Início da gestão de Paulinho Freire é marcado por crises em série

O início da gestão de Paulinho Freire (União Brasil) à frente da Prefeitura de Natal tem sido marcado por uma série de crises. Em pouco mais de dois meses de mandato, o prefeito acumula desgastes com as falhas da engorda da praia de Ponta Negra, os alagamentos provocados pelas primeiras chuvas do ano, as dívidas herdadas da gestão do ex-prefeito Álvaro Dias (Republicanos) e a denúncia do Ministério Público Eleitoral (MPE) de abuso de poder político e econômico nas eleições de 2024.

Desde a tragédia dos tempos da ex-prefeita Micarla de Sousa, que tinha como vice-prefeito, ironicamente, o atual prefeito Paulinho Freire, não se via uma gestão municipal às voltas com tantas situações adversas. Micarla, vale relembrar, chegou a ser afastada do cargo, quase no final do mandato, por determinação judicial, em outubro de 2012.

É muito cedo ainda para decretar a “mircalização” do novo prefeito, mas o início conturbado da atual gestão municipal, sem direito nem à tradicional “lua de mel” dos 100 primeiros dias, já vem levantando dúvidas sobre a capacidade administrativa e política de Paulinho Freire.

Denúncia do Ministério Público

No âmbito polítoco, a maior crise enfrentada pela nova gestão até então é a denúncia do Ministério Público Eleitoral (MPE) contra Paulinho Freire, Joanna Guerra e Álvaro Dias, além dos vereadores eleitos Daniell Rendall (Republicanos) e Irapoã Nóbrega (Republicanos), por abuso de poder político e econômico nas eleições municipais de 2024.

Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), ajuizada no início de fevereiro pelo MPE, pede a cassação dos mandatos do prefeito, da vice-prefeita e dos vereadores, além da inelegibilidade pelo período de oito anos deles e do ex-prefeito Álvaro Dias.

Foto: Divulgação

De acordo com a denúncia do MPE, Álvaro Dias “orquestrou como um todo o esquema eleitoral, valendo-se da máquina pública administrativa municipal” para favorecer a candidatura do prefeito eleito Paulinho Freire, da vice-prefeita Joanna Guerra e dos vereadores Daniell Rendall e Irapoã Nóbrega, ambos do Republicanos.

A ação cita que a “tônica presente na quase totalidade dos depoimentos narrados”, colhidos durante a investigação, era que o ex-prefeito “pediria os cargos comissionados e os empregos de terceirizados caso não houvesse apoio aos seus candidatos”.

“Em verdade, moveu-se a máquina pública administrativa municipal para contactar as lideranças comunitárias visando apoiarem o então candidato ao cargo de Prefeito, Sr. Paulinho Freire, e sua vice, a Sra. Joanna Guerra, em troca de serviços públicos a serem prestados em suas respectivas comunidades, bem assim de empregos (terceirizados) na estrutura da administração pública municipal”, apontou o MPE.

Em caso de condenação na Justiça Eleitoral, Natal poderá ter novas eleições para escolher um novo prefeito. A ação, no entanto, ainda seguirá um trâmite bastante longo até o possível afastamento do prefeito e da vice dos seus cargos.

Uma chuva de crises

Mas o desgaste da nova gestão teve início antes mesmo da turbulência política provocada pela denúncia do MPE. As primeiras chuvas do ano, logo no começo de janeiro, além de causarem os tradicionais alagamentos na cidade, expondo as já conhecidas fragilidades na infraestrutura urbana da capital, expôs a falta de planejamento da administração municipal para amenizar os transtornos à população.

Enquanto a cidade estava debaixo d’água, o prefeito permaneceu encastelado no Palácio Felipe Camarão, sem sair sequer para ver de perto os problemas causados pelas chuvas, como a cratera que se abriu na esquina das ruas Nossa Senhora do Ó e Santa Luzia, no bairro de Igapó, na Zona Norte de Natal.

