Gestação de alto risco: em cinco anos, mais de 5 mil grávidas morrem no RN

A gravidez é um dos momentos mais especiais para muitas famílias, mas é também um momento delicado e que exige cuidados para resguardar tanto a saúde da mãe quanto o desenvolvimento do bebê. Nesse sentido, as gravidezes de alto risco representam um desafio para os profissionais de saúde e uma das principais causas de mortalidade materna. 

Segundo dados do Ministério da Saúde, mais de 5 mil grávidas morreram no Rio Grande do Norte entre 2020 e agosto de 2024. No Brasil, somente até agosto do ano passado, 43.196 mulheres morreram durante a gestação ou em até 42 dias após o término da gravidez – o RN registrou 563 mortes. Os dados constam no Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna.

Em Natal, uma referência no atendimento ao público de gravidezes de alto risco é a Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC/UFRN/Ebserh). Em 2024, de acordo com dados disponibilizados pela Ebserh, a MEJC atendeu 1678 pacientes com esse perfil; em 2023, foram 1568. 

Complicações na gravidez

Durante o período da gestação, as gestantes podem ter uma gravidez tranquila e chegarem à 40ª semana, por exemplo, sem maiores preocupações. Mas, em alguns casos, a partir da 20ª semana elas podem enfrentar complicações, como a pré-eclâmpsia, a eclâmpsia e até a Síndrome de HELLP, uma forma grave da pré-eclâmpsia.

Quem explica essas complicações é a ginecologista Maria da Guia de Medeiros, que atua na MEJC. Segundo a médica, é essencial para as gestantes realizarem um bom atendimento pré-natal desde cedo. No caso da Maternidade, há profissionais especializados em lidar com as doenças que podem acometer pessoas grávidas.

De acordo com Maria, a pré-eclâmpsia tem como característica a elevação da pressão arterial e costuma acontecer após as 20 semanas de gestação. Além da hipertensão, ela pode provocar alterações sistêmicas nos rins, no cérebro e no fígado. Já a eclâmpsia é algo mais grave e vem acompanhada de convulsões na grávida. 

A síndrome de HELLP, por sua vez, é um estado em que a gestante sofre uma diminuição das plaquetas, a plaquetopenia, e tem alterações nas enzimas do fígado, as enzimas hepáticas. Essa condição acometeu a cantora Lexa em fevereiro deste ano. Ela teve um parto prematuro e sua filha, de nome Sofia, morreu. 

Tal síndrome pode ocasionar até a mortalidade materna, por isso muitas vezes a gestação é interrompida precocemente. “A paciente tem hemorragia por conta dessa Síndrome de HELLP, e por vezes ela vem a falecer exatamente devido à hemólise”, diz Maria.

Cuidados no pré-natal

É importante que a gestante realize o acompanhamento e receba cuidados desde o pré-natal. Muitas vezes, os profissionais de saúde já podem amenizar a pré-eclâmpsia, cujo principal sinal é o aumento da pressão arterial. 

A ginecologista Maria Daguia pontua: “Na maioria das vezes, um pré-natal adequado coloca essa paciente num risco menor de ter uma gravidade na pré-eclâmpsia. Ela até pode ter a pré-eclâmpsia, mas, se ela for bem cuidada, ela corre menos risco de ter uma maior complicação”. 

A partir do aumento da pressão arterial, os profissionais já podem recomendar medicações como o ácido acetilsalicílico (AAS) e o cálcio.

A saúde tanto da gestante quanto do bebê pode ser comprometida com quadros graves dessas manifestações, mesmo quando o recém-nascido vive, diz Medeiros.

“Boa parte desses bebês vão para a UTI. E todo bebê que vai para a UTI devido a uma prematuridade tem os riscos de que, ainda quando criança ou adolescente, tenha complicações como dificuldades no aprendizado, na visão e na audição. Muitas vezes, eles não têm um desenvolvimento psíquico e motor adequado”.

