Sobre uma terça-feira de coisas importantes (como Justiça, Democracia, Futebol e porrada)

Terça-feira 25 de março do ano de Nosso Senhor de 2025 ou ano 468 da deglutição do Bispo Sardinha, como queria Oswald de Andrade, afinal, somos todos antropofágicos, ou deveríamos ser. Terça-feira de muitas emoções (aí já é Roberto Carlos) no Brasil, com o início do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo STF por tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes, e também futebol com Brasil x Argentina em jogo decisivo da eliminatória sul americana para a Copa do Mundo de 2026.

Comecemos pelo futebol, que como dizia o treinador italiano Arrigo Sacchi, “é a coisa mais importante dentre as coisas menos importantes”. Como sabemos, a seleção brasileira vive há tempos uma lua de fel com torcedor brasileiro, com a perda seguida de copas e torneios, futebol sofrível, falta de garra e jogadores que até são craques em suas equipes na Europa, mas que com a camisa amarela (ops) parecem um amontoado de gente que não sabe o que fazer com sua excelência, a bola.

Contudo, eis que às vésperas de um jogo contra a Argentina, maior adversário do Brasil, em Buenos Aires, o meia atacante Raphinha, que brilha intensamente no Barcelona como artilheiro e está sendo considerado para a bola de outro de melhor do mundo nesta temporada, se permite ir a um programa de entrevistas do ex-craque e senador Romário, conhecido por não ter papas na língua e ser marrento, e após uma provocação diz que “tem que descer a porrada nos argentinos mesmo”. Foi o suficiente para o circo pegar fogo nos dois países hermanos. Na Argentina técnico e jogadores minimizam a fala, mas a mídia debochou dela, registrando as situações opostas das duas seleções: a platina lidera com folga as eliminat´porias sendo atual campeã da América e do Mundo enquanto a brasileira vem colecionando vexames e oscila entre terceiro e sexto na tabela.

No Brasil, pelo menos nas famigeradas redes sociais percebi que muita gente apoiou Raphinha, confundindo “dar porrada” (o que gera expulsão e briga, claro) com uma raça que está em falta na seleção, atribuindo à falta desse sentimento a situação da “canarinho”. Ou seja, para muitos torcedores o problema não está na falta de um técnico estrategista, de um sistema de jogo, de postura profissional, de treinamento, de foco, mas sim na “falta de dar porrada”. Mais que sobre futebol, isso fala muito sobre o Brasil de hoje.

O que nos leva a outra “cultura da porrada”, que é a tentativa de golpe de estado pelo qual Bolsonaro começou a ser julgado nesta terça, a partir de denúncia da PGR. Tomar o poder à força para abolir o Estado Democrático de Direito é crime, claro, assim como todos os atos dentro disso, seja vandalizar uma estátua pública (ainda que com um batom) seja defecar em prédios públicos. Tudo crime. Mas é preciso registar a necessidade de se punir o possível líder deste golpe, ou pelo menos seu incitador e maior beneficiado, o Messias chamado de “mito”, que durante meses produziu provas contra si mesmo.

Lembrando que tentativa de golpe é crime porque, se o golpe for bem sucedido, não haverá quem o julgue, posto que judicipário e adversários do golpista vencedor são cassados, presos, banidos ou mortos. Como foi na ditadura militar de 1964. E como aconteceu na sangrenta ditadura argentina, cujas feridas ainda são expostas e purgadas pelos hermanos.

Assistiremos, então, a um julgamento histórico, de um ex-presidente que não reconheceu a derrota nas urnas e conspirou para tomar o poder à força. Que tenha direito a defesa e que o trâmite cumpra os ritos, direitos que não foram dados a Lula, por sinal.

E acima de tudo: sem anistia.

E boa sorte no jogo de hoje, Raphinha. Depois da bobagem dita, você vai precisar.

Em tempo: em 16 de junho de 1556, os caetés devoraram o primeiro bispo do Brasil, dom Pedro Fernandes de Sardinha, e mais 90 tripulantes que naufragaram com ele na região. Em consequência da ação contra o bispo, os indígenas foram extintos em cinco anos de batalhas determinadas pelo governo português e apoiadas pela igreja.

Só a antropofagia nos une.

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