranças inesquecíveis.

Acesse: marcodastresfronteiras.com.br.

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 Marco é um dos principais atrativos turísticos de Foz do Iguaçu – foto: Marcos Labanca/H2FOZ

História e memória

Gilvan Augusto de Farias (pai): transferido de Foz do Iguaçu pela Portobras em 1982 (já separado de Maria Claudina), foi trabalhar em Presidente Epitácio, posteriormente morando em Marília, onde faleceu em 2018. As duas cidades são em São Paulo.

Maria Claudina: morou e teve comércio no Marco das Três Fronteiras de 1967 a 2015. Aos 76 anos, reside em Foz do Iguaçu, é aposentada e participa de atividades na igreja católica do Porto Meira.

Tônia (filha): residiu por muitos anos no Marco, onde trabalhou de 1986 a 2015. Mora na cidade e é docente concursada na rede municipal de ensino iguaçuense.

Antônio Gil (filho): residiu no Marco das Três Fronteiras, local em que trabalhou de 1987 a 2015. É agente fiscal de preceitos concursado da prefeitura e recebe turistas por meio de locação via Airbnb.

Gilvan Jr. (filho): morou até 1986 no Marco, seguiu a carreira militar como oficial do Exército, atualmente está na reserva e reside em Campo Grande (MS).

Reportagem realizada a partir de entrevista gentilmente cedida ao H2FOZ pela família Farias, por meio de respostas a perguntas previamente elaboradas, respondidas em conjunto, na forma de texto, por Maria Claudina, Antônio Gil, Tônia Claudia e Rebecca de Farias (neta de Maria Claudina).

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