Foto: Vinicius Marinho/Inter TV Cabugi

A cena chamou atenção porque, no dia 30 de dezembro de 2024, o ex-prefeito Álvaro Dias esteve no local para inaugurar a ampliação do sistema de drenagem, com investimento anunciado de R$ 8 milhões.

Durante a inauguração, Álvaro Dias prometeu que o drama dos moradores, que há anos sofriam com os alagamentos, havia acabado. O discurso, no entanto, não resistiu ao teste da realidade. A obra, no final das contas, foi só mais uma das muitas que foram entregues inacabadas pelo ex-prefeito.

Operação Chuva”

Para transmitir uma imagem de gestor preocupado com o que acontecia na cidade, apesar de não colocar o pé nas ruas, Paulinho Freire se reuniu com o secretariado para anunciar a “Operação Chuva”.

Notícia publicada no site da Prefeitura de Natal informava que a citada operação consistia na “mobilização de todos os órgãos da gestão municipal para atuar na prevenção e solução de problemas causados pelas chuvas”.

Encastelado no Palácio Felipe Camarão, prefeito anuncia “Operação Chuva”. Foto: Demis Roussos/Secom

Entre as medidas da “Operação Chuva”, estavam previstas “vistorias técnicas em áreas críticas, intensificação do trabalho das equipes de limpeza urbana e o acompanhamento das condições meteorológicas”.

Dois meses depois, a cidade voltou a ser afetada pelos alagamentos provocados pelas chuvas da noite de sábado (9), que causaram transtornos em praticamente todas as regiões de Natal.

A vitrine que virou vidraça

As chuvas também causaram alagamentos em trechos da faixa de areia alargada na praia de Ponta Negra. O aterro hidráulico, feito para ser uma vitrine, terminou se transformando em uma grande vidraça para a Prefeitura de Natal.

Alagamentos viraram rotina na engorda de Ponta Negra. Foto: Emanuel do Cação/Cedida

A obra se mostrou um enorme fracasso, como ficou evidente com os alagamentos. Em julho de 2024, quando ainda era pré-candidato a prefeito, Paulinho Freire participou da invasão à sede do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema), capitaneada pelo ex-prefeito Álvaro Dias, para pressionar o órgão ambiental a emitir a licença para o início da engorda.

A Prefeitura de Natal, ainda na gestão de Álvaro Dias, obteve uma decisão judicial obrigando o Idema a emitir a licença ambiental, além de impedir que o órgão fiscalizasse a obra.

Oficialmente concluída no dia 25 de janeiro de 2025, a engorda virou uma dor de cabeça constante: novos alagamentos a cada chuva, queda do número de turistas em Ponta Negra e prejuízos para ambulantes, quiosqueiros e comerciantes que dependem do movimento da praia para sobreviver.

Obra foi feita sem projeto de drenagem

A obra, segundo relatório da Defesa Civil Nacional, não poderia ter sido feita sem a conclusão do serviço drenagem, como havia sido cobrado pelo Idema, para evitar justamente a ocorrência de alagamentos.

A Prefeitura de Natal, depois de tentar terceirizar a culpa responsabilizando a Caern pelo problema dos alagamentos em Ponta Negra, admitiu que a obra foi feita sem o projeto de drenagem. A instalação dos 16 dissipadores de energia para controlar a vazão das águas das chuvas só foi concluída no final de fevereiro, segundo informou a Secretaria de Infraestrutura de Natal (Seinfra).

Prefeitura anunciou conclusão da drenagem na engorda. Foto: Sérgio Henrique Santos/Inter TV Cabugi

Apesar disso, novos alagamentos ainda podem ocorrer, mas, segundo a pasta, as poças de água se “infiltrarão mais rapidamente” na faixa de areia, causando menos transtornos aos banhistas de Ponta Negra.

Rodolitos

Além dos alagamentos, os rodolitos encontrados na areia usada no aterramento da praia também viraram um problema. A Secretaria de Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb), inicialmente, minimizou o problema, mas depois admitiu que os materiais calcários “oferecem risco de ferimentos a banhistas e trabalhadores”.

