À Sua Espera: um filme potiguar sobre o peso da solidão e do tempo no universo feminino

A Rabicó Produções, produtora audiovisual criada na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), está prestes a lançar mais um projeto independente. Produzido, gravado e editado em três meses, o curta-metragem “À Sua Espera”, dirigido por Jade Cunha e Ana Clara Ribeiro, explora a inércia de uma personagem feminina diante de um desejo incerto. A trama do filme gira em torno de uma mulher que espera indefinidamente por algo ou alguém que nunca chega. A ausência física do personagem masculino reforça essa sensação de imprecisão e incerteza.

Em entrevista à Cultue, as duas diretoras compartilharam alguns detalhes sobre como foi pensada e construída a obra, que retrata o peso do tempo em um ciclo de solidão à procura daquilo que pode nunca chegar.

Para Jade, que além da direção, assina o roteiro do filme, a produção relaciona a história à sua própria vivência enquanto travesti. “Essa questão de ela estar sempre esperando por algo e não ter essa atitude de colocar em prática, eu relaciono muito com minha transição. O meu processo de me entender como pessoa trans era sempre de ceder. Eu entendia que era mulher, mas ficava pensando que não estava pronta para viver minha vida assim. E aí, quando eu percebi, estava presa nesse ciclo de nunca começar. Então, decidi sair disso e fazer o que eu mereço”, comenta.

Membro da Rabicó desde a criação, o curta marca a estreia de Jade como diretora. “Era o que eu sempre quis fazer, dirigir um filme. E era uma ideia minha, eu já tinha referências para isso. Não ia deixar essa oportunidade passar”.

O curta foi um trabalho idealizado, dirigido e sobre mulheres, o que traz uma perspectiva e abordagem profunda de algo que é idealizado e imposto ao feminino – aguardar a figura do homem – reforçando mais ainda o conceito de submissão da mulher diante de uma figura masculina, como explica Ana Clara. “O gênero é bem importante. Ela é uma mulher esperando por um homem. Se fosse um homem esperando por uma mulher não seria a mesma coisa. E ela acaba que ela tá nesse lugar de passividade e de estar esperando por esse homem que não chega […] Ao mesmo tempo que ela sente tudo isso, ela se encontra nesse papel de esperar e não tomar uma atitude a respeito”.

Ana Clara explica que havia uma preocupação em passar a sensação do tempo se arrastando e a espera angustiante. “A gente queria que as pessoas sentissem o peso do tempo que a personagem está vivendo. O tempo, para ela, não passa da mesma forma que para os outros. É um tempo que se arrasta, que se prolonga, justamente porque ela está sempre esperando por algo que não sabe se vai chegar […] tentamos realmente explorar o íntimo dessa personagem, que eu acho que é um outro ponto que dá, reforça essa ideia de solidão dela”, comentou.

A forma como o cotidiano da protagonista é retratado no curta coloca em evidência o desgaste do tempo, representado por uma narrativa e planos longos que buscam mostrar o impacto da espera.

Ana Clara explica que a ideia de explorar esses planos longos veio da vontade de transmitir o “peso do tempo” e como ele é percebido pela protagonista: “A gente queria que o público sentisse na pele o tempo arrastado que a personagem vive, que ele passasse mais devagar para ela, justamente por ela estar sempre criando expectativas a respeito dessa pessoa. O tempo vira uma espera angustiante”, conta.

A obra é um trabalho muito pessoal para ambas as diretoras. O significado que o filme carrega, no entanto, evoluiu desde sua concepção até a versão final. “Antes do filme, nossas interpretações eram uma coisa, mas agora que está pronto, a nossa percepção mudou. Isso é algo que me deixa ansiosa para ver como o público irá interpretar […] a gente ficou muito feliz e muito surpresa até por ter criado esses novos significados que a gente não esperava que fossem surgir depois da montagem e da finalização.”, afirma Ana.

A previsão de estreia de “À Sua Espera” é para o próximo bimestre em festivais regionais e universitários, e promete ser uma obra que dialoga tanto com questões íntimas quanto com um imaginário coletivo, trazendo um novo fôlego ao cinema independente de Natal.

Produtora Rabicó

A Rabicó nasceu em março de 2022, por consequência de um trabalho acadêmico que exigia o desenvolvimento de uma produtora e a confecção de um curta-metragem. A proposta, inicialmente voltada à disciplina de TV I, ultrapassou os limites da sala de aula e perdura até hoje.

O nome do coletivo, por sua vez, surgiu de uma situação um tanto quanto tragicômica. Em um encontro na universidade, os membros do grupo se depararam com um soldadinho morto, que foi nomeado de”Rabicó”, e assim, esse foi o título escolhido para a produtora.

Até o presente momento, antes do lançamento de “À Sua Espera”, a Rabicó lançou três curtas: Venha ver o pôr do sol (2022); FurtaCor (2023), Angélica e Luciano (2023). Foi FurtaCor o primeiro deles a ser exibido em outro estado, quando foi transmitido, inicialmente, durante o Festival de Cinema Jaraguá do Sul (Santa Catarina).

Adicionar aos favoritos o Link permanente.