Há 6 anos RN não tem cenário de despejos por terra, celebra ex-adjunto da Sedraf

O jurista e militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Cícero Araújo, está em nova missão. Neste mês, ele deixou o cargo de adjunto na Secretaria de Desenvolvimento Rural e da Agricultura Familiar do RN (Sedraf) e assumiu como titular da Agricultura do município de João Câmara. Araújo faz um balanço de sua passagem pela Sedraf e as expectativas para o novo trabalho. Celebra, ainda, o cenário nas lutas pelo campo no estado, e diz que desde 2019 não há despejos relacionados à luta pela terra.

“A gente atuou muito forte nessa frente de apoio à reforma agrária, de regularização fundiária, mas também de projetos de agroindústrias e apoio à comercialização, na perspectiva de fortalecimento das cooperativas de agricultura familiar”, diz Cícero, que também define como central a construção do Comitê Estadual de Mediação e Resolução de Conflitos Fundiários Rurais ainda no início do governo Fátima Bezerra (PT).

“A institucionalização desse comitê deu segurança jurídica para o governo mediar esses processos, mas principalmente ajudou a criar uma cultura administrativa de mediação de conflitos fundiários. Até 2018 nós tínhamos um cenário no Rio Grande do Norte de muitas violações de direitos humanos, violações no tema das reintegrações de posses coletivas dos movimentos sociais, seja moradia urbana, seja da luta pela terra. E era um cenário de violações de direitos em que as forças de segurança, a polícia, não contava história, simplesmente seguia a ordem judicial e reintegrava a qualquer custo, de qualquer modo”, aponta.

“A partir de 2019, nós temos aí uma política de mediação em que as polícias vão para dentro de um comitê e escutam os movimentos sociais e cumprem um protocolo. Um protocolo que se normaliza as formas de saída, as formas de reintegração. E isso ajuda a criar uma outra cultura administrativa dentro das próprias polícias. Porque às vezes fica parecendo que algoz é a polícia, mas é o Judiciário que determina a reintegração. Então, nós tivemos um grande ganho, porque são muitas instituições dentro do comitê e os movimentos sociais, em um espaço de diálogo. E desde 2019, além de nós não termos cenário de despejos, o que nós temos são acordos de doação de imóvel, de cessão de imóvel, de avanço em processo de regularização fundiária. Nós temos acordos para que as famílias permaneçam lá enquanto não se efetiva uma política de acesso à terra, de reforma agrária. Isso foi muito positivo ao longo desse período”, define.

Ainda sobre o Comitê, o ex-adjunto da Sedraf diz que em vários estados os movimentos sociais sofrem por conta de ações de despejo. O Rio Grande do Norte, para ele, tem sido “escola para outros estados” e até referência para a ouvidoria agrária do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).

“Acredito mesmo que a gente ajudou a criar uma outra cultura jurídica, política e até policial sobre o tema, já que questão agrária não é questão de polícia”, diz Cícero Araújo. 

Mas, para além disso, ele também afirma que a pauta fundiária no estado precisa ser melhor atendida para além dos conflitos. 

“Nós precisamos normalizar a lei de terras do Estado, modernizar a nossa estrutura fundiária, nós precisamos fortalecer a política fundiária que nós não temos mais hoje um instituto de terras. Foi extinto, mas precisamos pensar nisso. Não pode se limitar a uma coordenação dentro de uma secretaria de agricultura familiar e desenvolvimento”, aponta.

Secretaria de Agricultura de João Câmara

Convidado para fazer um trabalho semelhante, mas agora como titular na pasta de Agricultura, Pecuária e Recursos Hídricos de João Câmara, Cícero foi nomeado pela prefeitura Aize Bezerra (PSDB) — aliada do governo Fátima — em 10 de março. Já a passagem pela Sedraf durou entre fevereiro de 2023 a março de 2025.

Araújo diz que, ao receber o convite, primeiro negou pelos compromissos que já possuía com a Sedraf. No entanto, depois a prefeita Aize refez o convite e ele aceitou.

