Em março de 2025, o governo federal lançou o III Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PLANSAN) A iniciativa envolve 24 ministérios, reunidos na Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN) e o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA).
O PLANSAN é considerado como o principal instrumento da política nacional de segurança alimentar e foi instituído em 2010 (Decreto nº 7.272), quando foram previstas diversas ações do governo federal com o objetivo de “respeitar, proteger, promover e prover o Direito Humano à Alimentação Adequada para todas as pessoas”. Ele faz parte dos marcos legais e institucionais estabelecidos entre 2003 e 2010 de promoção da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN).
Quais são seus antecedentes? Desde o primeiro governo Lula (2003-2006) assumiram-se compromissos com relação ao combate à fome e à miséria e com a promoção da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) como política de Estado. Daí surgiram os Programas Fome Zero em 2003 e em 2004, o Bolsa Família.
Mas houve antecedentes. Em 1993, no governo Itamar Franco (1992-94), criou-se a Política de Segurança Alimentar, cuja proposta era o Plano Nacional de Combate à Fome e à Miséria, com o apoio do movimento Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida, liderado pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho.
Outra iniciativa importante foi à criação, em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), do Programa Comunidade Solidária, um programa supraministerial, organizado pela Secretaria Executiva e pelo Conselho Comunidade Solidária.
Um aspecto relevante desse processo é que, durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, o Conselho Comunidade Solidária priorizou a incorporação do setor privado, com e sem fins lucrativos, na elaboração e implementação de projetos não limitando a responsabilidade apenas ao Estado.
No entanto, a segurança alimentar e nutricional como agenda pública e obrigação do Estado, consolidou-se nos governos de Lula, retomada agora com o III Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, assim como ocorreu com os programas Fome Zero e o Bolsa Família, este último a principal política social do governo. Sua estratégia foi a de atuar como um programa de garantia de acesso à renda, visando à inclusão social e tem sido fundamental para melhorar as condições de acesso aos alimentos pelas famílias mais pobres e vulneráveis à fome.
Nos dois primeiros governos de Lula, realizaram-se duas Conferências Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional: em 2004 (a 2ª) e em 2007 (a 3ª). A primeira foi realizada em 1994, a 4ª em 2011, a 5ª em 2015, no governo de Dilma Rousseff, e a 6ª em 2023, novamente no governo Lula. Trata-se de um encontro nacional, com participação de especialistas e representantes dos estados, envolvendo ampla discussão e apresentação de propostas a serem implementadas.
O decreto de 2010 estabeleceu os parâmetros para a elaboração do I Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, referente aos anos de 2012-2015. Criado pela CAISAN, o plano continha um conjunto de ações, 38 objetivos e 144 metas. Embora nem todos tenham sido conforme planejado, as políticas públicas de combate à fome e a pobreza resultaram, em 2014, na saída do Brasil do Mapa da Fome (um país entra nesse mapa quando mais de 2,5% da população enfrenta falta crônica de alimentos).
Como resultado dações do I Plano Nacional, houve o aumento do impacto do Programa Bolsa Família na redução da pobreza e extrema pobreza. Foram incluídas 800 mil novas famílias no programa, amplio-se o acesso dos beneficiários aos serviços assistenciais e, em 2013, o programa possibilitou que 22,1 milhões de pessoas superarem a pobreza extrema, além da inclusão de 887 mil famílias extremamente pobres no Cadastro Único, 87 mil a mais do que o previsto.
Com o impeachment (golpe) da presidenta Dilma Rousseff em 2016, no governo de Michel Temer (2016-2018), o país voltou ao Mapa da Fome, onde permanece desde então.
A desigualdade aumentou. Em 2017, aprovou-se uma reforma trabalhista que, entre seus objetivos, prometia “aquecer o mercado”. Não houve aquecimento, nem geração de empregos prometidos, e o que se viu foi o aprofundamento das desigualdades.
Um aspecto importante na elaboração dos Planos é que uma ampla discussão com órgãos competentes, ministérios e representantes de entidades da sociedade civil visando a ações que contribuam para o combate à fome, à pobreza e à miséria em um país historicamente marcado por grandes contingentes de pessoas em situação de vulnerabilidade. Embora o governo tenha declarado ser essa uma de suas prioridades, com políticas públicas e envolvimento de vários ministérios, não conseguiu tirar o país do Mapa da Fome nos dois primeiros governos de Lula (2003-2010), o que só ocorreu em 2014, por um breve período, até 2017. Isso evidencia a complexidade do problema, que não se resolve em curto prazo.
Há aspectos históricos envolvidos, como a concentração de terras e de riqueza, que não se resolvem facilmente e não dependem apenas da vontade política ou de ações pontuais. No entanto, é importante destacar que, pela primeira vez, o combate à fome a à pobreza tornou-se parte da política macroeconômica brasileira, consolidando-se como uma política e um sistema de segurança alimentar e nutricional. (Para isso foi necessário construir um novo marco legal e institucional).
Programas como o Bolsa Família, apesar do impacto nas rendas das famílias mais pobres não garantem à população todos os seus direitos sociais, que vão além da transferência de renda.
Planos, porém, não bastam se não forem implementados, limitando-se a intenções. Foi o que ocorreu com o II Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, previsto para o período de 2016-2019. A desigualdade cresceu desde 2014, e ações efetivas de combate à fome, à pobreza e à miséria não foram desenvolvidas. Um estudo publicado em 2019 pela Fundação Getulio Vargas, A escalada da desigualdade. Qual foi o impacto da crise sobre distribuição de renda e pobreza? utilizando dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio Contínua (PNAD), mostrou que, do 4º trimestre de 2014 até agosto de 2019, a metade mais pobre da população perdeu 17,3% de sua renda, enquanto a classe média empobreceu 4,16%. Já os 10% mais ricos tiveram aumento de renda, e, dentre estes, o 1% mais ricos obteve um ganho 10,11%.
Este é o grande desafio do III Plano Nacional, apresentado este ano para ser desenvolvido entre 2026-30, de contribuir para a saída do país do Mapa da Fome e garantir o direito humano à alimentação adequada.
Mais, é importante salientar, o fato de não apenas o envolvimento de 24 ministérios, como da participação da sociedade civil nesse processo. E considerando que em 2023 houve uma redução de 33 milhões para 8,7 milhões de pessoas em insegurança alimentar grave no país (Um contingente ainda muito expressivo de pessoas, mas um avanço em relação aos anos anteriores), fica a expectativa da continuidade de programas de combate à fome, a pobreza e a miséria com a implementação das ações e medidas previstas no Plano, com 18 estratégias intersetoriais e 219 iniciativas, entre elas o que chama de transição agroecológica, que tem como propósito o de privilegiar a produção de alimentos saudáveis e para isso é de fundamental importância políticas efetivas de combate ao uso de agrotóxicos para a produção agroalimentar, através do Programa Nacional de Redução de Agrotóxico (Pronara) e, como principal objetivo, tirar mais uma vez o país do Mapa da Fome.
E para isso é fundamental mudanças estruturais, como maior distribuição de renda, menos concentração fundiária e de riqueza e entre medidas importantes, uma reforma agrária popular, como a preconizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que busca “uma mudança estrutural na relação com o acesso a terra, os bens da natureza, modos de produção e organização comunitária camponesa”. (https://mst.org.br/2021/07/16/o-que-e-o-programa-de-reforma-agraria-popular-do-mst/).
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