Existem fatores de risco

Além dos sinais das complicações, existem fatores de risco para a pré-eclâmpsia: “Existem alguns fatores de risco que não são modificáveis. Por exemplo, a pré-eclâmpsia é uma doença que é mais prevalente nas mulheres negras”, diz Medeiros. Pode também ser influenciada por fatores genéticos.

“Alguns fatores não são modificáveis, mas outros podem ser. Dentre esses fatores, a gente pode falar na obesidade, que é uma epidemia mundial”, adiciona. “[A gestante] pode também ter outro fator associado. Existem doenças imunológicas que também predispõem, doenças metabólicas, doenças imunossupressoras.” 

A MEJC é uma maternidade que atende especialmente gestantes de alto risco, segundo Medeiros. A maternidade com uma estrutura desde um pré-natal especializado até recursos como exames de ultrassom, cardiotocografia, UTI Materna, UTI Neonatal, equipe multiprofissional, enfermaria para gestação de alto risco, e profissionais qualificados. 

Para lidar com gravidezes de risco, na rede municipal da capital potiguar, Maria Daguia cita unidades de saúde nos bairros Cidade da Esperança, Neópolis e Rocas.

Cerca de 95% dos partos realizados na MEJC são em gestações de alto risco, segundo a assessoria de imprensa da MEJC. Aproximadamente 50% desses partos possuem diagnósticos relacionados a transtornos hipertensivos na gravidez e no parto; e diagnósticos relacionados a diabetes mellitus na gravidez correspondem a 13% dos partos.

“Ter um bom pré-natal e ter uma maternidade de referência que acolha na hora da necessidade é de suma importância para a paciente que tem gestação de alto risco, porque a maior mortalidade de grávidas no Brasil acontece com pacientes de hipertensão. É importante fazer o acompanhamento pré-natal desde cedo, realizado por uma pessoa que saiba conduzir esse pré-natal de alto risco”, conclui.

Luto perinatal

A psicóloga Fabiana Lima, que também atua na MEJC, explica sobre o luto perinatal e a importância de acolher as famílias cujos filhos morrem entre o período da gestação ou até 28 dias após o parto.

O luto, diz a psicóloga, é uma reação diante da perda de uma pessoa significativa: “É um processo não linear, e repercute na vida da pessoa de uma forma global, impactando emocionalmente, interferindo socialmente, refletindo nas relações familiares, no trabalho e outros espaços”. Já o luto perinatal carrega ainda mais carga emocional, podendo ser muito traumático para os pais. 

“Desde o momento que se decide engravidar, ser pai, mãe, que se inicia a construção da parentalidade, um vínculo vai se formando; envolve sonhos, projetos com esse filho. Quando algo imprevisto acontece, e esses pais perdem esse bebê e não se concretiza a existência desse filho, ocorre muita dor e sofrimento”. 

Além do sofrimento, muitos pais enfrentam a desvalorização desse sentimento, segundo Lima. “Eles nem sempre são reconhecidos enquanto mãe e pai de um filho que não sobreviveu além da gestação ou do parto. As mães e pais […] vivem um luto muito solitário, pois as pessoas de seu convívio, familiares, amigos, no trabalho, evitam falar a respeito e cobram que a pessoa fique bem, supere, reflexo de uma cultura de lidar com a morte, especialmente a morte de um bebê”.

Para a psicóloga, entretanto, é fundamental acolher e respeitar os sentimentos dessas pessoas, além da presença de sua rede de apoio.

A morte de um bebê, como ocorreu com a filha da cantora Lexa, é uma realidade comum em hospitais que atendem a gravidezes de risco, diz Fabiana. “É muito importante que esses pais enlutados tenham espaço de fala, de escuta, que consigam expressar seus sentimentos e que sejam acolhidos socialmente, na família, entre amigos, no trabalho.” 

Mortalidade materna no RN

  • 2020: 1070
  • 2021: 1369
  • 2022: 1082
  • 2023: 970
  • 2024 (até agosto): 563

Fonte: Ministério da Saúde

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