“Afirmar nossa estética é celebrar nossas vitórias”, diz Lázaro Ramos

‘Essa nossa conversa será em homenagem a ela, que sempre me fez sentir confiante, nunca me fez sentir inferior e sempre me mostrou o que eu tinha, e assim me estimulou a voar. Sei que este começo é duro de ler, mas decidi que, no final deste livro, oferecerei a você um caminho mais luminoso para nós, humanos errantes… com licença, minha mãe, vou começar mais uma viagem. Te amo profundamente’ (trecho do livro Na Nossa Pele).Ator, apresentador, diretor e escritor, o baiano Lázaro Ramos, cria do Bando de Teatro Olodum, é nitidamente um artista inquieto. Além de filmes, novelas e séries, Lazinho, como é mais conhecido entre os amigos, também atua com afinco na literatura.Na Nossa Pele, seu mais novo livro, na verdade um desdobramento da publicação anterior, Na Minha Pele, também de sua autoria, será lançado hoje, às 15h, na livraria LDM, do Vitória Boulevard (Corredor da Vitória).Nesta nova obra, dedicada sobretudo à sua mãe, dona Célia Maria do Sacramento, que faleceu quando ele ainda era adolescente, Lázaro entrelaça fatos de sua vida íntima com reflexões sobre o ofício de artista, além de tratar de temas como pautas raciais, emancipação e mobilidade social.“Me lembrei que a minha mãe, quando eu estudava de noite, fazia teatro de vez em quando e que isso a deixava plena. Ela tinha um lugar para se comunicar, tinha voz e como isso era importante. Aí minha mãe foi dominando [meus pensamentos] e virou esse livro. Porque, em algum momento, as minhas memórias com a minha mãe tinham a ver mais com dor”, conta Lázaro.E complementa: “eu pensei: não é justo olhar pra ela somente assim, então eu fui olhar minha mãe por completo. A história de uma mulher que estava parcialmente contada no primeiro livro e acho que nesse eu sou mais justo com ela, porque falo dos desafios, mas falo também do poder e da beleza que ela tinha”.Estética afirmativaJá disponível para compra nas mais importantes livrarias físicas e virtuais, o livro traz uma questão crucial: será que a população negra já alcançou toda a sua plenitude? Afinal do lançamento de Na minha pele – obra que consagrou o ator como um dos escritores negros mais vendidos do país – para cá, foram inúmeras as conquistas da militância negra.Mas o autor garante que o antirracismo segue presente no livro, mas agora analisando estratégias que precisam ser mudadas. “Tem assuntos que não estavam populares, que a gente não estava discutindo como, por exemplo, saúde mental e física. Falo muito sobre isso, um tema que ficou mais presente nas nossas discussões”.“Eu acho que ele [o livro] celebra coisas importantes que aconteceram como, por exemplo, a entrada de pessoas nas universidades. O audiovisual com várias obras, que tem uma certa relevância, e que tem uma presença negra maior. A afirmação através da estética, que se tornou mais evidente, mais presente. Isto é para a gente também celebrar, para não ficar só sofrendo”, arremata.Na nova obra, Lázaro retoma o diálogo com o livro anterior e, ao estabelecer uma ponte com inúmeras outras personalidades negras, mostra como seus pensamentos e ações são forjados numa mesma ancestralidade.“É uma percepção de onde a gente veio, pra onde a gente vai. Quando eu falo da minha mãe, que era uma funcionária doméstica, é pra dizer assim: essa mulher tem tanto valor, olha a história dela, olha o que ela produziu de conhecimento, olha o que ela deixou de legado pras pessoas, né? Então, eu acho que é muito esse desejo de resgatar uma história, de se sentir parte dela e de entender o que a gente vai deixar para as outras gerações”, sintetiza o autor.Para Lázaro, que escreve desde os 14 anos, o universo literário ganhou força em sua vida a partir do momento em que começou a participar do Bando de Teatro Olodum. “Quando comecei a fazer teatro, comecei a ler os livros voltados para o teatro. Eugenio Kusnet, O Ator e o Método, Stanislavski, Brecht. E aí eu disse eita! Eu gosto desse negócio, isso é bom também, tem outro valor. Aí comecei a correr atrás. Hoje em dia, sou um grande leitor”.Experiência de curaNa Nossa Pele tem o intuito de levar o público a refletir, em um mundo cada vez mais caótico, sobre o melhor caminho a seguir. E sugere que pode ser aquele que inclui a equidade, o valor à vida, o respeito às diferenças, o cuidado com o meio ambiente, a proteção à infância e a retomada da alegria, sobretudo a revolucionária, transformadora.Lázaro acredita que este livro é uma experiência de cura. “Eu acho que é a continuação de uma conversa, tentando atualizar e ser útil para hoje. Não é um livro para ser um clássico. Para mim, isto não importa. Quero fazer um livro para ser útil, para melhorar a vida hoje. É para isso que ele tá aí”.Irrequieto que é, o escritor já tem novos projetos engatilhados. Lança, no início de abril, uma audiossérie baseada no livro 1984, de George Orwell, em que ele participa como ator. E no segundo semestre virão mais dois livros. Um infantil e uma biografia da grande atriz Ruth de Souza (1921-2019).“Dona Ruth de Souza foi convocada para escrever uma autobiografia e ela pediu para eu escrever. É uma biografia dela comigo, mas tentando reproduzir o que ela queria falar para o mundo”, finaliza o escritor.Lançamento de ‘Na Nossa Pele’ / Hoje, 15h / Livraria LDM, Vitória Boulevard (Corredor da Vitória)
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