“Eu conversei com o MST, conversei com a governadora, conversei com a deputada Natália e outros parlamentares e todas essas instâncias acharam importante essa perspectiva de ir para a região do Mato Grande, fortalecer um projeto coletivo de agricultura na região do Mato Grande, mas fortalecer um projeto democrático. Ali em João Câmara, há mais de 20 anos que não conseguimos ter diálogo institucional com os governos que ali passavam. Então, pela primeira vez, abre-se uma janela histórica que nos proporciona construir um governo na pauta municipalista, mas em João Câmara, por ser um polo, por ser um município importante ali no Mato Grande, o que você faz em João Câmara repercute para a região, desde as políticas públicas de agricultura familiar e nos diversos temas”, aponta o secretário.

“A gente construiu essa mediação, fizemos essa transição e assumi essa semana, diante de muitos desafios que nós temos no município. Mas foi algo mediado, foi algo construído, no sentido de pensar um projeto de desenvolvimento rural municipal a médio e longo prazo”, continua.

A cidade, para ele, é um município histórico por ser o berço da luta pela terra e pela reforma agrária no Rio Grande do Norte. Foi lá onde nasceram as primeiras grandes ocupações de terra e os primeiros grandes assentamentos. João Câmara também comunidades indígenas e tradicionais relevantes, com alguns dos principais movimentos socais nacionais estabelecidos naquele território.

“Temos muitos desafios no sentido do desenvolvimento rural. Nós temos que avançar na perspectiva de apoio à comercialização, de melhoria dos equipamentos públicos, como a feira livre, o mercado público. Temos a intenção de criar o Mercado da Agricultura Familiar no município, justamente para fomentar essa cadeia produtiva da região e o acesso a mercado e comercialização. E para isso a gente vai precisar fazer parcerias. Estamos agora no período de plantio, então alguns programas estratégicos como o algodão agroecológico, a Prefeitura, a Secretaria de Agricultura em parceria com a Emater está dando todo o apoio, intensificando agora as ações do programa do corte de terras, justamente para que os agricultores consigam aproveitar a janela de plantio e avançar. Então, eu acho que temos uma agenda densa lá no município, mas que é muito rica e com potencial muito grande”, comenta o secretário.

Para isso, segundo ele, também são necessários diálogos e parcerias com diferentes órgãos, como a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Emater-RN (Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Norte), Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), além do governo do estado, federal e a própria Sedraf.

Ação do MST em João Câmara

Nesta quinta-feira (13), as mulheres do MST no RN realizaram duas ações diferentes se manifestando contra o avanço do capital de exploração energética sobre as comunidades tradicionais do estado.

Seguindo o calendário de luta da Jornada Nacional das Mulheres Sem Terra, o coletivo de mulheres do MST fez primeiro um escracho na subestação João Câmara III, da Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco), uma das maiores do estado, localizada na comunidade de Queimadas, no município de João Câmara, região do Mato Grande.

Conhecida como Capital Nacional dos Ventos, por apresentar um dos maiores polos de concentração de complexos eólicos do país, a área apresenta uma grande concentração de assentamentos, a exemplo do Marajó, Modelo I e II, Maria da Paz, Brinco de Ouro, Limão, Primeiro de Junho e outros, que acumulam mais de 500 famílias diretamente atingidas. O movimento também ocupou o cruzamento da BR-406 com a RN-120, sentido Parazinho.

Questionado sobre o apoio a essas famílias e os processos para que sejam assentadas, o secretário enfatiza que a mobilização em João Câmara foi uma pauta estadual que ocorreu no município, e que depois houve uma audiência com órgãos do governo federal e do estado. Ele aponta, no entanto, para a abertura do diálogo entre a Secretaria Municipal e as famílias. 

“Inclusive eu quero criar um Comitê Gestor de Políticas Públicas que vai envolver os movimentos sociais de João Câmara, as cooperativas, as entidades, os sindicatos serão convidados para participar e pensar esses desafios no tema da regularização fundiária, no tema do acesso à terra. Então esse é um grande gargalo que nós temos, é um grande desafio. Existe em João Câmara o mapeamento de algumas comunas por moradia urbana, já estamos em diálogo com outros órgãos de habitação social para pensar estratégias, estamos em contato com órgãos para atuar em cima da regularização fundiária, a SPU (Secretaria do Patrimônio da União) é um desses órgãos, mas também estamos pensando agendas positivas para construir junto com os movimentos, as cooperativas, as associações, os sindicatos”, define.

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