Ponta Negra após engorda I Foto: Mirella Lopes
Foto: Mirella Lopes

A Prefeitura de Natal contratou uma empresa, com dispensa de licitação, para fazer a limpeza mecanizada dos 4,6 quilômetros da faixa de areia alargada. A operação, iniciada no dia 25 de fevereiro, está sendo feita pela MB Construções e Serviços Ltda.

O contrato da limpeza da engorda tem validade até setembro de 2025, com custo mensal de R$ 67 mil. Os recursos, segundo a Prefeitura de Natal, são oriundos do Fundo Municipal de Meio Ambiente (Funam).

Didididiê

Às voltas com os transtornos causados pelas chuvas e as falhas na obra da engorda de Ponta Negra, a nova gestão municipal se viu envolvida em mais uma crise quando o prefeito Paulinho Freire foi flagrado na festa de aniversário do cantor Luiz Carlos, vocalista do grupo de pagode Raça Negra, na madrugada do dia 4 de fevereiro, em um bar na Zona Sul de São Paulo.

As imagens de Paulinho e da primeira-dama e secretária municipal de Trabalho e Assistência Social (Semtas), Nina Souza, se divertindo no show de Martinho da Vila, enquanto a cidade estava debaixo d’água, viralizaram rapidamente nas redes sociais.

Foto: Reprodução Redes Sociais

Enquanto Paulinho e Nina Souza festejavam o aniversário do cantor do clássico do pagode “Cheia de Manias”, conhecida pelo célebre refrão “didididiê”, Natal enfrentava dois dias seguidos de fortes chuvas, que causaram os transtornos de sempre na cidade: alagamentos em todas as regiões, lagoas de captação transbordadas, ruas e avenidas interditadas e pessoas ilhadas ou obrigadas a saírem de suas casas.

Cadê o prefeito?

A cobrança sobre a ausência do prefeito começou a ecoar mais fortemente nas redes sociais, obrigando a nova gestão a dar uma resposta para reverter a imagem negativa deixada pelo sumiço de Paulinho Freire.

A Prefeitura de Natal lançou uma ofensiva de comunicação na tentativa de demonstrar que o prefeito, ao contrário do que diziam os críticos, estava presente na cidade.

Depois de passar mais de um mês encastelado no Palácio Felipe Camarão, viajar a Brasília em agenda não informada pela Prefeitura de Natal e ser flagrado no aniversário do cantor Luiz Carlos em São Paulo, Paulinho Freire fez uma aparição em público, no dia 9 de fevereiro, numa visita ao Mercado da Redinha.

Fechamento do Mercado da Redinha

O local escolhido para a aparição em público, inclusive, também foi motivo de outra crise para a nova gestão. O Mercado Turístico da Redinha, que custou R$ 25 milhões, foi fechado no final de janeiro apenas um mês depois de ser inaugurado.

Antes mesmo da inauguração, o município já havia sido criticado por excluir os permissionários do antigo Mercado da Redinha da inauguração do novo Complexo Turístico.

Mercado da Redinha I Foto: Mirella Lopes
Foto: Mirella Lopes

A pressão dos comerciantes e a repercussão negativa do fechamento obrigou a Prefeitura de Natal a anunciar a reabertura temporária do espaço durante o período da alta estação, mas neste domingo (10), o novo complexo turístico voltou a ser fechado.

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação civil pública, na última sexta-feira (7), exigindo a participação da comunidade tradicional local nas decisões sobre as intervenções do Mercado da Redinha, além de pedir a suspensão do projeto de concessão do empreendimento à iniciativa privada.

A Prefeitura anunciou que lançará um novo edital de concessão à iniciativa privada, ainda sem data confirmada, uma vez que no primeiro não houve empresas interessadas. Enquanto isso, não há prazo para reabertura do espaço.

Dívidas na Saúde

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) foi outro foco de crise no início da gestão de Paulinho Freire. Em pouco mais de um mês, a pasta mudou de titular três vezes, sendo ocupada atualmente pelo médico Geraldo Pinho.

