Editora Cosac traz Nísia Floresta em livro escrito por potiguar

Se você é potiguar, provavelmente já ouviu falar de Nísia Floresta (1810-1885). Mas, a partir de abril, mais do que conhecer essa história “por cima” será possível mergulhar no universo no qual a escritora viveu. No livro “Viajantes de Saias”, que será lançado em abril pela editora Cosac, a também potiguar Ludmila de Souza Maia traça um paralelo entre as vidas de Nísia e da escritora francesa Adèle Toussaint-Samson (1826-1911).

Queria entender como era ser mulher e escritora no século XIX, fiz graduação e mestrado sem nunca ter ouvido falar de escritoras do final do período Imperial, tinha ouvido falar de viajantes inglesas, mas nenhuma brasileira”, revela.

O livro é dividido em três partes. Primeiro vem o despertar para a escrita e a dificuldade em ter acesso ao estudo, quando Ludmila investiga como era possível se tornar escritora e publicar no século XIX no Brasil e a outra na França.

Em 1849, por coincidência, elas cruzam o atlântico. A francesa vem para o Brasil e Nísia vai para a Europa. Era uma sociedade iletrada, se letrar já era difícil e as famílias procuravam educar os homens, educar mulheres não era interessante. Só a partir de 1840 que começam a surgir os primeiros colégios para moças, a proposta era treiná-las para o casamento. Também havia o discurso de que mulheres eram biologicamente inferiores e que elas eram incapazes. Ser pessoa pública era algo negativo, elas poderiam até se educar, mas não ser públicas, isso era mal visto, poderiam afetar a honra. Uma vez que escreviam e publicavam, as obras eram julgadas por características externas à obra, como a honra”, detalha Ludmila, que é doutora em História Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e pela Rice University (Houston, EUA). Atualmente, a potiguar realiza pós-doutorado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Ludmila Maia I Foto: cedida

Na segunda parte do livro o foco está na literatura de viagem que Nísia e Adèle passam a produzir, e como as viagens mudam seus modos de ver o mundo e de escrever sobre ele.

Já a terceira parte do livro é a mais longa, quando Ludmila expõe as contradições das escritoras, tanto a brasileira quanto a francesa.

“Elas viajavam quando isso não era comum, mas também reforçavam os papéis esperados das mulheres no período. Elas se construíam como mulheres honradas, mães e esposas em movimento. Faziam viagens transgressoras, mas reforçavam estereótipos da época. Transgrediam dentro do manto da domesticidade. Elas viveram muito para os padrões da época, Nísia morreu aos 75 anos e Adélia com 91. Elas pensaram sobre o envelhecer e escreveram sobre homens da família numa tentativa de se imortalizar na história, acabam falando mais delas ao escreverem os livros”, adianta Ludmila Maia, que explica que a intenção não foi escrever uma biografia, mas investigar a vida das duas escritoras e as contradições de seu tempo.

Estava fazendo doutorado sobre personagens femininas e quando estava preparando o projeto, recebi a biografia de Nísia. Conheço o município e a única coisa que sabia dela é que era poetisa, quando li a biografia achei interessante e chocante porque nunca tinha ouvido falar daquelas coisas, nem os professores e colegas da Unicamp, apesar de estar em centro de excelência. Quando comecei a pesquisar descobri um dicionário de escritoras brasileiras, além de outros títulos. Não queria uma biografia, mas a experiência de mulheres no século XIX, mesmo assim, ainda é muito biográfico, ao mesmo tempo que reflete sobre as mulheres contemporâneas. Queria saber como era o tempo dela, como se fizeram quando havia outras mulheres como elas. Nísia se constrói como grande mulher, como pioneira, embora não fosse. São figuras incríveis, escrevem muito e publicam muito, mas ao mesmo tempo pertencem àquele tempo. São mulheres com contradições a oferecer”, finaliza Ludmila.

Série Crioula

Jean-Baptiste Debret, “Negra com tatuagens vendendo cajus”, 1827, Aquarela.

Após retomar suas atividades em 2024, a Cosac consolida em 2025 a proposta de construir um catálogo renovado, mantendo sua marca registrada na originalidade, no cuidado editorial e na excelência gráfica. As áreas de publicação incluem literatura, artes, história, cinema, teatro, fotografia, ensaio e crítica, entre outras categorias.
Para inaugurar sua nova fase, a Cosac lança a Série Crioula, que busca dar visibilidade a trabalhos singulares baseados em fontes documentais expressivas sobre a História do Brasil no período entre os séculos XVI e XIX, lançando luz sobre aspectos de nossa sociedade muitas vezes esquecidos ou intencionalmente ignorados. As edições, no formato brochura, contêm rica iconografia em cores e incluem amplas referências documentais e historiográficas.

Livros da série Crioula

Os cinco primeiros volumes abarcam temas variados. Mulheres escravizadas que se tornaram libertas e ficaram ricas, santas e santos pretos cultuados pela população colonial do Brasil, o transtorno decorrente da Visitação da Inquisição portuguesa à Bahia no início do século XVII, mulheres escritoras que produziam e viajavam por várias partes do mundo publicando seus textos, e as milhões de baleias caçadas e desmanchadas por baleeiros estadunidenses e brasileiros no século XIX, para delas extrair óleo para iluminação e outras riquezas.
Os títulos são: Sinhás pretas, damas mercadoras, de Sheila de Castro Faria (Universidade Federal Fluminense – UFF); Segunda visitação da Inquisição à Bahia (1618-1620), de Angelo Adriano de Faria Assis (Universidade Federal de Viçosa) e Ronaldo Vainfas (UFF e Faculdade de Formação de Professores da UERJ); Devoção negra, de Anderson José Machado de Oliveira (UNIRIO); Viajantes de saias, de Ludmila de Souza Maia (Unicamp; UERJ); e Caçadores de baleia, de Wellington Castelucci Junior (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia).
Com organização de Sheila de Castro Faria, a Série Crioula reúne historiadores oriundos de instituições acadêmicas de todo o país, com pesquisas e estudos sobre as peculiaridades de nossa experiência histórica. Daí a opção pelo nome “crioula”, cuja etimologia remonta ao verbo latino “creare” (criar), termo que traz como acepções primárias “aquilo ou aquele que não vem de fora”, ou “que é nativo do local de quem fala ou escreve”, enfatizando a produção acadêmica nacional.

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