Livro Do Joanes ao Jacuípe ganha edição revista e ampliada

Um novo milênio começava quando o baiano Diego Copque iniciava uma busca que o levaria a um projeto de vida. Faz 25 anos que o historiador e escritor sofreu um ato de discriminação racial no ambiente de trabalho que o fez questionar a própria ancestralidade.A busca pessoal pelas raízes e por uma origem africana, que ele acreditava firmemente estar no sobrenome Copque, se transformou em uma jornada acadêmica que resgata a história do Recôncavo Norte da Bahia.Natural da cidade de Camaçari, Diego transformou a pesquisa no livro Do Joanes ao Jacuípe, uma história de muitas querelas, tensões e disputas locais, que ganhou versão revisitada e que será lançado no próximo mês.A pesquisa genealógica de Diego ganhou forma quando ele se deparou com a perplexidade da origem do próprio sobrenome. A busca pela ancestralidade revelou que Copque é uma família alemã, com uma linhagem ligada à Casa Kopke, a primeira produtora de vinho do Porto, em Portugal.”Eu criei essa ideia de que o meu sobrenome era africano e dei com os burros n’água”, conta Diego. O choque, no entanto, não impediu o baiano de transformar o levantamento em uma ferramenta de resistência e afirmação das culturas afro-brasileiras e indígenas do Recôncavo Norte.A pesquisa levou Diego a encontrar muitas fontes relacionadas aos rios Joanes, Jacuípe e Pojuca, os principais da região do Recôncavo Norte e, especificamente, do município de Camaçari. “Fui mudando o meu foco de estudo”, diz.Ele começou a se interessar pela história da região e a descobrir que, além de um processo pessoal de reconhecimento, a investigação revelava o quanto a localidade perdeu as identidades cultural e geográfica com a industrialização.Em Do Joanes ao Jacuípe, Diego revela a batalha pela memória de uma região marcada pela miscigenação, pela luta dos povos indígenas e pelo protagonismo da cultura afro-brasileira.A história de Camaçari, que se originou em um aldeamento indígena no final do século XVI, é baseada em uma resistência constante. O município foi fundado com o nome de Aldeamento do Espírito Santo e foi palco da primeira demarcação de terras indígenas do Brasil, em 1562.Porém, ao longo dos séculos, os povos originários foram sistematicamente apagados da história oficial. Cada indígena que nascia, que casava ou que morria, perdia a denominação e passava a ser identificado como caboclo, pardo ou mulato. “A partir daí, se inicia um processo de apagamento da identidade deste povo”, explica Diego.Esse movimento, segundo o escritor, não foi feito despropositadamente. “Era uma estratégia de exclusão”, conta o escritor, acrescentando que a iniciativa fazia parte de um projeto de colonização que procurou tornar a região produtora de riquezas para a coroa portuguesa. “Ou seja, esses povos foram transformados em súditos da coroa”, conta Diego. “Súditos de segunda ou terceira categoria, claro, mas com a perspectiva de gerar riquezas, de pagar impostos”.Anos depois, o processo de industrialização da localidade foi fundamental para a perda da identidade cultural e geográfica da região. O projeto começou com a instalação da Petrobrás, na década de 1950, e do Polo Petroquímico de Camaçari, em 1978.A criação do termo “Região Metropolitana”, por exemplo, se dá durante esta época. “Foi mais um golpe na identidade de recôncavo. E, com a perda desta singularidade, também se perdem as manifestações culturais”, explica o pesquisador.O caráter estritamente industrial desses municípios em torno de Salvador transforma a região, ainda segundo Diego, em meros locais de prestação de serviço.FontesA pesquisa para o levantamento dos dados para o desenvolvimento do livro não foi uma tarefa simples. Com recursos limitados, Diego não tinha condições de cobrir os custos de envio das documentações necessárias para obter as informações, e lançou mão de uma estratégia engenhosa. “Eu enviava e-mails para diversas instituições internacionais, falava que era pesquisador e estudante sem apoio financeiro, e acabavam me enviando o que eu precisava de bom grado”.A troca de e-mails com pesquisadores no exterior se tornou uma rotina. Ele buscava fontes em instituições locais, enquanto amigos pesquisavam materiais que ele precisava em terras europeias. “Troca de favores”, define Diego.Um episódio curioso se deu quando o pesquisador precisou de documentos que estavam guardados no arquivo dos jesuítas na Itália. Sem poder viajar, recorreu a uma amiga que, morando na Europa, fez o trabalho de campo por ele, resgatando informações e enviando-as de volta.ReparaçãoO relançamento de Do Joanes ao Jacuípe conta com informações inéditas. A versão original, publicada há quatro anos, deixou lacunas que serão preenchidas nesta nova edição.“Tem algo muito pujante que é a inserção de quatro municípios na passagem do fogo simbólico”, conta Diego, se referindo ao cortejo de celebração da Independência do Brasil na Bahia.O livro serviu como documento para reivindicar junto às autoridades baianas a inserção de Camaçari, Lauro de Freitas, Dias D’Ávila e Mata de São João na rota da cerimônia.“O livro foi avaliado por uma a banca da Fundação Gregório de Mattos, que reconheceu não apenas a participação do Recôncavo Norte nas lutas da Independência, mas o protagonismo deste povo”, ressalta Diego, acrescentando que, desde 2022, ano do bicentenário da celebração, existem duas rotas do fogo simbólico: uma que parte do Recôncavo Norte e outra do Recôncavo tradicional. “Veja que, humildemente, nós estamos promovendo uma reparação histórica”.Para Diego, o trabalho de resgate da memória ancestral é vital para que a história da Bahia não se perca nas lacunas e esquecimentos impostos pela modernidade. “Não é um projeto que aconteceu em curto prazo”, diz. “É um processo longo e que ainda está em andamento”.A capa do livro tem a ver com esse trabalho de resgate. A primeira página estampa uma foto de Maria Catarina de Jesus, avó de Diego. “Ela tem 105 anos, é moradora dessa região, é super lúcida e se lembra de várias histórias”, diz o autor.
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