Paulinho anuncia novo secretário municipal de Saúde, Geraldo Pinho. Foto: Divulgação

A primeira comandante da SMS, a médica Leidimar Murr, foi exonerada “a pedido” do cargo com menos de um mês à frente da pasta.

Indicada para a pasta pelo Sinmed-RN (Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Norte), Leidimar Murr, segundo informações de bastidores, teve sua exoneração atribuída ao fato de se recusar a conversar com fornecedores da SMS, além de ter colocado em cargos estratégicos da pasta pessoas que seriam ligadas ao Partido dos Trabalhadores (PT).

Ela foi substituída, na época, pela então secretária-adjunta Raiane Araújo, que pediu demissão para assumir um cargo no Sesi-RN.

O novo secretário, anunciado no dia 10 de fevereiro, em um de seus primeiros atos, reconheceu mais uma série de dívidas na pasta, com débitos que chegam a quase R$ 75 milhões, herdados da gestão do ex-prefeito Álvaro Dias.

A maior dívida, no valor de pouco mais de R$ 13,6 milhões, é com a Cooperativa Médica do Rio Grande do Norte (Coopmed), referente a outubro de 2024.

Herança Maldita

A crise financeira também foi outro incêndio que marcou esse início de gestão de Paulinho Freire. De acordo com o relatório da comissão de transição de gestão, coordenada pela vice-prefeita Joanna Guerra (Republicanos), encaminhado no final de janeiro ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-RN), o prefeito herdou uma dívida milionária deixada pelo ex-prefeito Álvaro Dias.

De acordo com o relatório, assinado pelo próprio Paulinho Freire, o total devido em restos a pagar é de R$ 862,9 milhões, dos quais R$ 349,8 milhões estão processados e não pagos e R$ 513 milhões não processados – os compromissos foram empenhados, mas sem cobertura financeira.

Além disso, existe uma dívida previdenciária de R$ 262,3 milhões da Prefeitura de Natal com o NatalPrev (Instituto de Previdência Social dos Servidores do Município de Natal), que segundo o relatório “está integralmente parcelada e em dia”.

Paulinho, no entanto, minimizou o problema, afirmando que “toda gestão, quando assume, pega dívidas e obras paradas”, mas que está “tentando organizar” para “dar continuidade” e “diminuir essas dívidas”.

Além das dívidas, o relatório também apontou a existência de 46 obras “paralisadas ou inacabadas”, que estão “concentradas nas secretarias municipais de Educação e de Serviços Urbanos”.

De acordo com o relatório, “a paralisação dessas obras compromete a infraestrutura e a prestação de serviços, impactando diretamente a população”.

Álvaro disse que Joanna “se equivocou” sobre dívida. Foto: Divulgação

Em sua defesa, Álvaro Dias atirou nos próprios aliados, dizendo que o valor de R$ 862,9 milhões, apontado no relatório da equipe de transição, coordenada pela vice-prefeita Joanna Guerra, estava “superfaturado”. Joanna também foi secretária municipal de Planejamento na gestão de Álvaro.

Álvaro Dias disse que a vice-prefeita “se equivocou” e que o valor da dívida que deixou para Paulinho Freire não era de R$ 862,9 milhões, mas sem informar o valor real do rombo financeiro deixado pela sua gestão.

Corrida contra o tempo

Daqui a pouco mais de um mês, quando completar 100 dias à frente da Prefeitura de Natal, Paulinho Freire possivelmente apresentará um balanço do início da nova gestão municipal.

O discurso oficial, como é de costume, deverá focar nas supostas realizações da atual administração, procurando projetar uma visão otimista para o restante do mandato do prefeito e da sua vice.

Mas, passada a euforia do carnaval, a população tende a voltar as atenções novamente para os problemas da vida real, o que exigirá do prefeito respostas mais rápidas para o conjunto de demandas da cidade.

O desafio é saber se ele terá tempo para provar que a população fez a escolha certa ao elegê-lo ou se a ameaça da cassação do mandato será confirmada pela Justiça Eleitoral.

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